De Olho no Mundo, por Ana Prestes

“O coronavírus segue desafiando a saúde, a economia e a democracia mundo afora”, é uma importante conclusão a que chega a cientista política Ana Prestes ao analisar a cenário internacional em que se destaca a grave situação da pandemia nos Estados Unidos.

A situação da pandemia nos Estados Unidos torna-se mais drámática.

No momento em que escrevo estas notas, o mapa da John Hopkins University registra 1.446.242 casos de infectados pelo novo coronavírus Sars-CoV-2 em todo o mundo. O Brasil aparece na 14ª. posição com 14.072 casos. No dia de ontem (7) a maioria dos comentários eram sobre a aceleração do número de casos e mortes nos EUA, que já bateram a casa dos 400 mil casos e tiveram quase 2.000 mortes nas 24 horas entre o dia 6 e o dia 7 de abril. Cada vez mais irritado com os ataques que vem sofrendo por conta de sua inabilidade para se precaver e atuar melhor na crise, Trump atira para todos os lados. A vítima de seus pronunciamentos agora é a Organização Mundial da Saúde – OMS – que segundo ele é “chinocêntrica” e, portanto os EUA vão cortar suas contribuições financeiras à entidade. A ameaça foi feita no Dia Mundial da Saúde.

Outra vítima da ira de Trump ontem foi o presidente indiano Narendra Modi, ameaçado de “represálias” caso não cedesse em vender a hidroxicloriquna ao exterior. Segundo o chanceler indiano, Anurag Srivastava, “a Índia dará licença para a venda de paracetamol e hidoxicloriquina em quantidades adequadas para os países vizinhos que dependam de nossos préstimos”. A Índia é o maior produtor de medicamentos genéricos do mundo e sua exportação estava suspensa desde o dia 25 de março por conta da pandemia. Ainda segundo o chanceler, as exportações estarão direcionadas às nações mais duramente afetadas pela pandemia.

E os EUA tiveram uma baixa nas forças armadas em meio à pandemia, na Marinha em particular, ainda por conta da confusão com o capitão do porta-aviões USS Theodore Roosevelt, Brett Crozier. O secretário interino da marinha, Thomas Modly, renunciou ontem (7). Ele havia insultado Crozier. O capitão foi atacado por Modly e Trump após escrever uma carta criticando o confinamento de mais de 4000 tripulantes da embarcação em condições precárias após cerca de 100 terem testado positivo para o Sars-CoV-2. Modly havia dito que Crozier era “ingênuo ou estúpido demais para ser o comandante de um navio como este”. Por fim, a opinião pública ficou fortemente ao lado do capitão e Modly acabou por renunciar e o secretário de Defesa, Mark Esper, aceitou. Toda essa história parece uma notícia menor, mas nos atuais tempos de pandemia misturada com corrida eleitoral nos EUA há um grande significado de como Trump ainda poderá ser bastante atingido por sua ineficácia frente à crise. Lembre-se também que neste momento os EUA ameaçam uma abordagem militar para intervir na Venezuela e uma das principais frentes é a naval.

Outra situação também foi pauta da imprensa internacional no dia de ontem sobre EUA e a crise do coronavírus. Trata-se da alta taxa de mortalidade de afrodescendentes. Agora que já passou da casa dos dez mil o número de mortos pela covid19, começam a aparecer dados significativos sobre os falecidos. Em cidades como Nova Orleans, Chicago e Detroit é evidente como estão morrendo desproporcionalmente mais pessoas negras. Cidades como Detroit, Chicago e Milwaukee também reportam situação semelhante. Segundo reportagem do The Guardian, em Chicago, por exemplo, onde 30% da população é negra, no caso das vítimas da Covid19, 70% são negras. A explicação está em grande parte no fato de que está população está nos empregos mais precários e vulneráveis, muitas vezes em setores que não puderam adotar o home office. São pessoas que estão nos transportes públicos e vivem em condições mais precárias, com coabitação e aglomeração. São também pessoas que não tem acesso a um atendimento básico de saúde, inexistente nos EUA. Devido aos altos custos dos atendimentos médicos, as pessoas mais vulneráveis adiam ao máximo a busca do serviço, podendo chegar tarde demais aos hospitais. É a herança prática do racismo, também revelada pela crise do coronavírus.

O México é outro país que tem chamado atenção para a forma com a qual vai enfrentar o período mais grave da pandemia e suas inevitáveis consequências na saúde pública, na economia, na política e nos aspectos sociais em geral. Ainda reverbera o pronunciamento de o presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) realizado no domingo (5) no que o governo chamou de balanço do trimestre. Primeiramente cético frente à ameaça sanitária do vírus, ao melhor exemplo de Trump, Bolsonaro e Daniel Ortega, AMLO acabou por aderir às recomendações médicas de distanciamento social. Em seu pronunciamento de domingo, a pandemia aparece como um contratempo que não deve tirar do foco de seu plano de governo original da “Quarta Transformação” com ampliação de empregos, reativação da economia e fim da corrupção. A questão é que todo o mundo está discutindo como manter minimamente as pessoas alimentadas e em segurança sanitária enquanto a economia é obrigada a ficar paralisada justamente pelas medidas de distanciamento social. E para esta situação AMLO não parece ter muitas respostas, para além de reduzir salários de servidores públicos, inclusive o seu e acomodar recursos de gastos do governo no enfrentamento à crise. E neste aspecto setores do comércio, das pequenas e médias empresas, para além da indústria dizem que o governo não ofereceu nenhum plano que dê respostas à esta questão. Uma grande tensão no país parece se avizinhar. E eu não estranharia se logo começarem os burburinhos de uma derrubada de AMLO impulsionada pelo setor empresarial.

O premiê do Reino Unido, Boris Johnson, segue hospitalizado desde segunda (6) e as notícias da imprensa britânica nesta manhã é de que ele está “respondendo bem” ao tratamento na UTI. Esta foi a segunda noite dele no hospital St. Thomas e enquanto está lá um grande debate político se dá no país sobre os poderes de seu “substituto”. Não existe uma figura de vice-premiê ou premiê interino. Formalmente quem governa é o gabinete, formado pelo primeiro ministro e demais ministros. Neste momento quem o substitui no poder, por indicação do próprio Johnson, é o chefe da diplomacia, ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominic Raab. Com poderes bem limitados, Raab não pode, por exemplo, demitir ou admitir ministros ou falar com a Rainha.

A Polônia tem um problema democrático concreto com a pandemia do coronavírus. Eleições presidenciais estão marcadas para o dia 10 maio. O governo do partido ultraconservador PiS (Lei e Justiça) tenta aprovar no parlamento uma proposta para que as eleições sejam realizadas por correio, algo que nunca ocorreu no país. A oposição qualificou a proposta de golpe de Estado. O atual presidente Andrzej Duda, do PiS, lidera as pesquisas de opinião sobre o pleito. A princípio uma primeira proposta foi rejeitada, mas o governo modificou o projeto e a segunda versão, em que o presidente do congresso fica com o poder de mudar a data do pleito, foi aprovada na câmara baixa e seguiu para senado. Outra proposta aventada por partidos aliados do PiS é a extensão do mandato da presidência em 2 anos. A principal opositora do atual presidente ultraconservador é uma liberal, Malgorzata Kidawa-Blonska, líder de um partido de uma composição de partidos de centro-direita, Coalizão Cívica. Ela aparece com 16% nas pesquisas, enquanto Duda está com 51%. Em condições normais, caso o primeiro colocado não tivesse mais de 50%, o segundo turno seria dia 24 de maio. O coronavírus segue desafiando a saúde, a economia e a democracia mundo afora.

Estão suspensas por ora as conversações entre o governo do Afeganistão e o grupo Talibã. As conversas se davam para concretizar a troca de prisioneiros, fruto de um acordo inédito entre o governo afegão, o governo dos EUA e o Talibã após quase duas décadas de conflito armado pós-11 de setembro. Desde o início o “acordo” tem sido muito questionado por vários analistas que não veem muita substância real nele.

Ontem (7) foi um dia de manifestações de solidariedade ao ex-presidente Rafael Correa por líderes latino-americanos. O ex-presidente do Equador (2007 – 2017) foi condenado a oito anos de prisão por corrupção pelo Tribunal da Corte Nacional de Justiça do Equador em um caso de flagrante perseguição política, semelhante aos casos de Lula no Brasil, Kirchner na Argentina e outros. O Equador tem eleições marcadas para 2021 e Correa é pré-candidato (já vimos esse filme). O presidente Lenin Moreno, do Equador, tem sido denunciado como um dos mais inábeis para lidar com a pandemia do coronavírus na América do Sul.

O embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, se pronunciou sobre o caso das cargas de materiais e suprimentos médicos compradas pelo Brasil e que estão sendo interceptadas nos EUA. Ele fez uma coletiva online ontem (7) e disse que seu país não adquiriu, comprou, reteve ou bloqueou qualquer equipamento hospitalar ou medicação que estivesse destinada ao Brasil. A embaixada da China afirma, no entanto, que uma carga comprada pelo governo da Bahia de fabricantes chineses, não consegui sair do aeroporto de Miami na Flórida, primeiro por impedimentos da alfandega americana e na sequencia por ter sido comprada pela prefeitura de Nova Iorque.

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