Um outubro histórico para a América Latina

O último domingo (27) do outubro de 2019 foi de expectativa na América Latina, fechando com chave de ouro um mês que ficará marcado na história.Por Wevergton Brito Lima 

América Latina

A Argentina foi às urnas e deu um rotundo não ao neoliberalismo, derrotando a tentativa de reeleição de Maurício Macri (40,37% dos votos) e elegendo em primeiro turno a chapa Alberto Fernández-Cristina Kirchner (48,10% dos votos), que assumirá a Casa Rosada no dia 10 de dezembro. No Uruguai, Daniel Martinez (da Frente Ampla) foi o mais votado (40%) e parte para o segundo turno (em 24/11) com uma vantagem de 10,4% em relação ao segundo colocado, Luis Lacalle (29,6%). Na Colômbia, que realizou eleições regionais, o grande derrotado foi o “uribismo”.

Tanto na Argentina quanto no Uruguai as candidaturas identificadas com a esquerda sofreram o duro combate da mídia comercial, portanto o feito de chegarem a derrotar os candidatos preferidos do sistema financeiro e midiático é alentador.


Uruguai

No Uruguai, além de a Frente Ampla ter ficado em primeiro, foi derrotada a proposta de uma reforma na política de segurança com clara inspiração bolsonariana/morista: militarização da guarda nacional, permissão para invasão policial de residências durante a noite, impossibilidade de progressão penal, etc. Estas e outras propostas receberam o nome de “Viver sem Medo” e provocaram a criação de um movimento chamado “Articulação Nacional não à Reforma” formado, em grande parte, por coletivos de jovens. Os eleitores uruguaios, além de votarem para presidente e os outros cargos em disputa, deveriam votar sim ou não à reforma e 58,48% disseram não. Pepe Mujica, ex-presidente, foi eleito senador, com a lista da Frente Ampla sendo a mais votada. O Partido Comunista do Uruguai elegeu 2 senadores e três deputados, podendo chegar a 4. Foi a terceira força mais votada da Frente Ampla, ou seja, em 36 listas da FA, a do PC ficou em terceiro.


Argentina

Na Argentina, depois do resultado das PASO (Prévias Amplas, Simultâneas e Obrigatórias) que já apontava a vitória de Fernández, desencadeou-se uma feroz campanha da mídia comercial a favor de Macri e contra a chapa peronista. No entanto, a oposição resistiu aos ataques e venceu no primeiro turno. Macri cresceu em relação à PASO, beneficiado tanto pela guerra midiática quanto pelo voto útil da direita, o que desidratou o partido de centro, Consenso Federal. Para cúmulo da nossa alegria, e tristeza da direita, Fernández posou durante o dia pedindo Lula Livre e em seu discurso da vitória citou novamente o “Lula Livre”. Bolsonaro, que durante a campanha eleitoral argentina interviu por diversas vezes na política interna do país vizinho ao fazer a defesa aberta da reeleição de Macri reclamou, nesta segunda-feira (28), que a menção de Fernández a Lula foi um “ataque à justiça brasileira”, e disse que não irá cumprimentar o presidente eleito, uma praxe entre países amigos.


Colômbia

O “guerrilheiro trovador”, eleito prefeito em Turbaco pela Colômbia Humana-União Patriótica

Na Colômbia, Iván Duque, aliado do ex-presidente de extrema-direita, Álvaro Uribe, saiu bastante enfraquecido das urnas, nas eleições regionais. O partido uribista, Centro Democrático, foi derrotado nas duas principais cidades do país, Bogotá e Medellín. Entre 32 governos em disputa, o Centro Democrático só elegeu dois. Álvaro Uribe reconheceu a derrota em sua conta do twitter: “Perdemos, reconheço a derrota com humildade. A luta pela democracia não tem fim”. Em Bogotá a oposição conquistou a prefeitura, com a ex-senadora de centro-esquerda Cláudia Lopes, lésbica assumida, eleita pela Aliança Verde, que ocupará agora o segundo cargo em importância política no país. Em Turbaco venceu Guillermo Enrique Torres Cueter, também conhecido como Julián Conrado, ex-guerrilheiro das Farc-EP que concorreu pela aliança Colômbia Humana-União Patriótica. Conrado é famoso autor de várias canções revolucionárias muito apreciadas pelos guerrilheiros. A Farc (Força Alternativa Revolucionária do Comum), partido político surgido após os acordos de paz, participou pela primeira vez das eleições regionais, ainda sobre ataque das forças paramilitares ligadas ao narcotráfico e à direita, que vitimam quase que diariamente diversos ex-guerrilheiros, com a cumplicidade do governo Iván Duque. Mesmo assim, a jovem organização registrou 308 candidatos (destes, 101 ex-combatentes) em 23 departamentos e 85 municípios. No município de Guapi o candidato apoiado pela Farc foi eleito e o partido ainda elegeu vereadores em Bogotá.

Outubro Vermelho

Outubro começou com a República Popular da China comemorando os 70 anos da revolução que transformou o país em uma potência econômica mundial. E logo no início deste mês o povo equatoriano levantou-se contra as medidas neoliberais do presidente trânsfuga Lênin Moreno que, acuado, fugiu da capital e revogou – mesmo que temporariamente – as medidas anti-povo. Depois foi a vez do Chile – o decantado paraíso neoliberal – entrar em estado de rebelião, fazendo o governo, primeiro declarar guerra, depois pedir desculpas e fazer promessas de mudar de rumo, inclusive demitindo parte do primeiro escalão. No dia 21 vimos Benjamin Netanyahu ser forçado a renunciar à tarefa de formar um novo governo em Israel. Evo Morales é eleito em primeiro turno na Bolívia. Neste último domingo (27), Fernández vence em primeiro turno na Argentina, a Frente Ampla (Daniel Martinez) vai ao segundo turno com importante vantagem no Uruguai, e nos EUA, Donald Trump é vaiado por todo um estádio de futebol que, em coro, pede sua prisão (lock him up – vídeo ao fim).

Em outubro, mais uma vez, as rodas da história movem-se, quem sabe se pegando impulso para uma nova arrancada.