O que a OMS faz e por que Trump parou de apoiá-la?

Trump suspendeu o financiamento à Organização Mundial de Saúde devido à resposta da instituição ao coronavírus

Sede da Organização Mundial da Saúde em Genebra, Suíça

Qual é a missão da Organização Mundial da Saúde?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi fundada como o organismo de saúde global da ONU em 1948, após a Segunda Guerra Mundial, com o mandato de promover a saúde global, proteger contra doenças infecciosas e servir àqueles em situação de vulnerabilidade. Foi inspirada nas conferências sanitárias internacionais do século XIX, criadas para combater doenças transmissíveis, como cólera, febre amarela e peste.

Seu programa atual prevê a expansão da assistência universal à saúde para um bilhão a mais de pessoas, protegendo outro bilhão de emergências de saúde e proporcionando a ainda outro bilhão de pessoas melhor saúde e bem-estar.

O que isso envolve?

Em termos práticos, a OMS, muitíssimo subfinanciada, atua como uma câmara de compensação para investigação, dados e recomendações técnicas sobre ameaças de doenças emergentes como o coronavírus e o ebola. Também apoia a erradicação de doenças existentes, como malária e poliomielite, e promove a saúde pública global.

Embora seu papel nas doenças emergentes seja mais familiar no mundo desenvolvido com seus sistemas de saúde mais resilientes, seu envolvimento prático é muito mais acentuado no sul global, onde vem trabalhando para expandir os cuidados básicos de saúde, apoiar a vacinação e sustentar os fracos e frequentemente estressados sistemas de saúde, através de seus programas de emergência. Seu orçamento para 2018/9 foi de US$ 4,8 bilhões, que se tornaram US$ 5,7 bilhões quando as emergências foram incluídas.

Por que a OMS está sendo criticada por Trump?

Trump apresentou o congelamento do financiamento dos EUA à OMS como uma resposta direta ao que ele afirma ter sido sua reação lenta ao disparar o alarme sobre a ameaça global do coronavírus, além de ter sido muito “centrada na China” em sua resposta. Mas o financiamento da organização já estava em sua mira em 7 de fevereiro, quando seu governo sugeriu reduzir a contribuição dos EUA, cerca de US$ 400 milhões por ano, pela metade como parte dos cortes de US$ 3 bilhões no financiamento global de saúde dos EUA.

A OMS, para quem os EUA contribuem teoricamente entre 10 e 15% de seu orçamento como seu maior contribuinte, vem pedindo US$ 1 bilhão extra para ajudar a combater o coronavírus.

A alegação de Trump e seus apoiadores de que a OMS demorou a alertar sobre o risco de transmissão de humano para humano e de que não examinou a transparência chinesa desde o início, não é amplamente confirmada pelas evidências. As orientações técnicas da OMS, publicadas no início de janeiro, alertaram para o risco de transmissão humano a humano e a organização declarou o coronavírus como uma emergência de saúde pública de interesse internacional um dia antes de Trump anunciar sua proibição parcial de voos da China.

Em vez disso, parece que Trump está seguindo um manual familiar: encontrar outras pessoas culpadas pelo tratamento que ele próprio deu ao surto de coronavírus, o que incluiu chamá-lo de “vírus chinês”, culpando o governo Obama anterior e mirando nos governadores estaduais.

Como o desempenho da OMS na crise do coronavírus se compara ao surto de Ebola 2014-15?

A OMS, sob a então diretora-geral, Margaret Chan, foi agredida por todos os lados por responder tão lentamente a um surto de ebola que começou em uma parte remota de floresta da Guiné, onde as fronteiras com Serra Leoa e Libéria eram praticamente inexistentes. No momento em que a OMS agiu, seis meses atrasada, chegara às cidades densamente povoadas.

As consequências para a OMS foram graves e minaram sua credibilidade. Os críticos dos EUA sugeriram descartá-la e criar um novo órgão global de saúde pública, embora a ideia não tenha decolado e o presidente Obama não a apoiasse. Um relatório independente encomendado por Chan concluiu que o financiamento da OMS é inadequado e que os governos não aumentam suas contribuições há anos. O Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, o atual diretor-geral e todos os outros candidatos ao cargo após Chan se comprometerem a reformar sua governança e financiamento.

A maioria dos especialistas em saúde concorda que a organização sob o Tedros teve um desempenho muito melhor em relação ao coronavírus.

Qual o impacto dos cortes de financiamento nos EUA?

Embora a suspensão do financiamento pelos EUA por 60 a 90 dias seja relativamente pequena – principalmente porque os EUA estão atrasados em seus pagamentos anuais – o potencial de uma retirada geral dos EUA do financiamento global da saúde ao abrigo deste anúncio seria muito sério e profundamente sentido em lugares que precisam de mais apoio.

Mesmo antes do anúncio de Trump, a organização estava analisando possíveis cortes na programação já subfinanciada. Tais impactos podem ser sentidos em programas já complicados pelo coronavírus, como a vacinação contra doenças transmissíveis e a criação de sistemas de alerta precoce e resiliência para lidar com doenças como o ebola nos países africanos.

Devi Sridhar, presidente de saúde pública global da Universidade de Edimburgo, considerou a decisão de Trump extremamente problemática, observando que a OMS estava liderando esforços para ajudar os países em desenvolvimento a combater a disseminação da Covid-19. “Esta é a agência que está cuidando de outros países e liderando esforços para parar a pandemia. Este é exatamente o momento em que eles precisam de mais financiamento, não menos”, disse ela.

Que outros impactos haverá?

O ataque de Trump à confiabilidade dos dados da OMS e dos sistemas de alerta precoce, em busca de sua própria agenda contra a China, ameaça seu papel de liderança. Embora a diplomacia global da saúde seja um ato de equilíbrio ao lidar com países como a China, que para o capitalismo ocidental têm um “histórico ruim de liberdade de expressão, transparência e direitos humanos”, as informações fornecidas aos funcionários da saúde pela OMS foram projetadas para serem úteis científica e clinicamente no controle da propagação da doença.

*Publicado originalmente em ‘The Guardian‘ | Tradução de César Locatelli para Carta Maior