O bispo “comunista” que denunciou o nazismo e foi expulso da Igreja

Arquivo Secreto do Vaticano guarda documentos sobre o bispo brasileiro Dom Carlos Duarte Costa , excomungado por heresia durante a 2ª Guerra Mundial

No Arquivo Secreto do Vaticano – onde estão os processos contra o astrônomo Galileu Galilei e o protestante Martinho Lutero –, também há documentos sobre um bispo brasileiro excomungado por heresia durante a 2ª Guerra Mundial. Trata-se de Dom Carlos Duarte Costa (1888-1961), que fez inúmeras críticas ao papa Pio 12, foi acusado de ser “comunista” e acabou excomungado da Igreja Católica em 1945. A razão: escrever textos antinazistas e prefaciar um livro favorável à União Soviética.

Esta e outras documentações integram os 85 quilômetros de prateleiras de 600 arquivos que abrangem 12 séculos de Igreja. De acordo com os papéis, o bispo brasileiro foi “fortemente vigiado” pelo Vaticano. “Ele estava no olho do furacão, com as lentes de aumento sobre ele. Selecionaram tudo que era publicado sobre ele”, diz Anderson José Guisolphi, que é pesquisador do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo (PPGH/UPF) e padre da Igreja Católica Apostólica Brasileira, fundada por Costa depois da expulsão da igreja.

Um dos achados de Guisolphi foi a nomeação de Costa como bispo. “Não foi fake – ele foi credenciado pelo Vaticano”, explica. Costa esteve à frente da Diocese de Botucatu, em São Paulo, de dezembro de 1924 até 22 de setembro de 1937. Após sua renúncia, recebeu o título honorífico de bispo de Maura.

Se a nomeação foi liberada ao pesquisador pela Igreja, o mesmo não ocorreu com a excomunhão. “A resposta veio em italiano, dizendo que o acesso era proibido porque o bispo era ‘herético excomungado’. Mas essa resposta também confirmou a excomungação propriamente dita”, explica Guisolphi.

No Rio de Janeiro, o bispo fundou, em 1940, a revista católica Mensageiro de Nossa Senhora Menina. Com o avanço da 2ª Guerra Mundial, o conteúdo deixou de ser somente religioso para assumir uma posição abertamente antinazista. “Ele fazia uma resenha da guerra, mês a mês”, conta Guisolphi. “Era também bastante crítico ao posicionamento do presidente Getúlio Vargas. Em 1944, passou a ser mais duro também com o papa Pio 12, de quem cobrava uma posição enfática contra o nazismo.”

Naquele mesmo ano, Costa escreveu um ofício denunciando padres alemães que entraram no Brasil como missionários, mas eram simpatizantes do nazismo que buscavam abrigo no país, segundo ele. Rebelde, apesar das encíclicas papais – documentos com orientações aos católicos que condenavam o comunismo –, prefaciou o livro Poder Soviético, de Hewlett Johnson, arcebispo da Igreja da Inglaterra. O inglês também era antinazista, defendendo a posição da Inglaterra na guerra que, ao lado dos Estados Unidos, se uniu à União Soviética contra o nazismo.

“O conteúdo do livro era comunista e havia várias encíclicas papais que afirmavam que os católicos seriam excomungados se declarassem ser (comunistas). Foi pautado nessas provas que o Vaticano emitiu a excomunhão dele”, diz o pesquisador. Porém, segundo Guisolphi, o bispo simpatizava com bandeiras de esquerda, não sendo necessariamente comunista: “Ele acreditava em um governo mais social, mais ligado ao povo, mais democrático. Aquele contexto de guerra era antidemocrático no mundo. No Brasil, era a ditadura do Estado Novo. Nos textos que escrevia, se via a busca de um Estado de bem-estar social e saúde.”

Depois de excomungado, o bispo poderia ter se filiado ao Partido Comunista do Brasil, por exemplo. Mas não quis. Assim como fundou uma nova Igreja, criou sua própria legenda, o Partido Socialista Cristão.

Enquanto era bispo, Costa estava “blindado” da perseguição de Vargas contra comunistas e opositores. Porém, assim que iniciou seu processo de excomunhão, foi preso. Por causa da repercussão, foi autorizado a ficar em regime domiciliar, em Minas Gerais. Assim que conseguiu retomar a liberdade, mobilizou intelectuais católicos e fundou outra revista, desta vez sob o nome de Luta e ligada à nova Igreja Católica Apostólica Brasileira.

O pesquisador relata que teve dificuldade para acessar os documentos sobre o caso no Brasil e assim percebeu que poderiam estar no Vaticano. Mas não contava que o termo “secreto” no nome do arquivo fosse tão literal. Após registrar seu interesse em acessá-lo, Guisolphi recebeu uma carta com data e horário que deveria se apresentar na Secretaria do Vaticano.

Lá, teve seu passaporte retido e foi conduzido por guardas para uma entrevista. Seus pertences, incluindo lápis e papel, foram guardados em um guarda-volumes cuja chave não lhe foi entregue. Passou por um detector e só então teve acesso ao catálogo. A partir dele, poderia requisitar os documentos, acessíveis apenas horas mais tarde.

“Tinha como referência o filme Anjos e Demônios – era isso que vinha à cabeça quando pensava no Arquivo, um certo fetiche sobre esse acervo documental, a maior coleção do Planeta”, lembra Guisolphi. “Nesse quesito, foi um pouco frustrante. Não se pode circular livremente entre prateleiras e volumes, como em um filme.”

Com informações da Folha de S.Paulo

3 comentários para "O bispo “comunista” que denunciou o nazismo e foi expulso da Igreja"

  1. Raquel mattes disse:

    Nada de novo quanto ao conteudo e a perseguicao, a novidade é a origem da igreja catolica, apostolica brasileira.

  2. Samyr Vasconcellos disse:

    Sou padre da ICAB e quero dizer que infelizmente a nossa igreja sofre um retrocesso histórico com um considerável número de padres de Direita na contramão do nosso fundador Dom Carlos Duarte Costa.

  3. gilson luz disse:

    Deve ser dificílimo ser um religioso da Esquerda, principalmente da ultra-Esquerda, como a comunista. Primeiro por causa das perseguições que sofre quem, vivendo num mundo de dominância religiosa e individualista, aceita como verdadeiras as filosofias, preocupações e ideias esquerdistas, coletivistas. Segundo porque qualquer pensamento que conduza ao aprimoramento dessas filosofias, preocupações e ideias com o objetivo de chegar ao fim desejado — uma sociedade socialista, sem classes, sem privilégios pessoais, sem explicações metafísicas para os fenômenos sociais e econômicos — conduz irremediavelmente a um conflito com a ideia de um único ser supremo, com o comando de todas as ações humanas e responsável por tudo o que veio e o que virá. Marx e Deus, definitivamente, não combinam…

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