A saúde pública como política estratégica à construção da cidadania

A Política de Saúde Brasileira passou por mudanças profundas nos últimos 30 anos, desde a instituição do Sistema Único de Saúde nos anos 1990 até os dias atuais. É importante que resgatemos o papel do Estado brasileiro nesse período e os modelos de saúde para que possamos compreender e analisar o papel estratégico da saúde na construção da cidadania e dos direitos sociais no Brasil.

O SUS, instrumento de garantia de saúde e cidadania para a população, precisa ser fortalecido (Foto: Agência Brasil)

No processo de redemocratização do país, no final dos anos 80. o movimento pela Reforma Sanitária Brasileira (RSB) propôs a constituição de um Sistema Único de Saúde (SUS), de caráter universal e com participação social, cujo debate aconteceu de forma intensa e rica durante a 8a. Conferência Nacional de Saúde, em 1986, com grande participação popular. Nessa Conferência foram consolidadas as bases para os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), expressos na Carta Magna, em 1988. Vale destacar que a Constituição define a “saúde como direito de todos e dever do Estado”. Incorpora ainda uma concepção de seguridade social como expressão dos direitos sociais inerentes à cidadania, integrando saúde, previdência e assistência social. Define ainda, que os princípios do SUS, universalidade, integralidade, equidade e participação social, devem ser descentralizado, hierarquizado e regionalizado, fortalecendo assim a articulação federativa para implementação do sistema no país. Ou seja, reconhece o papel do Estado, nas suas três esferas, respeitando a autonomia de cada ente federado, na sua ação complementar e articulada. Eis o desafio! 

Debater a saúde no âmbito de uma agenda de governo, exige compreendermos os limites do Estado enquanto poder político e administrativo. Reconhecer a saúde como direito humano e social, universal, equânime e integral, dentro de uma sociedade capitalista, onde saúde é vista como mercadoria, é reconhecer que desde o nascedouro, o SUS, se contrapõe ao modelo de Estado Mínimo e coloca na roda o debate do Estado Social.

Importante destacar que a agenda de saúde, expressa pelo Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, já trazia o debate de que tipo de Estado é necessário para implementar o Sistema Único de Saúde (SUS) e garantir a saúde como direito universal e integral para todos. Não será possível aprofundar esse tema aqui, mas a pergunta que fica é: qual modelo de Estado é capaz de garantir direitos sociais e gerar cidadania? Como um sistema de serviços de saúde pode contribuir para a superação das desigualdades sociais? Como a redistribuição da oferta de ações e serviços e a redefinição do perfil dessa oferta, na dimensão dos grupos sociais que serão contemplados na oferta, e a capacidade de atenção de atender e dar acolhimento, de forma universal e integral para todos, podem de fato contribuir para diminuir as desigualdades sociais? Como destacam Machado & Viana:

“A implementação do SUS revela esforços de fortalecer uma política de caráter nacional em um cenário federativo e democrático, expressos na     configuração institucional do sistema e na regulação do processo de            descentralização político-administrativa”. (MACHADO e VIANA, 2009, 23).

Um breve relato da linha do tempo, na luta pelo SUS, resgata na 3a. Conferência Nacional de Saúde, em 1963, o debate da municipalização da saúde, reconhecendo o território das vidas humanas, nas cidades, e compondo o elenco das chamadas Reformas de Base do Governo João Goulart:

“ A 3a. Conferência revestiu-se de especial significado na medida em que propôs reforma profunda na estrutura sanitária do país e, pela primeira vez, fixou com clareza, uma Política Nacional de Saúde capaz de atender às necessidades do nosso povo a custos suportáveis pela Nação. Sob esse aspecto, ela se constituiu num marco importante da história do pensamento dos sanitaristas brasileiros. No processo de elaboração desse pensamento, sobretudo, a partir de 1940, foi tomando corpo a ideia de que saúde é inseparável do processo nacional de desenvolvimento, apresentando-se os indicadores dos níveis de saúde estreitamente relacionados ao grau de desenvolvimento econômico, social, politico e cultural da comunidade.” Wilson Fadul (Introdução ao relatório da 3a. Conferência Nacional de Saúde).

Este breve relato aponta o reconhecimento do Estado federativo e sua  responsabilidade em reconhecer e conduzir o processo de uma Política Nacional de Saúde. Luta interrompida pelo golpe de 1964. E retomada de forma contundente na defesa pela saúde como direito social e de todos, na 8a. Conferência Nacional de Saúde e inscrita e  na Constituição de 1988.

Ou seja, o papel da articulação das três esferas de governo sob o comando nacional é fundamental para garantir o SUS integral e universal. Mas vale aqui também destacar o papel imprescindível nessa construção da participação social e da gestão participativa. Os mecanismos de controle social do SUS, os conselhos e conferências de saúde, os conselhos nacionais de secretários estaduais de saúde (CONASS), e secretarias municipais de saúde (CONASEMS), as comissões gestoras bipartites (CIB) e tripartite (CIT), são espaços consolidados do SUS. São espaços de democracia participativa, legitimados pelas leis do SUS, como são conhecidas, Lei 8080 e 8142/1990 que versam, respectivamente, sobre a organização do SUS e sobre o controle social e financiamento do SUS. Essa é uma agenda estratégica da saúde na construção da cidadania e do direito humano à vida e à saúde de todos.

Todas essa trajetória do SUS na luta por garantir a universalidade e integralidade da atenção à saúde com equidade, contou com o protagonismo da participação social como elemento estruturante de todo processo. Entretanto, mesmo assim, não se conseguiu tocar corações e mentes de toda a população para o sentimento de pertencimento e defesa desse SUS, para o reconhecimento de que o SUS é a maior política de inclusão social que o Brasil tem em toda sua história republicana, e que todos, independente de sua classe social, em algum momento faz uso de sua estrutura e organização. Talvez agora, em tempos tão árduos, quando travamos a batalha do coronavirus – Covid 19 –, em meio a tantas adversidades, políticas e econômicas, do subfinanciamento do SUS ao longo dos seus 30 anos, agravado nos últimos três anos, reconheçamos que sem o SUS, articulado nas suas três esferas de gestão, valorizado pelos seus trabalhadores e trabalhadoras da saúde, incansáveis na sua dedicação e responsabilidade profissional e humanitária, não conseguiremos vencer essa guerra.

Nesse momento, a nossa participação cidadã se expressa em ficar em casa, em proteger os que amamos, mas também proteger os outros, e em especial, os profissionais de saúde, de segurança, de limpeza, que estão na linha de frente, na trincheira mais decisiva dessa batalha. Os cientistas e epidemiologistas que estão diurtunamente analisando e buscando evidências para encontrar respostas mais ágeis e precisas para evitar mortes e indicar tratamentos  para a cura.

Sem dúvida nenhuma, a saúde é uma estratégia importante de construção cidadã e os comunistas estão dando sua contribuição, em gestões estaduais e municipais do SUS, no controle social, no parlamento, entre os diversos trabalhadores e trabalhadoras da saúde. e em casa promovendo o distanciamento social necessário para contribuir com essa batalha, promovendo saúde e cidadania. Que nessa pandemia que estamos vivendo, o SUS saia fortalecido e reconhecido por todos, como um direito humano e como dever do Estado.

Autor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *