Acordo de Alcântara não fere soberania e é promissor, afirma PCdoB

A aprovação na Câmara dos Deputados do Decreto Legislativo do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) entre o Brasil e os Estados Unidos para o uso da Base de Alcântara, no Maranhão, descortina a possibilidade de retomada do projeto aeroespacial brasileiro e não fere a soberania nacional. Essa é a síntese do pronunciamento do deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA), que em nome da bancada do PCdoB encaminhou o voto favorável à matéria, na sessão da Câmara realizada na terça-feira (22).

Marcio Jerry

Jerry contraditou interpretações e opiniões que considera errôneas sobre o Acordo. E manteve a análise multilateral, na linha de coerência com sua colega de bancada, deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que na fase anterior da tramitação, na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional ( CREDN), apresentou o voto em separado do Partido favorável à matéria, com ressalvas. Inclusive com um Projeto de Decreto Legislativo “com cláusulas interpretativas” que repelia partes negativas do Acordo.

Outro argumento relevante é o do governador maranhense Flávio Dino (PCdoB). “ Li e reli e asseguro que não viola a soberania nacional”, disse ele, que no decorrer do debate sobre Alcântara, por reiteradas vezes, se posicionou claramente sobre o projeto. “Posso assegurar com toda seriedade que ele não viola a soberania nacional”, garantiu o governador ao programa Painel Haddad, numa entrevista ao ex-presidenciável Fernando Haddad.

O governador explicou que o Acordo em si é o instrumento que apenas viabiliza a exploração comercial da Base e não oferece riscos à soberania nacional, que deve ser defendida pelo presidente da República. “Amanhã podemos ter um governo que viola o acordo? Infelizmente sim. Pode ter um governo que vá além do Acordo e imagine que a administração de Alcântara deve passar para outro país? Claro que infelizmente pode acontecer, mas isso depende do que as urnas decidirem em cada pleito presidencial”, esclareceu.

Flávio Dino lembrou que o Brasil já tentou viabilizar o uso da Base de Alcântara de diversas formas, desde um programa aéreo espacial próprio, encerrado em 2003 após uma explosão, até um acordo com a Ucrânia, que também não foi adiante. “O portfólio de alternativas foi percorrido e lamentavelmente não obtivemos êxito, então essa é mais uma tentativa e que eu espero que seja exitosa, e que empresas não só dos Estados Unidos, mas de todos os países do mundo utilizem a Base de Alcântara porque isso é importante para o nosso estado e para o Brasil”, completou.

Na sessão da Câmara dos Deputados, Márcio Jerry disse que o Acordo não é do governo do presidente Jair Bolsonaro, uma tratativa entre ele e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. É um acordo de duas nações, que remonta a diálogos diplomáticos iniciados em governos anteriores. O deputado enfatizou também que o atual governo passa logo, mas o Estado permanece. E o presidente Bolsonaro não está à altura do relevante cargo de presidente da República.

O deputado maranhense falou também sobre a soberania nacional, um segundo aspecto do debate, destacando que nenhum outro partido defende essa questão mais do que o PCdoB. É a história dos comunistas, “de vinculação orgânica, dedicada, apaixonada, à pátria”, com “quase cem anos dessa história”, reforçou. Essa condição, afirmou, foi decisiva para o voto da bancada do PCdoB a favor do Acordo, “de maneira muito tranquila, muito convicta”.

Para Márcio Jerry, o Acordo preserva a soberania nacional; é falso, como dizem alguns, que ele instituirá um enclave estadunidense no território brasileiro, porque tem caráter civil e segue uma prática internacional. Não bloqueia a autonomia e o desenvolvimento do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE). O deputado explicou que esses acordos são realizados objetivando estabelecer compromissos mútuos de proteger tecnologias e patentes das partes contra o uso ou a cópia não autorizadas nos lançamentos comerciais. Há acordos deste tipo, por exemplo, dos Estados Unidos com a Rússia, com a China e outros países, explicou.

Outra coisa, um terceiro aspecto, lembrou Márcio Jerry, diz respeito ao desenvolvimento da política aeroespacial brasileira, uma dimensão estratégica fundamental, indispensável à soberania de qualquer nação. O Brasil precisa retomar o tempo perdido e encontrar o caminho de sua política nesta área estratégica. E não há como fazer isso sem alguma iniciativa que viabilize o uso da Base de Alcântara.

Ao se fazer isso, é necessário ter em conta que as operações aeroespaciais em todo o planeta precisam de componentes produzidos nos Estados Unidos, que controlam 80% desse mercado. É isso que o Acordo possibilita, constatou Márcio Jerry. Ele permite a utilização do Centro de Alcântara para operações não ao apenas governo dos Estados Unidos, como erraticamente às vezes se fala, mas a empresas de diferentes países do mundo.

Um quarto aspecto, segundo o deputado caro ao PCdoB, é o debate sobre as comunidades quilombolas. De acordo com o deputado, muitas coisas ditas a respeito não correspondem à realidade. Não consta do Acordo o remanejamento de famílias. Tampouco ampliação do perímetro do Centro Espacial. Segundo Márcio Jerry, se houver ações nesse sentido serão totalmente à margem do Acordo e deverão ser rechaçadas.

Falando à TV 247, Márcio Jerry disse que o Brasil não pode ancorar a possibilidade que se abre para um país com a sua importância estratégica em um elemento de conjuntura – no caso o governo Bolsonaro. “É preciso enxergar além dessa conjuntura adversa que estamos atravessando, com um governo que tem a marca da subalternidade, de vassalagem”, disse ele.

O determinante é que o país precisa impulsionar sua política aeroespacial e entrar nesse mercado mundial, fortalecendo o desenvolvimento nacional. Para o deputado, a Base da Alcântara é um ativo importante que precisa servir também às melhorias das condições de vida do povo local.

Debate na CREDN e o voto da deputada Perpétua Almeida

Márcio Jerry lembrou o voto em separado do PCdoB apresentado pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional CREDN), na fase que precedeu a votação Plenário. Segundo ele, a posição favorável está muito bem fundamentada e serve como fonte para uma compreensão mais aprofundada do tema.

No voto, a deputada comunista, também com um posicionamento crítico e argumentação multilateral, ressaltou que o Brasil, com sua vocação histórica para ser uma nação de destaque e se afirmar no cenário internacional como um parceiro respeitado, deve se desenvolver tecnologicamente de forma autônoma em todos os campos da ciência moderna. “O país conta com um nível de desenvolvimento médio e tem um enorme potencial para avançar”, afirma.

Isso inclui, segundo Perpétua, o grande desafio de dominar do ciclo completo da ciência espacial, que vai da capacidade de projetar e construir foguetes lançadores à fabricação de satélites. “O domínio completo da ciência espacial como política de Estado exige decisões de natureza estratégicas de longo prazo, e que terá de ser executado de forma continuada ao longo de vários governos”.

Ainda segundo ela, a exploração comercial do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), embora importante, não é suficiente para relançar o Programa Espacial Brasileiro – PEB. É necessária uma política de estado e injeção continuada de recursos do Tesouro Nacional.

É importante enfatizar, disse a deputada Perpétua, que o Acordo apenas abre as portas para a operação da Base de Alcântara. Com ela em funcionamento na sua plena capacidade, surge a potencialidade de outras iniciativas, como mais acordos de lançamentos com outros países e o projeto de construção de um polo de tecnologia em suas imediações.

A deputada acreana do PCdoB chama atenção para uma questão importante: se a qualquer momento no curso da aplicação do Acordo houver prejuízos ao país, à sua soberania, ele deve ser denunciado, ou seja, extinto.