Apologia da história dos genocídios anticomunistas

Com os avanços da ideologia de extrema direita, o mundo passa por uma forte tendência de revisionismo da história.

Por Osvaldo Bertolino

No Brasil, reaparecem ideias que no passado recente resultaram em atos bárbaros, a começar pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, com sua sistemática apologia aos crimes hediondos da ditadura militar. Nesse clima, surgiram, também, livros que falam o idioma daquele tempo, como os infames Borboletas e lobisomens, de Hugo Studart, e O Livro negro do comunismo no Brasil, de Gustavo Marques.

Essas peças de propaganda da extrema direita contra a Guerrilha do Araguaia e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) repetem os discursos maquiados com a propaganda de que são ideias de “centro”, sempre alardeadas como defensoras da “democracia”. Esses dois livros, por exemplo, são meras reproduções das teses que justificam as torturas e os assassinatos pelas milícias instaladas nos porões da ditadura militar, institucionalizadas por aquele regime.

São ideias com raízes no histórico de genocídios do século XX. A palavra “genocídio”, aliás, surgiu exatamente para situar as atrocidades contra os povos desde que o mundo começou a viver sob constante ameaça de guerra. Ela se consolidou no Tribunal de Nuremberg, que condenou os crimes nazistas da Segunda Guerra Mundial, por iniciativa do jurista polonês Rafał Lemkin, integrante do grupo de trabalho encarregado de preparar os julgamentos.

Plataforma de Adolf Hitler

Lemkin, que estudara o Genocídio Armênio, dizia que o mundo precisava banir a “barbárie” e o “vandalismo”, termos que, segundo ele, caracterizam o massacre e a destruição da cultura de um povo. O conceito foi aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 9 de dezembro de 1948, num documento conhecido como Convenção sobre o Genocídio.

Seu artigo 2 define o genocídio a partir da intenção de extermínio em massa. Essa definição se baseava nos acontecimentos da Segundo Guerra Mundial, quando o regime de Adolf Hitler deliberadamente promoveu o genocídio dos judeus e planejou a escravização dos eslavos. Em janeiro de 1933, quando ele se tornou chanceler alemão, sua plataforma política já era bem conhecida; ela estava no livro Mein Kampf  (Minha Luta), de sua autoria.

Hitler discorreu longamente sobre o problema do “espaço vital” — Lebensraum, em alemão. “Se na Europa de hoje falarmos em terras, haveremos de ter em mente apenas a Rússia e as nações vizinhas a ela subordinadas”, afirmou o líder nazista. Ele perseguiria esse objetivo até o seu fim. Para Hitler, o destino tinha sido generoso ao entregar a região à direção dos comunistas — o que, segundo sua teoria, era o mesmo que entregá-la aos judeus.

A estratégia nazista estava clara. Primeiro, era preciso aniquilar a França apenas como condição para o avanço de seus exércitos rumo ao Leste. Hitler tomou a Áustria, a região dos Sudetos, na Tchecoslováquia, e a parte ocidental da Polônia. Em setembro de 1938, os líderes da Alemanha, Inglaterra e França assinaram o “Pacto de Munique”, permitindo ao exército alemão iniciar sua marcha para a Tchecoslováquia. O próximo passo seria a invasão da União Soviética.

Guerra das nações

Todos os acontecimentos daquela tragédia só podem ser compreendidos em sua inteireza a partir desse ponto de partida. Os genocídios, além do morticínio na resistência à ofensiva nazista, estão diretamente relacionados a essa ideia. Sua base vem do século XIX, quando as estruturas da guerra se adaptaram às mudanças das sociedades. Já naquela época, as convenções e conferências de Genebra (Suíça) e Haia (Holanda) tentaram criar regulamentos para “humanizar a guerra”.

Como descreve o pesquisador iugoslavo Vladimir Dedijer, na obra On military conventions, as sociedades capitalistas pariram, nessa época, o monstro da “guerra total”. Segundo ele, as competições entre as nações produzem hostilidades permanentes. Consequentemente, produzem engenhos cada vez mais mortíferos, que não distinguem combatentes da população civil.

Foi assim que surgiu a “guerra das nações”, a Primeira Guerra Mundial. Inglaterra e França, como as principais potências capitalistas da época, puxaram a fila de países que constituíram impérios coloniais. Com guerras de agressão e genocídios para exportar mercadorias e capitais, subtraindo das nações colonizadas matérias-primas e força de trabalho, esse colonialismo criou uma espécie de sub-humanidade, uma ideologia essencialmente racista.

Genocídio de Winston Churchill

Assim como o nazifascismo, outros regimes promoviam genocídios. Quando o Tribunal de Nuremberg começava a surgir para julgar os crimes do regime de Hitler, por exemplo, os franceses massacraram 70 mil argelinos em Séfit, Guelma e Kerrata, um genocídio ocorrido em 8 de maio de 1945. Recentemente, o escritor e ex-diplomata indiano Shashi Tharoor publicou um artigo no jornal norte-americano The Washington Post sobre o genocídio britânico em seu país, tendo à frente ninguém menos do que Winston Churchill.

Essa concepção ganhou nova forma no pós-Segunda Mundial, agora sob a hegemonia dos Estados Unidos e seu famoso One world. Ela permite compreender como a estrutura das guerras coloniais se transformou de “guerra total”, em que a força encontra reciprocidade, em “guerra colonial”, contra populações civis. A Guerra da Coreia e a vitória da Revolução Chinesa, liderada por Mao Tse-tung, marcaram uma nova etapa de conflitos entre o império com pretensão à univocidade e os movimentos de libertação do povos.

Esse conflito foi sangrento também no Vietnã, onde os Estados Unidos chegaram a formar campos de concentração, em muitos aspectos semelhantes aos de Hitler. Foram combates que se desenvolveram com o conceito de guerra popular, apoiada no auxílio da população interna – princípio adotado pelo PCdoB na concepção da Guerrilha do Araguaia –, de um lado, e o terrorismo genocida pelo invasor.

O racismo da ideia de sub-humanidade a ser exterminada ou escravizada ficou claro em declarações de autoridades do regime norte-americano. Segundo o general William Childs Westmoreland, comandante das tropas norte-americanas na Guerra do Vietnã, entre 1964 e 1968, a guerra era “para mostrar que a guerrilha não vale a pena”, um recado enfático aos que pretendiam pegar o caminho da guerra popular.

Nova ordem mundial de Bush

Era a mesma ideia que fora aplicada no Japão, quando a máfia Yakusa foi usada pelas forças de ocupação norte-americanas para suprimir dirigentes políticos de esquerda. Processos similares aconteceram no Sudeste Asiático. Na década de 1960, a tomada do poder pelo presidente Suharto na Indonésia foi a apoteose de um banho de sangue anticomunista que dizimou meio milhão de pessoas. Com a bênção de Washington e o financiamento de empresas locais, o regime de Suharto sobreviveu até recentemente.

No Vietnã, o objetivo confesso dos Estados Unidos era cercar a China socialista para evitar a expansão da guerra popular. O regime de Washington impôs o seu controle na Tailândia e ocupou dois terços do Laos. David Dean Rusk, então secretário de Estado dos Estados Unidos, declarou que o objetivo era estabelecer “uma linha de defesa no Pacífico”.

A política de provar que “a guerrilha não compensa” chegou também na América Latina com a cadeia de golpes militares inspirada no Plano Truman. Para enfrentar aquele cenário expansionista militarizado, seriam necessários muitos vietnãns, disse Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana. Nessa região, ainda são historicamente recentes os crimes contra a humanidade, como os praticados no confronto com a Guerrilha do Araguaia.

A mesma ideia orientou o ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush em sua “nova ordem mundial” – termos usados por Hitler – após a queda do bloco soviético. Com essa política, o regime norte-americano deu banhos de sangue no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, na Sérvia e agora na Síria (além da grave ameaça de nova guerra com esse assassinato bestial do iraniano Qassem Soleimani). As ameaças são constantes também contra Cuba, Coreia do Norte e Venezuela.

Esses genocídios representam um ataque a todo o gênero humano. São crimes que fazem daqueles que conscientemente se omitem – ou apoiam, como os que enaltecem esses livros de extrema direita contra a Guerrilha do Araguaia e o PCdoB – cúmplices dos seus praticantes. Ao atacar os que combatem e denunciam os criminosos, estão inquestionavelmente prestando serviços aos que, em nome de interesses econômicos, praticam bestialidades que atingem toda a humanidade.

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Fonte: O outro lado da notícia