Isolamento vertical é quase tão ruim quanto isolamento algum

Estatísticos da UFMG estimam que manter grupos de risco em casa não garante a disponibilidade de leitos para pacientes com Covid-19

Isolamento horizontal envolve toda a população, enquanto o vertical apenas idosos e doentes crônicos

Com base em simulações numéricas, que consideram cenários com diferentes políticas e graus de isolamento da população para se proteger do novo coronavírus, o Grupo de Trabalho (GT) Covid-19 da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) elaborou um relatório que afirma que o isolamento social vertical – restrito aos “grupos de risco” – é ineficaz para conter a pandemia.

“O cenário de isolamento vertical é apenas marginalmente melhor do que o cenário em que não há nenhum isolamento, e muito pior do que o cenário de isolamento horizontal, que abrange toda a população”, afirma o professor Luiz Henrique Duczmal, do Departamento de Estatística.

De acordo com o docente, as simulações mostraram que o isolamento vertical, com redução de 15 vezes no contato social, provocaria, rapidamente, a infecção de cerca de 200 mil pessoas com mais de 60 anos em Belo Horizonte, gerando enorme demanda por internação hospitalar imediata, sem que existam leitos suficientes na cidade. 

A alta acarretaria uma elevação na demanda do serviço de saúde pública da capital, sem que existam leitos suficientes para toda a procura. Também nesse cenário, a pesquisa aponta que, no mesmo período analisado – considerando que a capital mineira possui cerca de 2,5 milhões de habitantes –, o número total de infectados alcançaria 600 mil pessoas.

O relatório dos pesquisadores da UFMG comprova o que aconteceu em países como Inglaterra, Holanda e Suécia, onde foram adotadas medidas flexíveis, apenas para grupos de risco (isolamento vertical) que, muito rapidamente, foram abandonadas conforme aumentaram drasticamente os números de contágio. Nesses países, autoridades foram a público se desculpar por não ter adotado medidas mais duras desde o início da pandemia. Os EUA também demoraram para adotar medidas severas de isolamento horizontal e estão pagando o preço mais alto entre os países com o maior número de casos e óbitos.

Achatando a curva

Analisando o cenário onde não há qualquer tipo de isolamento, a pesquisa diz que pelo menos 750 mil pessoas seriam infectadas em 30 dias após o início da epidemia, sendo que, desses, 300 mil seriam idosos. Já na aplicação do modelo de isolamento social horizontal, que tem sido adotado pela maioria dos Estados e municípios, o estudo aponta que a curva da doença não apresentaria dimensões significativas nos primeiros 120 dias de simulação.

“O isolamento horizontal fará com que a epidemia só se manifeste, e de maneira bastante reduzida, após 16 meses de seu início, desafogando a rede hospitalar e possibilitando a emergência, em tempo hábil, de soluções como a vacinação e novos medicamentos”, compara.

Duczmal é o primeiro autor do relatório técnico Isolamento social vertical é ineficaz para conter a pandemia, disponível no site do Departamento de Estatística. A análise foi feita para o município de Belo Horizonte, mas o estatístico assegura que conclusões similares são válidas para outras cidades.

 “Nós mostramos que esse tipo de estratégia (isolamento vertical) não vai dar certo. Primeiro porque as pessoas com idade abaixo de 60 anos também são atingidas. Mesmo pessoas jovens podem morrer, não é só acima de 60 anos. Outra coisa: a gente não consegue fazer o isolamento perfeito. Isso, porque os idosos precisam de auxílio, precisam ser alimentados, ter contato com os mais jovens. O que existe é uma redução do contato social, não há isolamento perfeito”, explica o professor do Departamento de Estatística da UFMG, Luiz Henrique Duczmal, em entrevista ao jornal O Tempo.

O docente afirma ainda que, sob o isolamento social horizontal, Belo Horizonte já conseguiu achatar a curva da doença, mesmo que minimamente. Apesar disso, na opinião dele, para que não seja estabelecido um caos na rede pública de saúde o contato social ainda precisa ser reduzido ao máximo na capital mineira.

“Os dados mostram que Belo Horizonte teve uma redução de duas vezes no contato social. Em Nova York a redução foi de 15 vezes, e o número de casos ainda é alto. O que a gente recomenda é que haja um isolamento horizontal e que a redução no contato social seja máxima, que só os serviços essenciais funcionem e que as pessoas que atuam nesses serviços essenciais utilizem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Se não fizermos isso, vamos ter um aumento muito grande no número de casos e ter uma saturação na rede hospitalar”, pontua o pesquisador. 

Na avaliação dos pesquisadores, diante dos dados, o tempo de isolamento social precisaria ser estendido de semanas para meses. “O que a gente está observando é que temos que fazer uma redução de contato social superior a duas semanas, que poderia alcançar, infelizmente, vários meses”, explica Luiz Henrique Duczmal.

Subnotificação

Outro fator considerado como problemático pelos pesquisadores é a falta de kits de testes para toda a população. De acordo com Duczmal, essa deficiência pode estar gerando a elevação do número de casos subnotificados de coronavírus do país.

“Poucas pessoas estão sendo testadas. No início da epidemia, tínhamos a proporção para a subnotificação de 20 para 1, ou seja, para cada caso confirmado de coronavírus teríamos pelo menos 20 que não foram notificados. Agora, com a escassez de kits de testes, para cada caso confirmado, teríamos cerca de cem casos não notificados. Isso, claro, é uma expectativa”, confirma o professor Luiz Henrique Duczmal.

Também assinam o relatório os professores Max Sousa de Lima e Ivair Ramos Silva, do mesmo departamento; Denise Bulgarelli Duczmal, do Departamento de Matemática, e Claudia Lindgren, do Departamento de Pediatria da UFMG, além de Alexandre Almeida, da Universidade Federal de São João del-Rei, e Flávia Costa Oliveira Magalhães, da Diretoria de Perícias Médicas da Polícia Civil de Minas Gerais.

Com informações da UFMG