Demografia brasileira deve rejuvenescer impacto de Covid-19

Pneumologista da Fiocruz afirma que o isolamento social severo antes do pico da doença e o SUS são as grandes armas do Brasil contra a pandemia. Diz que o coronavírus atingirá populações mais jovens no Brasil e faz alerta para proteger favelas

Foto de Cezar Xavier

A médica Margareth Dalcolmo é pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e uma das pneumologistas mais experientes do Brasil. Por atuar desde o início da crise do coronavírus, atendendo pacientes com a Covid-19, ela participa do grupo de especialistas consultados pelo Ministério da Saúde para coordenar medidas para o enfrentamento da pandemia.

Até esta segunda, 13 de abril, o Brasil somava 23.430 pessoas infectadas ― mais que o dobro do registrado há uma semana―, e 1.328 mortes por Covid-19.

Mais jovens

Dra Margareth Dalcolmo

Diante do cenário asiático e europeu, muitos acreditaram que, no Brasil, a Covid-19 teria menos impacto devido ao clima quente e a demografia ―com mais jovens do que idosos, quadros diferentes daqueles países atingidos. No entanto, Margareth, em entrevista ao El País, defende que a doença rejuvenescerá no país por essa mesma característica populacional.

“A nossa distribuição de população, embora tenhamos já cerca de 10% a 11% da população acima de 60 anos, tem uma grande concentração de jovens. Então é natural que a doença se distribua majoritariamente entre jovens. Então é ilusão de que jovens estariam mais protegidos. A distribuição demográfica no Brasil dará à doença características brasileiras.”

Isso não significa que os infectados jovens serão maioria entre os óbitos, mas  que serão a maioria de infectados, como já vêm mostrando os dados de internação. “Nesse momento, estou tratando várias pessoas com a Covid-19, mais ou menos com a mesma idade, e está todo mundo em casa. Ninguém está internado. Eles estão com pneumonia, pela tomografia. Eles têm teste positivo e estão doentes, mas não estão graves e ficarão curados”.

Mas ela revela a vulnerabilidade de todas as idades à doença. “No Brasil, seguramente a doença vai atingir populações mais jovens. Se você for medir a média de idade dos pacientes internados em São Paulo ou no Rio de Janeiro, ela não é de pacientes de 80 anos. Ela é bem mais jovem”, ressaltou.

Outro motivo para isso, de acordo com a pesquisadora, é que o vírus já sofreu mutações e se adaptou ao Brasil. Cientistas estudaram 20 genomas diferentes, de cinco Estados brasileiros, e mostraram que o vírus já sofreu mutações. “Isso não muda nada em termos de patogenicidade do vírus, porém dá a ele características de adaptação”, explica ela.

O coronavírus da cepa brasileira não é melhor nem pior que os outros. Ele sofre mutação para se adaptar as novos ambientes. O vírus chinês é diferente do que foi para a Itália. O vírus que chegou ao Brasil não foi da China, mas da Europa. O caso número um veio da Itália e, naquele momento, ele se assemelhava ao genoma do vírus alemão.

A capacidade do vírus da cepa brasileira causar doença e se distribuir da mesma maneira que já sabemos ―80% de forma leve e 20% de forma mais grave, dos quais 50% vão para o CTI [centro de terapia intensiva]― parece estar mantido no Brasil até o momento. “Se vai ter maior proporção de casos graves que na Europa, acho difícil. Aqui vai ter mortalidade, não há dúvida. Não temos nenhuma ilusão”, avalia.

Mais pobres

A pneumologista observa que a profunda desigualdade econômica no país não permite a todos a mesma chance de prevenção contra a doença. Ela alerta especialmente para medidas que deveriam ser tomadas em relação à população das favelas, onde as pessoas vivem aglomeradas, sem acesso a saneamento básico e sem condições econômicas de manter quarentena e frear o contágio.

A pneumologista diz que não há surpresa alguma na subida exponencial da curva epidêmica, dado já esperado, especialmente nas grandes concentrações urbanas brasileiras. Como membro do grupo de especialistas que apoia o Ministério da Saúde, ela afirmou que as medidas de contenção da epidemia através do isolamento social, proposto de maneira bastante severa nestas semanas e ainda durante todo o mês de abril, são a arma maior que o Brasil tem no sentido de conter a epidemia. Ela lamenta que essas medidas não têm sido aplicadas de modo homogêneo em todo o país. “A segunda arma importante que o Brasil tem é uma coisa preciosa chamada SUS, que é quem vai dar a resposta para a grande maioria da demanda que vai ocorrer, seguramente”.

Margareth defende que as populações mais desassistidas, das favelas e do trabalho informal, são um problema que exige do Governo e da iniciativa privada meios de assistir essas populações do Brasil. As comunidades mais pobres, segundo ela, vão sofrer o baque sendo parte de 40% de brasileiros que são da economia informal, que dependem do trabalho diário para alimentar a família, ao contrário de quem tem salário mensal.

O segundo problema são as condições de trabalho dos profissionais de saúde, que atendem a essa população. “Hoje estamos tendo problemas logísticos. As iniciativas estão sendo tomadas, mas precisamos correr contra o tempo para a chegada de EPIs [equipamentos de proteção individual] para as pessoas trabalharem. Também precisamos de mudanças de comportamento, como o uso de máscaras pelas pessoas para se locomover. São dinâmicas que a evolução da epidemia exigem”, salienta.

Gargalos do SUS

O SUS é um sistema hierárquico e capilar, para onde corre 80% da população brasileira. É essa a estrutura que vai ter que dar uma resposta à pandemia, conforme afirma Margareth. Ela citou os hospitais de campanha públicos que estão sendo construídos para casos graves, com leitos sendo oferecidos pelo Brasil. A Fundação Oswaldo Cruz, onde ela atua, criou 200 destes leitos para pesquisar a viabilidade de tratamentos.

Até o momento, não há nenhum tratamento válido. Na opinião dela, o SUS precisa se reorganizar nesse momento no sentido de fazer triagem, selecionar pacientes suspeitos e, inclusive, colher testes. “No momento um dos nossos gargalos é não ter exames para testar a grande massa de população. É isso que não nos permite dizer, por exemplo, se a nossa mortalidade é real, porque ela está baseada num número muito pequeno de pessoas efetivamente testadas”, destaca.

Mas o SUS tem uma rede básica de saúde composta pelas clínicas de família e pelas unidades básicas de saúde localizadas em todas as cidades e nas periferias das grandes cidades. Caberá a eles fazer a seleção dos pacientes e a orientação das famílias com as normas todas de isolamento e higiene, e separar os fatores de risco para a síndrome respiratória aguda: hipertensão arterial grave e cardiopatia grave.

Na opinião de Margareth, as medidas tomadas são indubitavelmente corretas, mas não sabe se o SUS vai conseguir dar uma resposta no tempo correto para a demanda, considerando que isso vai depender muito do isolamento social. “Se nós conseguiremos um isolamento muito radical nas próximas duas semanas, que é quando o sistema está se adaptando com instalação de respiradores e abertura de leitos”.

Ela se preocupa com a possível superposição da demanda de síndrome respiratória aguda grave. “Estamos no outono e existe uma sazonalidade viral de todo ano, que é conhecida”. Por isso, foi tão importante adiantar a campanha de vacinação. Já se vacinou muita gente e aconteceu uma busca pela vacina muito maior que em anos anteriores. “Nós fomos claros em dizer que ela nos auxiliaria. Agora, medidas como ampliação de testes, aprimoramento da hierarquia do SUS com disponibilização de leitos hospitalares e respiradores para pacientes graves seguramente é a medida de resposta a este desafio”, defende ela, receosa do tempo necessário para a corrida contra o avanço da epidemia.

A rede privada também corre contra o tempo, segundo ela. Até agora, quase 60% dos leitos de CTI atendiam a rede privada, que se exauriu, e foi preciso inverter isso aumentando o número de leitos para a rede pública.

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