Desemprego, fome e medo de ir a médico: brasileiros ilegais em Londres

A situação dramática de brasileiros em quarentena num país estrangeiro onde dispõem de poucos direitos por terem imigrado ilegalmente. Os bicos que garantiam salários melhores que no Brasil, não existem mais, e a sobrevivência ficou comprometida.

No último domingo (5), à noite, decolou de Londres o último voo direto da companhia aérea Latam com destino a São Paulo. O próximo só partirá no fim deste mês, quando se espera que as regras de isolamento social decretadas pelo governo britânico para combater a pandemia de coronavírus comecem a ser afrouxadas. Entre os passageiros, um jovem brasileiro do interior de São Paulo volta depois de uma decisão difícil.

O fim abrupto do sonho veio depois de apenas oito meses de visto de turista (válido por seis meses). Estimativas apontam que até metade dos brasileiros no Reino Unido possam estar em situação irregular.

A maioria dos ilegais trabalha com o que muitos desprezam, entregando comida, na construção civil ou limpeza. Um paradoxo econômico que os coloca num lugar de total falta de assistência social, submetidos ao medo constante de serem presos, embora sejam tão absolutamente necessários ao funcionamento do sistema ao ocupar funções que nenhum britânico aceita fazer. A justificativa para esse tratamento desigual são os milhões de outros miseráveis que gostariam de estar no mesmo lugar desses ilegais.

Sem os “bicos” com que se viram, sem qualquer registro e submetido a todo tipo de abuso, esses ilegais passaram a não ter mais o que comer nem como morar nos aluguéis caríssimos de Londres, tendo que racionar alimentos, conforme relatos à reportagem.

Com isso, ilegais candidatam-se a um programa do governo britânico que financia o retorno voluntário de imigrantes que violem as regras de seus vistos a seus países de origem. Como contrapartida, não pode voltar ao Reino Unido por um período de dois anos e meio.

O avanço do coronavírus no Reino Unido tornou tudo muito perigoso para imigrantes ilegais. Não têm direitos que outros moradores legais dispõem para enfrentar a quarentena e o desemprego, como a ajuda governamental para pagar despesas básicas e consumir o mínimo necessário para sobreviver. A ajuda de até 2.500 libras (quase 15 mil reais) é o auxílio do governo para quem for dispensado das empresas. A alternativa é arrumar algum trabalho que os aceite e arriscar a saúde com a possibilidade de infecção.

Outro agravante para imigrantes ilegais é a própria mecânica da quarentena, em que o isolamento social decretado exige maior policiamento nas ruas. Ser parado pela polícia é quase uma sentença de que sua posição como ilegal será confrontada.

Segundo a ONG Casa do Brasil, que intermedia o contato de imigrantes junto ao governo britânico, aumentou “de quatro a seis vezes” a procura pelo programa, devido à pandemia de coronavírus. A Casa do Brasil tem apoio do Consulado brasileiro em Londres. A meia dúzia de telefonemas desesperados por dia passou para 20 a 30 nas últimas semanas.

No entanto, para ter o “privilégio” da ajuda para voltar para casa, é preciso ter o visto expirado e não ter perdido o passaporte para provar isso, o que inviabiliza a situação de outras pessoas desesperadas que ainda estão com o visto em dia, embora trabalhando ilegalmente, ou perderam o documento. A Casa Brasil não está fazendo atendimento presencial, o que dificulta os trâmites.

O Home Office é o departamento que causa profunda ansiedade em qualquer imigrante ilegal. É uma das atribuições do órgão fiscalizar a situação legal dos estrangeiros no país e, eventualmente, deportá-los caso fique comprovado que eles violaram as regras de imigração. A deportação, contudo, envolve prisão — e constrangimento público com algemas até dentro do avião.

Medo de não ser atendido

A incerteza de ter acesso gratuito à saúde pública é outro forte motivo para desistir do sonho. Qualquer visitante estrangeiro, incluindo aqueles que vivem no país sem permissão, tem que pagar por tratamentos médicos a menos que se enquadre em uma lista de exceções, como casos de emergências, atualizada com regularidade.

Os hospitais e clínicas médicas ligadas ao serviço de saúde pública também podem solicitar ao Ministério do Interior informações sobre a nacionalidade e o status de imigração de um paciente para decidir se ele deve ser cobrado pelo tratamento, assim como passar informações pessoais ao Ministério do Interior.

Os organismos do governo consultados pela reportagem procuram acalmar esses imigrantes quanto a todas essas dúvidas, embora haja nuances e dúvidas sobre o risco de usarem seus dados para uma deportação, prisão ou humilhação. Alegam que o ilegal pode desistir da decisão de voltar para o país de origem sem consequências. Também dizem que as condições atuais, de pandemia, permitem atendimento médico gratuito sem consequências para imigrantes. Mas tudo é risco, quando o imigrante ilegal já pode estar em dívida com o sistema legal britânico de alguma forma. Além disso, essas informações não são divulgadas abertamente aos ilegais.

Por causa disso, em uma carta ao governo britânico, uma coalizão de 30 ONGs pediu a suspensão de qualquer cobrança e compartilhamento de dados entre o NHS e o Ministério do Interior para que os imigrantes ilegais possam ter acesso à saúde pública gratuita sem medo.

Segundo essas entidades, caso as regras atuais permaneçam como estão, não só a saúde desses imigrantes ilegais, mas também a do público em geral, ficará ameaçada.

Publicado em BBC News Brasil