Alemanha não colapsou saúde e reabrirá economia. Como é possível?

Segundo especialistas em biologia molecular, segredo do país europeu foi a adoção de um sistema de monitoramento desde o início.

Brasil deveria pedir ajuda à Alemanha

Embora tenha um número grande de casos do novo coronavírus, a Covid-19, a Alemanha teve uma quantidade proporcionalmente pequena de mortes. A pandemia não sobrecarregou o sistema hospitalar do país europeu, que chegou a emprestar respiradores e receber pacientes de países vizinhos. Como resultado, os alemães se preparam para reabrir gradualmente a economia.

Fernando Reinach, especialista em biologia molecular e ex-professor do Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP), faz nesta quarta-feira (22) uma análise de como isso foi possível em sua coluna no Estado de S. Paulo.

O anúncio da reabertura veio apenas três dias após o pico de mortes, no último dia 16, quando a Alemanha registrou 315 óbitos. O pico de novos casos foi em 29 de março, com 6.294.

De acordo com Reinach, o segredo para lidar com forma tão eficaz com o vírus foi a adoção de um sistema de monitoramento desde o início. Foram essas informações que guiaram as ações de Angela Merkel. Hoje, diz o colunista, a Alemanha sabe a taxa de propagação do vírus a cada dia, monitora a imunidade de rebanho, e usa esses dados para aferir a eficiência e intensidade do distanciamento social de modo a não deixar que os hospitais fiquem sobrecarregados.

Isso é feito com programas de testagem muito bem organizados, cujo objetivo é fornecer informações ao governo. Com esse sistema, a Alemanha acredita que já tem controle suficiente da propagação do vírus para abrir a economia. Em 17 letras o plano da Alemanha é o seguinte: Manter R=1 até IR>80. O que isso significa?

R é uma medida da taxa de propagação do vírus na população. É o número de pessoas para as quais um infectado transmite o vírus antes de se curar. Por exemplo: quando R é igual a 2, um doente infecta duas outras pessoas e o vírus se espalha: um caso gera 2, que gera 4 que gera 8 e assim por diante. Se R é igual a 3, um caso gera 3 que geram 9, e o vírus se espalha rapidamente.

A Alemanha afirma que já atingiu R=1 com as medidas de contenção. Por lá um infectado só infecta uma outra pessoa. Nessa situação, o número de infectados no país não cresce, mas se mantém constante. Para cada pessoa que entra no hospital, uma sai, e a ocupação nos hospitais fica constante. Eles não aceitam R=1,1 pois calcularam que se isso ocorrer os hospitais vão encher em poucos meses. Em outras palavras, a Alemanha acredita que consegue medir continuamente R e controlar o distanciamento para manter R ao redor de 1. E acredita que as medidas de relaxamento que adota não vão fazer com que esse número aumente.

O segundo parâmetro que a Alemanha monitora continuamente é de imunidade de rebanho (IR). É uma medida da porcentagem dos habitantes que já foram infectados e provavelmente imunes ao vírus. Com R=1 a imunidade de rebanho vai crescer gradativamente. A Alemanha vai monitorar o IR frequentemente até chegar a 70% ou 80%, mantendo o R=1 nesse período. Quando esse valor for atingido, todas as medidas de distanciamento podem ser abandonadas. Não consegui descobrir quando esperam que isso ocorra.

Mas como a Alemanha consegue medir tão bem essas duas variáveis? Simples: com dois programas focados de teste. Para testar a imunidade de rebanho, o experimento é o mesmo que está sendo realizado no Brasil pelos pesquisadores de Pelotas e de São Paulo. Escolhe-se ao acaso uma amostra da população, colhe-se o sangue das pessoas, e verifica-se a presença de anticorpos. A fração das pessoas que têm os anticorpos representa a fração que já teve contato com o vírus. Isso é feito em todas as cidades com certa frequência para acompanhar o crescimento da imunidade da população à medida que as pessoas contraem o vírus e se curam.

Já a taxa de reprodução do vírus (R) é medida testando todas as pessoas que apresentam sinais da doença, mesmo casos mais leves. Se o critério de testagem for mantido constante e os testes forem feitos constantemente, é possível saber quantos casos surgem cada dia e quantos estão infectados a cada momento (esse número é derivado da mensuração da taxa de imunidade do rebanho). Com esses números, é possível calcular o R, a taxa de propagação. De posse da taxa de propagação, o governo regula as medidas de distanciamento social de modo que o R permaneça próximo de um.

É um resumo da receita alemã para lidar com o coronavírus nos próximos meses. Segundo Reinach, é uma estratégia conceitualmente simples, mas difícil de ser implementada por exigir um alto nível de organização. O especialista defende que o Brasil peça ajuda à Alemanha de Merkel.

Fonte: Estado de S. Paulo

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