Como o PSL de Bolsonaro se tornou o partido mais rejeitado do Brasil

Um ano após a eleição, Jair Bolsonaro conseguiu levar seu PSL, se não à ruína, certamente à perda de qualquer moral e dos bons costumes. Em 12 meses, foi do paraíso à perdição. De partido mais votado da Câmara dos Deputados, tornou-se uma legenda mais rejeitada pelos eleitores do que seu arquirrival, o PT. Pesquisa inédita do Ibope Inteligência revela que 50% dos brasileiros não votariam no PSL de jeito nenhum. A rejeição ao PT chega a 43%.

Por José Roberto de Toledo

Bolsonaro

Os sete pontos percentuais a menos podem parecer pouco, mas equivalem a 10 milhões de eleitores. O potencial de voto encontrado pelo Ibope Inteligência indica que, se as eleições municipais fossem hoje e não daqui a um ano, um candidato ao legislativo municipal pelo PT teria mais vantagem do que um do PSL – algo difícil de imaginar um ano atrás, quando Bolsonaro derrotou Fernando Haddad e se elegeu presidente.

Quando estava no paraíso, o PSL chegou a ser descrito como o embrião do primeiro partido popular de direita da história recente do Brasil. Recebera 11,6 milhões de votos para deputado federal na eleição de 2018 e conquistara 52 cadeiras, a segunda maior bancada da Câmara. Na perdição, o PSL é chamado de laranjal – pelo uso e abuso de candidaturas laranjas –, serve de ringue para uma luta por dinheiro e poder entre a família Bolsonaro e Luciano Bivar (presidente e fundador do partido), e, esta semana, foi comparado pela sua maior estrela a um bando de “hienas” – que, junto com o PT, a CUT e o Supremo Tribunal Federal, estariam acossando o presidente da República, que se autorrepresentou como um leão solitário.

O vídeo foi publicado nas mídias sociais e depois tirado do ar pelo próprio Bolsonaro, que se disse arrependido do gesto em mensagem enviada a Dias Toffoli, presidente do Supremo. O ato de contrição convenceu pouca gente.

A “hienização” do PSL promovida pelo clã Bolsonaro custou muito caro à organização partidária. Apenas 12% dos eleitores brasileiros votariam hoje com certeza no partido do presidente. É menos da metade dos 27% que declaram que votariam com certeza no PT. As duas siglas se equivalem apenas na taxa dos eleitores indecisos: 27% afirmam que poderiam votar no PT, e 29%, no PSL. O resultado sugere que, embora ainda guarde alguma força eleitoral, dificilmente a bancada de vereadores a ser eleita pelo partido comandado por Bivar chegará perto da bancada petista ou da de outros partidos cuja base municipal tem capilaridade, como o MDB. Há diferenças regionais importantes, porém.

A quebra da pesquisa Ibope por grande região do país demonstra que, no Nordeste, o voto no PT é quatro vezes mais certo do que o no PSL: 42% dos eleitores nordestinos dizem que votariam com certeza no partido de Lula, e só 11% repetem a mesma convicção sobre o voto no partido de Bolsonaro. Para complicar, 62% do eleitorado do Nordeste afirma que não votaria no PSL de jeito nenhum. É um sinal preocupante para Bivar, que tem sua base eleitoral individual em Pernambuco.

A disparidade cai para a metade no Sudeste, todavia. No maior colégio eleitoral do país, 24% declaram voto certo no PT, contra 11% no PSL. Já no Sul, os potenciais eleitorais dos dois partidos se equivalem: 17% votariam com certeza num petista, e 15%, num candidato do PSL. A rejeição ao PT na média dos três estados austrais é maior do que ao PSL: 49% a 43%.

A despeito da expressão de certeza, não se deve levar os resultados da pesquisa ao pé da letra. Não é só porque o eleitor diz que votaria com certeza que ele vai sufragar aquele partido na urna. Deve-se imaginar o resultado mais como um sinal de que o eleitor não tem nada contra a legenda em questão do que como um sinal de apoio incondicional – até porque a pergunta não é igual à situação que o eleitor encontrará na eleição, quando ele fará sua opção por um indivíduo, tanto ou mais do que por um partido.

Prova disso é que, entre eleitores que declaram que votariam com certeza no PSL, um em cada cinco diz a mesma coisa sobre o PT – e um em cada dez eleitores do PT diz o mesmo sobre o PSL. Parte crescente dos eleitores prefere ser uma metamorfose ambulante a ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Nem todo o eleitorado é fã de Raul Seixas e se metamorfoseia assim tão facilmente. Quase dois em cada três eleitores que votariam com certeza no PT não votariam de jeito nenhum no PSL. Do mesmo modo, seis em cada dez eleitores convictos do PSL rejeitam totalmente o PT. O grupo de eleitores que têm certeza de seu voto no PT ou no PSL e rejeitam com veemência votar no partido rival é um terço do eleitorado.

É grande, mas é menor do que a fatia do eleitorado que diz que não votaria de jeito nenhum nem no PT nem no PSL: 39%. Esse é o espaço para a terceira via da esquerda ou do centro ou da centro-direita. Para se tornar uma força política e eleitoral, entretanto, falta-lhe um catalisador como Lula ou Bolsonaro.

Voltando à perdição do PSL, a maior prova de que o partido alugado pelo clã Bolsonaro junto a Bivar não emplacou e dificilmente emplacará como porta-bandeira do bolsonarismo é que a parcela de eleitores que aprovam o governo e votariam com certeza no PSL (26%) equivale à parcela dos que aprovam o governo mas não votariam no PSL de jeito nenhum (27%).

Já o PT mantém, se não a hegemonia da oposição, a simpatia da maioria dos oposicionistas: 42% dos que desaprovam a gestão Bolsonaro votariam num candidato petista com certeza, e outros 28% poderiam votar. Os antibolsonaristas que rejeitam também o PT são 28%.

Nessa história não cabe moral, talvez uma metáfora. Bolsonaro está de saída do PSL (por ora). É o inquilino que não conseguiu tomar a posse do proprietário e, como vingança, vandalizou o imóvel. Não é a primeira instituição que o presidente desvaloriza. Improvável que seja a última.

* José Roberto de Toledo, editor-executivo da piauí (site), foi repórter e colunista da Folha e do Estadão