Evo denuncia OEA: “Também é responsável pelo golpe de Estado”

Primeiro indígena a ser eleito presidente da Bolívia, Evo Morales está na Cidade do México, com intensa agenda de entrevistas. Manteve o hábito de levantar-se de madrugada desde que se tornou asilado político, após ser deposto por um golpe militar. Em entrevista à BBC News Mundo, ele afirma que a OEA (Organização dos Estados Americanos) “também é responsável pelo golpe de Estado” e diz que o novo governo na Bolívia, uma “ditadura”, terá resistência de movimentos sociais e indígenas. Confira.

Evo Morales

BBC News: Como você se define neste momento: presidente, ex-presidente, presidente deposto, asilado político? Qual sua atual condição?
Evo Morales: Os juristas me dizem: enquanto a Assembleia [Nacional] não aprovar minha renúncia, continuo sendo presidente. Estou esperando que a Assembleia Nacional decida sobre minha renúncia, se a aprova ou se a rechaça. Na Assembleia, temos dois terços do Senado e dos deputados. É a maior democracia que a Bolívia já teve desde a fundação da República. Em tempos passados, presidentes que ganhavam [eleições] com menos de 20% governavam. Nós ganhamos com 64%, 61%, mais de 50%. E nas últimas eleições ganhamos no primeiro turno, ainda que não tenhamos chegado a 50%. Estou esperando a hora em que a Assembleia se reunir e possivelmente tratar da minha renúncia.

BBC News: Continua se considerando presidente da Bolívia?
Evo: Não eu, essa é uma interpretação jurídica.

BBC News: Mas pensa em exercer de alguma forma essa condição? O que espera que os parlamentares decidam?
Evo Morales: Essa é uma decisão da Assembleia, mas faz lembrar que em 2002 me expulsaram do Congresso, e o movimento campesino e o povo se mobilizaram. Essa expulsão era para tornar inelegível. O que quer dizer isso? Com um processo, me sentenciar a não ser candidato, por instrução da embaixada dos Estados Unidos. A história se repete em 2019: não me expulsaram só do Congresso – mas da Bolívia. Sobre essa questão jurídica: eu, é claro, não me sinto presidente, porque ser presidente é fazer gestão. Você sabe que trabalhamos das 5 da manhã até às 23h, até à 1 da manhã, todos os dias, de segunda a domingo. Eu não estou fazendo isso, portanto pessoalmente não me sinto presidente, ainda que interpretações jurídicas digam que continuo sendo.

BBC News: A [senadora] Jeanine Áñez se autodeclarou presidente interina da Bolívia, e foi reconhecida por outros países como tal, incluindo pela Rússia. Qual sua posição a respeito disso?
Evo Morales: A informação que tenho é que a Rússia não reconheceu, segundo um esclarecimento da imprensa, foi uma má interpretação. Agora, os Estados Unidos têm que reconhecer. Tenho lindas memórias desta gestão presidencial fazendo política. Vítimas das ditaduras militares dos anos 1960 e 1970 me diziam, quando eu era presidente: “Evo, cuidado com a embaixada dos EUA”. Eu perguntava por quê. Me diziam: “Só não há golpe de Estado nos EUA porque não há embaixada dos Estados Unidos nos Estados Unidos”. Durante todo o processo constituinte, a embaixada conspirava contra mim. Por isso, expulsamos o embaixador. Que os EUA tenha sido o primeiro a reconhecer essa senhora, é prova de que foi um golpe de Estado.

BBC News: Em sua carta e vídeo de renúncia, o sr. afirma que houve um “golpe político, cívico e policial”. Não menciona os militares nem os EUA. Por quê?
Evo: Sempre conspiram contra mim. Restando um mês e meio de campanha, convoquei o encarregado dos negócios dos EUA e disse: “Veja, vocês estão fazendo campanha política contra mim, ofereceram obras [no país] em troca de [grupos] não me apoiarem. O encarregado ficou calado: “Não haverá mais isso, mas você também não se meta na política dos EUA”. Estavam em campanha contra mim. Totalmente. Se estavam em campanha contra mim, como não vão participar de um golpe, ainda que isso não tenha sido visível. Não é somente um golpe cívico, político e policial, mas também é militar.

BBC News: E porque não disse isso naquele momento?
Evo: Nos surpreendeu que tenha havido um comunicado [feito pelas Forças Armadas] de pedido da minha renúncia. As Forças Armadas não podem fazer isso, não podem pedir minha renúncia. Antes de voar para Chapare, eu disse: “Depois que chegarmos a Chapare nos falamos.” Quando cheguei, haviam pedido minha renúncia. Não consigo entender o general (Williams) Kaliman, não sei o que ele vai fazer. Tenho muitas dúvidas agora sobre alguns chefes ou comandantes das Forças Armadas. Em 7 de agosto, no aniversário das Forças Armadas, gritavam contra o imperialismo, questionavam a política de direita… E da noite para o dia trocam de lado. Em diversas reuniões me insinuaram que se em algum momento as Forças Armadas tivessem que pacificar ou enfrentar esta conspiração, teria que haver um decreto presidencial, coisa que nunca haviam me pedido antes. Para agora apoiar a direita, os golpistas, os fascistas, racistas, matando, sem decreto. Nós somos os que lutamos pela paz e vamos continuar lutando pela paz. Sempre dissemos ao comando policial que não pode haver mortos por arma de fogo. Eu renuncio e no dia seguinte há mortos por balas da polícia e das Forças Armadas. Até agora, dez mortos. Essa é a ditadura.

BBC News: Mas são militares que o sr. mesmo nomeou, e chamou a atenção que o sr. recentemente começou a falar da responsabilidade dos militares uma vez que saiu da Bolívia, o sr. não falou sobre a responsabilidade deles no que define como um golpe de Estado.
Evo: No domingo à noite, eu tinha que dar segurança, embora evidentemente soubéssemos que, antes de renúncia, eles já haviam pedido minha demissão. Mas não é só isso. Quero que saibam: a OEA também é responsável pelo golpe de Estado. Você sabe o porquê? Em primeiro lugar, diante de alegações de fraude, dissemos que havia uma auditoria. Já fizemos uma auditoria interna. De acordo com informações técnicas, sempre pode haver erros, mas não houve fraude. A primeira informação chegou a mim não foi diretamente de Luis Almagro [Secretário-Geral da OEA], mas por outras pessoas, dizendo que “estava tudo bem”, insinuando que Evo venceu no primeiro turno. A segunda informação que recebi: duas ou três mesas [de votação] em Beni estavam sendo questionadas. Eu disse ao governador do departamento de Beni: “Acho que haverá uma nova votação em algumas mesas observadas”. O acordo entre o Ministério das Relações Exteriores e a OEA dizia que na terça ou quarta-feira desta semana eles tinham que apresentar o relatório correspondente. Surpreendentemente, no domingo de manhã, eles nos chamam e dizem que já tinham o relatório preliminar. E eu disse: “Peça esse relatório e veremos”. Vimos e eram interpretações, insinuações de que houve muitas irregularidades. Mas o relatório também dizia “Evo venceu, Mesa [ficou] em segundo lugar, não está claro quem venceu no primeiro turno.” No entanto, sugerimos novas eleições. Se não ganhamos em primeiro turno, deveria haver segundo turno. Essas são decisões políticas que a OEA tomou. Nesse momento, eu disse para me contatarem, quero falar com Luis Almagro, porque o ministério estava falando não com ele, mas com seu chefe de gabinete. E pedi para falar com Luis Almagro porque queria advertir [a OEA] que parassem, porque aquele informe traria muitos mortos, feridos: “Vai haver uma convulsão social, vocês estão conspirando contra a democracia, não estão respeitando a soberania do Estado”. Tenho duas testemunhas, o chanceler e o ministro da Justiça, de que eu queria avisá-los. Esse relatório para mim era qualquer coisa, era um informe sobre a política econômica.

BBC News: O sr. disse que o relatório da OEA tinha insinuações, suposições, mas é uma auditoria à qual se opôs inicialmente o seu adversário, Carlos Mesa, feita por ténicos, e que sinaliza irregularidades concretas. Por exemplo, que a interrupção da contagem de votos minou a credibilidade e a transparência que a eleição necessitava, que era estatísticamente improvável que o sr. tivesse ganhado pela margem de 10 pontos que precisava para evitar um segundo turno, que havia votos físicos com alterações e assinaturas falsificadas, que em muitos casos não se respeitou a cadeia de manejo dos votos e que houve manipulação de dados…
Evo: Em todos os países há contagem rápida. Eu pedi para que se revisasse voto por voto, mesa por mesa, para mim isso era o mais válido. Todos os partidos que participaram tem um registro de sufrágio. Porque não se revisa isso? Se isso foi alterado, é fraude. Se não foi, como podemos nos embasar em pesquisas de boca de urna?

BBC News: Mas aqui há coisas concretas que o sr. não respondeu. A interrupção da contagem, votos físicos com alterações e assinaturas falsificadas, que em muitos casos não se respeitou a cadeia de manejo dos votos e que houve manipulação de dados. Isso foi dito por especialistas, que o sr. mesmo aceitou em seu país. Então você aceita ou nega os resultados?
Evo: Mas a contagem rápida não decide. Veja, eu sempre ganhei com o voto do campo. Vou te contar minha história política.

BBC News: Conhecemos sua história, mas queremos ir concretamente ao que sinaliza a OEA, porque o sr. não respondeu até agora.
Evo: De acordo com a interpretação que fizemos naquela manhã, estão totalmente equivocadas as interpretações que você faz. Me diga em que departamento, quantas mesas foram alteradas, onde está essa informação.

BBC News: Há um relatório de várias páginas onde isso está detalhado.
Evo: Por isso mesmo, quero que diga em que departamento foi alterada a contagem. O que entendo quando algo é alterado: “nesta mesa, por exemplo, ganhou Carlos Mesa, mas na contagem final ganhou Evo”. Quero que me demonstrem isso. Por isso que digo que a auditoria deve ser mesa por mesa.

BBC News: Mas a auditoria sinaliza irregularidades concretas que não tiveram resposta até agora. O sr. recebeu o relatório, disse que chamou Almagro para dizer que isso vai gerar convulsão social e logo propôs novas eleições. Mas e quanto às irregularidades que estavam ali?
Evo: Quero que demonstrem em quais mesas havia contagem alterada, onde deveria ter ganhado Carlos Mesa e ganhou Evo. Dentro de uma auditoria interna, me disseram que havia irregularidades, problemas, mas isso não demonstra que houve fraude.

BBC News: O sr. reconhece que houve irregularidades então?
Evo: Falaram disso na auditoria interna. O que são irregularidades? Alguns procedimentos, problemas que aparecem. Depois que saiu o relatório dizendo que havíamos ganhado com uma margem de 7% e não com 10%, eu disse: esperem o voto do campo. E com o voto do campo ganhamos com mais de 10%. No dia seguinte, eles [a oposição] instruem a queimar tribunais departamentais, a queimar urnas. Eles sabiam que havíamos vencido no primeiro turno.

BBC News: Você diz que as irregularidades foram cometidas por seus adversários, não por seus aliados?
Evo: Seguramente é o problema do Tribunal Eleitoral…

BBC News: Tribunal Eleitoral onde a maioria é de seus partidários.
Evo: Discutível. A presidenta do Tribunal Eleitoral, María Eugenia (Choque), foi vice-ministra de Carlos Mesa. O Tribunal Constitucional, no qual há evidentemente indígenas e não indígenas, tomou ontem uma decisão em favor da ditadura.

BBC News: Quem você diz exatamente que o depôs?
Evo: A direita, a polícia, as Forças Armadas e a OEA.

BBC News: Você disse “não me deixam governar”, mas foram quase 14 anos no poder.
Evo: Governamos e, por isso, existem os resultados que tivemos. Graças à união do povo boliviano, batemos recordes. Em 180 anos, desde 1825 até 2005, atingimos um PIB (Produto Interno Bruto) de US$ 9 bilhões. Ano passado, chegamos a US$ 40,8 bi de PIB, um recorde histórico. Governamos com o apoio do povo…

BBC News: São cifras indiscutíveis. Mas o que digo é que, para estabelecer onde começou essa crise, ainda que difícil, é possível sinalizar como ponto de partida quando o sr. decidiu concorrer a um quarto mandato apesar da decisão concreta da maioria dos bolivianos que haviam dito para que não o fizesse. O sr. desconsiderou isso e decidiu concorrer mesmo assim.
Evo: Para que foi o referendo? Para não mudarmos a Constituição. Não modificamos a Constituição. Mas você também conhece os antecedentes da América Latina. Os tratados internacionais de direitos humanos estão acima da Constituição. É o que fizeram os outros países da América Latina, isso não é uma invenção. Internamente, nossos movimentos sociais têm muita confiança em Evo. Quando dizem [para haver] outras eleições sem Evo, por que têm medo de Evo, me diga. Tenho todo o direito de participar das eleições, mas dizem “Evo não, Evo não”. Agora quero voltar e dizem: “Não volte, Evo”. Por que têm medo de Evo? Não venho à presidência para ganhar dinheiro, mas para honrar a pátria. Ninguém pode me acusar de ser corrupto. Venho da família. Graças à minha mãe, tenho uma educação, uma ética, tenho valores. Quando criança, meus pais me ensinaram a não roubar, não mentir, não ser preguiçoso, e essa herança familiar, essa herança comunitária, que levo para servir o povo boliviano.

BBC News: O que você diz aos que apontam que você contribuiu para esta crise, polarizou o país ignorando o resultado do referendo em que os bolivianos lhe disseram para não se candidatar novamente, se candidatou novamente à procura de um quarto mandato presidencial e que levou a uma enorme polarização do país? As regras do jogo democrático não forma levadas muito ao limite ao fazer isso?
Evo: Esse referendo [está] cheio de mentiras. Se alguma coisa ganhou em 21 de fevereiro [data do referendo], é a mentira: eles ganharam por 70 mil votos, a direita toda unida. A embaixada dos EUA participou diretamente, conforme planejado. E seus colegas jornalistas envolvidos nessa campanha.

BBC News: Mas o sr. aceitou o resultado. Agora está dizendo que foi fraude?
Evo: Dissemos isso em tempo hábil.

BBC News: O sr. faz alguma autocrítica do que fez nos últimos tempos?
Evo: Me cabe fazer autocrítica, de quê, me diga? Que erros eu cometi?

BBC News: Estou perguntando, o sr. não cometeu nenhum erro?
Evo: Mas me diga você, que erros eu cometi? Não quero pensar isso, mas você parece representante da direita boliviana. Uma vez, fizemos um decreto de tirar o subsídio dos combustíveis. Me equivoquei, me corrigi. Sei corrigir os meus erros. Isso me permitiu bater todos os recordes: democráticos, políticos, econômicos e sociais.

BBC News: Chamou a atenção de muitos que o sr. tenho abandonado a Bolívia, saído do país. Está seguro de que fez a coisa certa? Por que saiu?
Evo: No sábado, 9 de novembro, eu chego em Chimoré (centro da Bolívia). As equipes de segurança me fazem ler as mensagens recebidas: “Entregue-me o Evo, vamos agir”. Telefonemas, mensagens: “Vou enviar 50 big sticks [cacetetes, em inglês]”. Perguntei: o que são 50 big sticks? US$ 50 mil para quem me entregar. Você quer me ver morto? Te pergunto. Você quer me ver morto? Diga-me… Responda-me, como jornalista, você quer ver o Evo morto?

BBC News: Você diz que saiu porque corria risco de vida?
Evo: Estou te perguntando, você quer ver o Evo morto?

BBC News: É o sr. que está sendo entrevistado.
Evo: Te pergunto como ser humano, não há aqui um jornalista, nem ex-presidente, nem presidente. Você quer ver o Evo morto?

BBC News: O sr. sabe porque pergunto. Porque o sr. disse, no passado, que quem sai da Bolívia é um “criminoso confesso”. Muitos estão lembrando iisso agora…
Evo: Claro, os corruptos com provas, com processos, com sentenças, fugiram. Esses são os criminosos confessos. Eu disse textualmente: o México salvou a minha vida. Olha, não me pergunte com armadilhas. Estão ditando para você perguntar. Eu conheço esse tipo de jornalista. Eles estão dizendo o que você deve perguntar…

BBC News: Não, ninguém está me ditando nada. O telefone está em modo avião. Não está conectado a nada. Essas são minhas perguntas que tenho escritas aqui. Tenho o seu tweet anotado aqui: “Quem se esconde ou foge é um criminoso confesso. Não é um perseguido político.”
Evo: Quero dizer quem foge com sentenças, com provas. Contra mim, que prova eles têm? A única prova é essa: atentaram contra minha vida. A minha companheira Gabriela (Montaño, ex-ministra da Saúde) sabe disso. No dia seguinte, como militares armados estavam me esperando. E ela me salvou, com seus 15 caminhões. Veja, eu estava aterrissando em Chimoré. Tinha que ir ao terminal comercial. De repente, o avião vai para o terminal militar. Havia militares armados, uniformizados. Quem me salvou? Dirigentes, autoridades locais. Vieram voando como raio para a pista. Posso comentar muitas coisas e lamento que não me pergunte. Eu acho que você quer que Evo estivesse morto. Eu pergunto, você gostaria que eu estivesse morto?

BBC News: Por favor, ninguém quer que haja mortos aqui… O que eu estou tentando entender é por que o sr. saiu…
Evo: Eu diria, por mais que seja meu inimigo ideológico e político, jamais iria querer me ver morto.

BBC News: Eu nunca disse isso.
Evo: E porque não me responde?

BBC News: Porque sou eu que estou entrevistando o sr.
Evo: É um debate político.

BBC News: Não é um debate, não vim a um debate, vim a uma entrevista jornalística, Evo…
Evo: Te peço que me passe uma gravação de tudo isso. Vamos demonstrar que é um debate político. Não estou fugindo, debatamos.

BBC News: Jeanine Áñez disse à BBC que o sr. “fugiu covardemente” da Bolívia e que tem que enfrentar acusações por lá. O que o sr. responde?
Evo: Que acusações, me diga? Não sei que acusações que fazem.

BBC News: Por fraude eleitoral provavelmente…
Evo: E por acaso sou eu que administro o Tribunal Superior Eleitoral? Me diga. Me responda. Eu administro?

BBC News: Não, como eu disse anteriormente, há muitos que afirmam que seus partidários são maioria.
Evo: Estou provando, a presidenta era vice-ministra de Carlos Mesa, o vice-presidente era de direita. Alguns companheiros vêm de movimentos sociais, mas são indicações de movimentos sociais, não de Evo Morales.

BBC News: Por que não foi à Venezuela em vez de vir ao México?
Evo: Por que Venezuela, me diga, porque insinua isso?

BBC News: Porque é seu aliado mais próximo na região.
Evo: Tenho muitos aliados: Rússia e China, países na Europa, que nos admiram bastante, França, Espanha…

BBC News: Mas a Venezuela foi um aliado mais próximo.
Evo: É nosso aliado. Respeito e admiro muito. Admito Hugo Chávez, que derrotou o golpisto, o intervencionismo e a guerra econômica. E o povo venezuelano, tenho muita admiração. Assim como ao povo de Cuba, que segue firme apesar de tantos anos de bloqueio econômico. Recebi um telefone dizendo que fosse ao Paraguai. E por acaso o Paraguai é meu aliado ideológico? Governos de direita e esquerda me apoiaram e demonstraram sua solidariedade. Tenho tantas chamadas… Mas peço que me passe uma gravação desta entrevista. Com você não é uma entrevista, é um debate ideológico. Estou disposto, debatamos. Porque ele fica sem argumento e pula para a Venezuela.

BBC News: Não, não aceito que isso é um debate. Estou fazendo perguntas. Quais seus planos para o futuro? O que pensa em fazer?
Evo: O que me recomenda? (risos)

BBC News: De novo você pergunta para mim? Está com falta de assessores? (risos)
Evo: Como provoca.

BBC News: Não, não estou provocando, me desculpe. Estou fazendo perguntas e creio que são muito legítimas, e que muitas pessoas se perguntaram.
Evo: Quando você se baseia no relatório da OEA… É um grande defensor desse relatório. Eu chego a esta conclusão.

BBC News: Mas, por favor, se estou perguntando ao sr. é porque não respondeu ao relatório.
Evo: É que você não me deixa falar, me deixe falar.

BBC News: Como não? Estou deixando. Não diga que estou dando respaldo ao relatório da OEA. Estou perguntando sobre um relatório que o sr. mesmo avaliou. Quando Almagro respaldou sua candidatura, o sr. agradeceu.
Evo: Se a Almagro endossou minha candidatura, por que você está questionando? Te pergunto.

BBC News: Mas eu não estou tomando posição, estou perguntando. É isso que não entende: isso é uma entrevista em que faço perguntas e o sr. responde. São perguntas legítimas. Incomoda que eu pergunte sobre irregularidades, mas em algum momento tem que responder, Morales.
Evo: Quem está livre de cometer erros? Neste debate, você comete erros, eu cometo erros: parte da vida.

BBC News: Então reconhece?
Evo: Outra vez não me deixa falar.

BBC News: Me diga.
Evo: Então, cometemos erros. Eu sempre digo: o ser humano comete erros, nos equivocamos. O mais importante é corrigi-los em tempo hábil. Isso faz parte da ética e da moral que cada ser humano possui. Minha tarefa é como pacificar a Bolívia, como contribuir para ser cidadão. Quero que você saiba: os movimentos sociais, o movimento indígena ou as outras pessoas, só nós podemos detê-los. Eles continuarão lutando contra a ditadura. Pode haver alguma intervenção, mediação das Nações Unidas, outros setores sociais podem participar. Infelizmente, existem grupos que estão usando o equipamento das Forças Armadas e da polícia contra o povo. Eu nunca aceitei isso. Quero que todos saibam: na minha administração, não houve mortos nesta última vez. Eu aguentei o suficiente, apenas para defender a vida. E eu quero que você saiba: a diferença entre Carlos Mesa e Evo foi de 643 mil votos. A pior parte é que esses grupos não respeitam o voto indígena. É algo histórico.

BBC News: Você apoia que os grupos negociem uma saída desta crise?
Evo: Qualquer negociação deve ser para pacificar a Bolívia.

BBC News: No futuro o sr. pensa em voltar a concorrer a outra eleição?
Morales – Isso não depende de mim, depende dos movimentos sociais, depende da Bolívia.

BBC News: Se pedirem, o sr. vai?
Morales – Repito, depende deles. Mas há novos líderes que surgem.

BBC News: O sr. fala da necessidade de paz, mas ao mesmo tempo chama a resistir…
Morales – Em qualquer parte do mundo, diante de um golpe de Estado, todo mundo vai resiste. O que queremos é que se pacifique e se resolva mediante ao diálogo.

BBC News: Tem data para voltar à Bolívia?
Evo: Não tenho. Posso voltar a qualquer momento. Justamente para lutar contra todos os seus seguidores e a você. Vou te combater da Bolívia.