Demissão no Ibama e a irracionalidade destrutiva

A decisão do governo representa um duplo golpe: primeiro, na política de proteção ambiental e segundo, na política indigenista. O Ibama também é um importante agente e defensor dos povos indígena do Brasil

Diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Borges Azevedo, foi demitido por Bolsonaro

A recente exoneração do diretor de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), Olivaldi Borges Azevedo, pessoa de confiança do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles foi uma resposta do presidente Jair Bolsonaro à fiscalização das atividades criminosas, como garimpos, desmatamentos e caça ilegal nas terras indígenas Trincheira-Bacajá, Apyterewa e Araweté. O ato se dá não apenas no contexto de uma das maiores crises ambientais da história do país, mas em meio a uma crise econômica e de saúde pública sem precedentes. Bolsonaro se revela, cada vez mais, estar a serviços dos criminosos, do irracionalismo e do obscurantismo, típicos de um líder com características neofascistas.

Para além da questão ambiental, as ações do Ibama também tinham como objetivo impedir o avanço da Covid-19 nos territórios indígenas, provocado pela presença dos invasores. Assim, a decisão do governo representa um duplo golpe: primeiro, na política de proteção ambiental e segundo, na política indigenista. O Ibama também é um importante agente e defensor dos povos indígena do Brasil. Diga-se de passagem, as políticas de Estado são executadas por servidores que resistem bravamente à histórica escassez de recursos e aos desmandos do atual governo. Mesmo em um cenário em que os alertas do Inpe sobre o desmatamento na floresta Amazônica tenham crescido 29,9% em março de 2020, há rumores de que Olivaldi foi exonerado por não ter conseguido “segurar” as fiscalizações.

O Ministério do Meio Ambiente tem a sua frente um sujeito que representa um profundo revés para os direitos humanos e a preservação ecológica na quarta maior democracia do mundo. Ricardo Salles trabalha com afinco no desmonte da política ambiental brasileira. No início de sua “gestão” havia cortado 77% dos conselheiros representantes de ONGs na composição do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), em um claro desmonte da fiscalização e proteção ambiental.  Em outra ocasião, diante do vazamento de óleo, o maior desastre ambiental no litoral brasileiro, demorou 41 dias para acionar o plano de contingenciamento, além de divulgar um vídeo falso colocando o Greenpeace sob suspeita.

A destruição do meio ambiente está longe de ser qualificada como desleixo ou incompetência da administração federal. Ela se insere em um projeto de destruição sistemática dos recursos naturais, da biodiversidade e da diversidade cultural brasileira em nome da exploração comercial insustentável dos recursos naturais. Isso inclui, necessariamente, a eliminação física e cultural dos povos indígenas, historicamente protetores das florestas. Não foi por acaso que o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, foi exonerado do cargo após o embate com o presidente Bolsonaro. O Inpe havia confirmado pelas imagens de satélite que as terras indígenas estariam mais bem preservadas do que as próprias áreas de proteção ambiental. A existência cultural e física dos índios é indissociável de um meio ambiente preservado e equilibrado, tudo aquilo que causa pavor em Bolsonaro.

A devastação da floresta amazônica e demais ecossistemas terá implicações não apenas para o país, mas para todo o planeta, pois representa um bem importante para a estabilidade climática global. Os planos imprudentes do presidente Bolsonaro de industrializar a Amazônia em conjunto com os interesses brasileiros e internacionais do agronegócio e da mineração seguem uma lógica esquisitamente autodestrutiva, pois pode até mesmo inviabilizar o mercado de commodities brasileiro, não apenas por estar submetido a um circuito de consumo ambientalmente e socialmente exigente como o europeu, mas por tornar impossíveis as atividades extensivas, que dependem basicamente das chuvas provocadas pela Amazônia, pelo fenômeno conhecido como “rios voadores”.

A irracionalidade da atual política ambiental brasileira não se limita a suas ações internas. No ano passado, durante encontro em agosto de 2019, os países do G7 ofereceram ao Brasil 20 milhões de dólares para uso no combate aos extensos incêndios florestais na Amazônia. A oferta foi estranhamente recusada pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que confrontou os líderes do G7 afirmando que tratavam o Brasil “como uma colônia”. Como de praxe, recuou e acabou aceitando a ajuda, mas a controvérsia ganhou ares de um debate sobre as relações de poder pós-coloniais contemporâneas, elevando a discussão a um patamar que o próprio Bolsonaro não faz ideia. A atitude, típica de quem não tem a menor dimensão do cargo que ocupa, se transformou em escárnio, uma vez que o presidente brasileiro direcionou suas agressões direcionou para países reconhecidos internacionalmente pela pauta ambiental e climática: Alemanha e Noruega. O resultado apareceu quando esses dois países retiraram o apoio financeiro do Fundo Amazônia como forma de pressionar o governo brasileiro a tomar medidas sérias.

A política ambiental (ou de destruição ambiental) do governo Bolsonaro pode ser vista, portanto, como uma celebração à irracionalidade do avanço dos setores econômicos extrativistas e do agronegócio que reproduzem continuamente o modelo já conhecido de dependência externa e a assimetria social interna, conforme descrito na teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado. A devastação ambiental continuamente promovida e estimulada pelo governo de Bolsonaro é aliada das elites que monopolizam a renda e impõem como prioridade absoluta, o lucro imediato a qualquer custo. A sanha pelo lucro imediato, insustentável e devastador chega ao ponto dessas mesmas elites apoiarem um governo que sabota a própria ciência nacional, a mesma responsável pelos lucros gigantescos do agronegócio brasileiro. Não percebem o papel fundamental que a Embrapa, o CNPq, a Capes e outras instituições de fomento e pesquisa em Ciência e Tecnologia foram fundamentais para o desenvolvimento nacional e, portanto, deles próprios. A elite sanguessuga prepara, portanto, o próprio caixão, pois não percebe que é a floresta que garante a atividade agroindustrial.

Em tempos de predomínio de notícias falsas e do terraplanismo anticientífico de Bolsonaro e Salles, é preciso que a sociedade se mobilize para retirar de cena as forças antiecológicas, anti-indígenas, e anti-humanitárias representadas pelo neofascismo bolsonarista, sob pena de sabotarmos nosso próprio futuro como nação.

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