Imigrantes e refugiados da periferia de São Paulo em meio à pandemia

Essa parcela da população sofre pela frequente invisibilidade de suas dificuldades. Há relatos de imigrantes e refugiados demitidos de seus empregos em razão da quarentena, impedidos de receber receber remessas financeiras de seus parentes no exterior e sem condições de pagar o aluguel e as contas do mês.

Falta assistência básica a imigrantes em meio ao surto do novo coronavírus - Foto: Governo de São Paulo

Desde o início da crise causada pelo surto do coronavírus, diversas vozes têm pontuado que não é possível garantir o direito à quarentena àqueles e àquelas mais vulneráveis se não observarmos que é preciso garantir também seu direito à subsistência mínima. Auxiliar a economia não pode significar, como querem alguns, socorrer os abastados, vertendo dinheiro público na casa dos trilhões de reais para empresários e banqueiros, enquanto destinam-se migalhas para assistir aos vulneráveis, obrigando-os a arriscarem-se nas ruas esvaziadas em vagas de trabalho precarizadas – quando há uma vaga pela qual se arriscar.

É assim que tem sido para imigrantes e refugiados moradores de Guaianases, bairro do extremo-leste de São Paulo onde o Coletivo Conviva Diferente atua desde 2016 dando aulas de português e promovendo educação social. A comunidade imigrante do bairro, afastada do centro da cidade e, consequentemente, da maior parte dos serviços de assistência migratória de São Paulo, sofre pela frequente invisibilidade de suas dificuldades. Diante da mais recente crise causada pela pandemia da Covid-19, diversos relatos nos chegaram sobre as agruras enfrentadas por nossos alunos: imigrantes e refugiados demitidos de seus empregos em razão da quarentena, impedidos de receber remessas financeiras de seus parentes no exterior – e até de fazer remessas para outros parentes com o dinheiro de seu trabalho – sem condições financeiras de pagar o aluguel, as contas do mês e de comprar os mantimentos necessários à sua subsistência básica. Em alguns casos, itens de primeira necessidade para garantir a segurança sanitária dessas pessoas tornam-se artigo de luxo, como produtos de limpeza e de higiene.

Dessa forma, o Coletivo Conviva Diferente assume a responsabilidade de publicizar a situação precária da população migrante da periferia de São Paulo em tempos de pandemia de coronavírus. Nossa atuação não apenas serve ao propósito de assistir a população migrante da região, mas também para sinalizar ao poder público, entidades do terceiro setor e à sociedade de maneira mais ampla quais as questões mais prementes colocadas pelos migrantes que atendemos no território, tornando visíveis pessoas que, de outra forma, seguiriam ignoradas. 

Elaboramos uma Carta – Manifesto onde explicitamos as medidas que defendemos para mitigar a situação crítica em que se encontram os imigrantes e refugiados, periféricos ou não, entre as quais estão a concessão de auxílio aluguel; manutenção dos benefícios sociais vigentes e concessão de novos para aqueles e aquelas em situação periclitante; isenção de pagamento de IPTU, luz e água; distribuição de cestas básicas; e garantia de atendimento em serviços públicos de saúde a despeito da situação migratória ou documental de imigrantes e refugiados. É importante frisar, ainda, que o projeto de renda básica emergencial que foi aprovado ontem ainda não é claro sobre a inclusão de imigrantes e refugiados, e que mesmo sua inclusão não garante nada: R$ 600 é, hoje, o preço de um aluguel de um quarto e sala em um bairro como Guaianases – e isso porque o bairro tem preços consideravelmente mais baixos do que outras regiões da cidade.

Essa carta, referendada por diversos e importantes organizações e coletivos de assistência migratória (muitos deles organizados pelos próprios imigrantes e refugiados da cidade), foi encaminhada para autoridades do executivo e do legislativo municipal, estadual e federal, como os vereadores Eduardo Suplicy, Celso Giannazi, Toninho Vespoli e Soninha Francine, os deputados federais Orlando Silva e Alexandre Padilha, e as Secretarias Municipais de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) – além de sua Coordenadoria de Políticas para Migrantes e Trabalho Decente (CPMig-TD) -, de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e para o Gabinete do Prefeito Bruno Covas.

Esperamos, assim, que as demandas possam ser devidamente encampadas e encaminhadas, e que possamos ter uma resposta ágil do poder público para as questões que afligem a população imigrante da cidade de São Paulo. Lembramos que, em uma pandemia, só estaremos individualmente seguros na medida em que estivermos coletivamente seguros, e que para que seja possível “achatar a curva”, palavras mágicas proferidas à exaustão nas últimas semanas, é preciso que possamos garantir que as pessoas possam, de fato, se resguardar em suas quarentenas. Garantir renda e assistência aos mais vulneráveis é, hoje, uma política de saúde pública.

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