Brasil deve aproveitar crise para voltar a ser potência industrial

Paulo Feldmann diz que atual cenário muda rapidamente e que o País tem de aprender a fabricar, pois globalização deve sofrer grande impacto protecionista e fechamento de mercados daqui para a frente

O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve sofrer retração de 5,3% em 2020, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Seria o pior desempenho econômico do País em décadas. O efeito cascata da crise é mundial. O FMI informou no mais recente relatório que o PIB global deve recuar 3% e está se esforçando para auxiliar países neste momento difícil que parece superar a crise econômica de 1929.

O professor Paulo Feldmann, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, afirma, ao Jornal da USP no Ar, que “essa crise impressiona pelo fato de as previsões mudarem drasticamente a cada 15 dias. Agora já se prevê uma recessão e queda muito grande no crescimento deste ano e a situação é terrível, porque não se tem uma ideia do futuro e é muito provável que essa situação piore ainda mais”.

Mesmo a China, que já saiu do auge da crise do novo coronavírus e busca a retomada de suas atividades econômicas há algumas semanas, já colhe um resultado negativo. Havia expectativa de crescimento, devido à saída rápida da epidemia, no entanto, a economia chinesa encolheu 6,8% no primeiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. “Tem sido uma retomada tímida”, diz o economista.

O economista observa que, mesmo quando as pessoas são liberadas para voltar a suas atividades, elas têm medo, o que não se previa. “Ficaram traumatizadas. Os restaurantes estão abertos na China, mas as pessoas não vão”, afirmou. O índice de abstenção nas fábricas é alto, pois os trabalhadores têm medo de sair de casa e evitam transporte público.

“Ainda não se sabe quando, efetivamente, o bloqueio das atividades vai terminar aqui no Ocidente “, aponta Feldmann, que ainda diz temer por números piores que os projetados até agora. Países europeus que retomam as atividades, como Finlândia ou Áustria, são pequenos e tiveram pouco impacto da epidemia.

Na busca para minimizar esses danos, o FMI e o Banco Mundial já oferecem suporte financeiro para países, principalmente os mais pobres da África e América Latina, perdoando dívidas e permitindo a utilização de seus escassos recursos no combate à pandemia.

Como analisa o professor, o Brasil ainda está na fase anterior do pico de casos. Depois do pico, o País ainda enfrentará um longo período para lidar e respeitar o distanciamento e isolamento social, entrando pelo segundo semestre. Feldman acredita que o impacto econômico no Brasil talvez seja pior que no resto do mundo.

Por isso, se exige forte atuação do governo, que hoje já criou auxílios financeiros para as pessoas, aumentou o aceite do Bolsa Família, oferece empréstimos às empresas, além de novas linhas de crédito. Tendo recursos finitos, é chegada a hora em que não vai dar para intervir tanto na economia interna, e se pense em evitar dívidas exageradas. “As ajudas governamentais devem se diluir com o passar do tempo, pois manter isso leva à emissão de moeda, que gera inflação e uma bola de neve muito ruim”, alertou.

Feldman não vê outra saída, que não criar impostos emergenciais sobre quem ainda está numa situação razoável financeiramente. Ele “louvou”a iniciativa de uma das maiores instituições financeiras do Brasil que doou um bilhão de reais para o combate à epidemia, mas acredita que isso deveria ser acompanhado de outras empresas que se sentissem estimuladas a fazer doações. Na opinião dele, as doações deveriam ser destinadas ao governo, por mais complicado que seja o governo. “Não há melhor que o governo para saber qual a melhor destinação para esses recursos”, defendeu.

“Precisamos criar imediatamente impostos sobre riquezas, mas também facilitar a vida de quem doa, por exemplo, abatendo o valor doado no seu Imposto de Renda para que tenhamos dez outras doações como aquela”, recomenda Paulo Feldmann. Segundo ele, em todos os países do mundo se discute como serão minimizados esses gastos enormes dos governos com a pandemia.

Além dessas medidas emergenciais, ele fala da urgência do Brasil ter um plano a longo prazo, definindo o que é ou não prioridade para lidar com as consequências da crise gerada pela pandemia, como a incapacidade industrial de produzir bens relativamente simples como máscaras e ventiladores. “O Brasil precisa se preparar para esse cenário novo na globalização. Quais são os setores que o governo vai proteger? Quais os produtos que queremos fabricar e não importar mais? Precisamos de um plano definindo nossas prioridades”, defendeu.

“Os países precisam reaprender a fabricar, não vai dar para comprar o que precisa da China, nem buscar matérias-primas da África e Índia. Temos que aprender a fabricar. Desistimos de fazer isso porque era mais barato comprar fora, mas não é bom para o país, estrategicamente, ser dependente de compras em outros países. Isso já está acontecendo com os EUA que está agindo para diminuir sua dependência da China, principalmente na área farmacêutica”, recomenda.

Este cenário deve levar, também um protecionismo e fechamento dos mercados mais promissores. “Isto preocupa muito o Brasil, pois a França já anunciou que vai subsidiar pesadamente seus agricultores, assim como os EUA que produzem soja, nosso produto mais exportável. Vamos ter que competir com esses países. Vai ser muito mais difícil para o Brasil vender soja, milho, carne, pois os países vão se fechar para importações para proteger sua economia”, diz, enfatizando que a agricultura será estratégica para a maioria dos países.

Ele lembra que este protecionismo já vinha crescendo, desde que Trump assumiu a maior economia do mundo. Com isso, a globalização vai sofrer um baque muito grande. Teremos que permitir a importação de máquinas para determinados setores. “Não vejo nenhuma movimentação no governo nesse sentido”. Um plano nacional de longo prazo não é simples, de acordo com o economista, não se trata apenas de prioridades, mas também de formar recursos humanos para isso.

Ele lembra que, há exatos 30 anos, o Brasil era uma das maiores potências industriais do mundo. Fabricava qualquer coisa: avião, automóvel, remédios, roupas e exportava com muito sucesso.  Eram produtos de baixa qualidade e Fernando Collor assumiu destruindo essa capacidade industrial com a abertura econômica. Naquela época, a indústria representava mais de 30% do PIB e hoje cerca de 8 a 9%. “Isso mostra que temos capacidade de voltar a ser uma grande potência industrial. Um país grande como o nosso tem potencial de se sair bem dessa situação se souber priorizar”, diz ele, otimista.

A entrevista foi concedida à Rádio USP

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