O ator que sequenciou o genoma de Bolsonaro

Pedro Cardoso mora em Portugal e, de fora, consegue ver uma floresta que, nós, daqui, ladeados pelo horror em que se tornou a governança brasileira só temos tempo de ver os galhos que se emaranham todos os dias sob nossos olhos.

(Foto: Reprodução)

Tem uma visão privilegiada, aparentemente imparcial no julgamento, como se não estivesse envolvido com a situação. Seu texto publicado num perfil de Instagram extremamente politizado, revela o brasileiro que, mesmo longe, está comprometido em entender o que fazer para sairmos desse túnel escuro e longo.

Num texto que viralizou, ele desatou o nó de uma charada que muita gente considera inexplicável, justamente por não conseguir dar vazão a qualquer tipo de empatia com o imprevisível presidente, mas macho lugar comum, que é Bolsonaro.

O ator busca um ponto de vista inesperado para a compreensão do “Messias”, como ele se refere ao presidente, sempre ilustrado com closes desfocados. Ele parte de episódios recentes envolvendo o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobre quem diz ser um joguete útil na trama sadomasoquista de Bolsonaro, que brinca de “fica ou sai”. Ao final, um texto mais recente, onde ele aperfeiçoa seu raciocínio, incluindo o fator político na equação.

Leia a seguir o desatar de nós da charada pelo ator perspicaz, que está sendo entrando na mente do personagem para entender suas motivações:

“Sobre a última cena do caso Mandetta, demitido ou mantido ministro da saúde penso o seguinte:

Para compreender Messias, precisamos entender como pensa o torturador, não o político. A morte do torturado é a derrota do torturador. Ao fazê-lo morrer, o torturador perde o seu divertimento. O torturador precisa manter o torturado vivo e com esperança de parar de sofrer.

Quando Messias flerta com o alucinadamente irresponsável Osmar Terra, e depois, mantém Mandetta ministro, ele está exercendo o seu prazer mórbido de nos aterrorizar com o pior, para depois nos esperançar com o menos pior. Fosse uma tortura física, Osmar seria o choque elétrico anunciado, mas adiado, e Mandetta o tapa na cara que ocupa o lugar do choque. O tapa parece um conforto quando substitui o choque, mas tudo é a sessão interminável de tortura a que estamos submetidos desde que 57 milhões colocaram um torturador no poder.

Tomemos muito cuidado com as artes da tortura. Sentir alívio pelo golpe menos violento é o começo do caminho que nos leva a sermos gratos ao torturador por ele ter poupado a nossa vida. Messias se vale da pandemia para torturar o povo brasileiro com a permanente ameaça assassina de liberar o convívio. Mas sabe que se o fizer corre o risco de matar o torturado: ou de desesperançá-lo: e a tortura, para sua eficiência, depende de manter o torturado cheio de esperança.

Precisamos entender que não estamos lidando com política, mas com tortura. Lembrem-se: ao perceber indignação ao termo “gripezinha”, Messias foi à TV repeti-lo. Ali, o torturador havia descoberto um lugar onde o golpe dói ainda mais. E lá foi ele cheio de prazer repetir a agressão.

Pensar Messias como um político é um erro. Ele tem que ser entendido como o que ele é: um torturador. Só assim, teremos alguma chance de nos defender. Políticos eram outros. Para nos opormos à Messias é preciso conhecermos como se opera tortura e evitarmos suas armadilhas psicológicas.

Mandetta como ministro da Saúde é um tapa na nossa cara. Não chega a ser um choque elétrico porque ele é necessário neste ministério de cegos.

Mas Messias é uma agressão covarde e contínua.”

Num post seguinte, Pedro Cardoso “aperfeiçoa” seu raciocínio ao incluir o aspecto político na lógica do governo Bolsonaro:

“A colega Rosimar, que conheci nessa praia árida daqui, fez significativa observação a minha resolução de não enfrentar Messias como a um político, e sim como a um torturador. Ela vê razão no que digo, mas chama a nossa atenção para a política que sustenta Messias no poder. E me parece que ela está certíssima em fazê-lo. Impulsionado pela precisão do que ela diz, me animo em tentar aperfeiçoar o meu dito. 

A política que Messias faz é comandada pelo sadismo dele. Não é política estrito senso; não deseja construir projeto político algum; mas apenas mantê-lo onde ele tem poder para exercer o seu prazer. Mas um verdadeiro processo político o levou e o mantém na gerência do executivo. Processo esse dominado por elites econômicas que tinham o PT como inimigo absoluto de seus interesses. (Pena é o PT ter dado pretexto e alguma razão a seus inimigos).

A adesão oportunista desses grupos à vaga messiânica não é leviana. Interessa-lhes um capataz incapaz. Serve-lhes que Messias seja cruel e sádico. Alguém assim mantém o povo acuado e enlouquecido. Temos passado nosso tempo distraídos da verdadeira política, ocupados que estamos em escapar da tortura imposta por Messias ao nosso cotidiano.

A pandemia apenas torna evidente a sessão permanente de tortura a que já estávamos submetidos antes. Para derrotarmos o nazifascismo messiânico de falsa fé, há duas frentes de batalha, portanto:

1) Escaparmos da armadilha psicológica do torturador e

2) Identificarmos os interesses de classe que o levaram e o mantém no poder.

Não reconhecer em Messias uma ação conduzida por desejos de fazer política – mas de torturar – não deve nos alienar do verdadeiro processo político que o levou ao cargo; este sim autenticamente político.

Agradeço a Rosimar esta fundamental contribuição a minha proposição primeira. E me desculpo desde já, caso eu tenha sido impreciso em relatar o que ela disse. O comentário dela está lá na minha postagem última sobre Bolsonaro. Vale a leitura. Tudo fica agora melhor dito do que antes, espero.”