Crise racha o PSL e esfacela a base de Bolsonaro no Congresso 

A crise no PSL extrapolou nesta quinta-feira (17) as barreiras do partido e atingiu a articulação política do governo Jair Bolsonaro no Congresso Nacional. Em meio ao clima de beligerância no PSL, o presidente sofreu derrotas em série, foi chamado de “vagabundo” pelo líder do partido na Câmara, deputado Delegado Waldir (GO), e, em um contragolpe, decidiu tirar a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança do governo no Congresso.

Bolsonaro

Na Câmara e no Senado, porém, a avaliação é a de que o racha entre Bolsonaro e o presidente nacional do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), tem potencial para respingar na agenda do governo no Legislativo. Para líderes partidários, ainda não é possível dimensionar o tamanho do impacto na interlocução do Planalto com o Congresso, mas o sentimento geral é de que, com a nova mudança nos quadros da articulação política, o governo terá de reconstruir o diálogo com deputados e senadores.

Nesta quinta, Bolsonaro decidiu tirar Joice da liderança do governo no Congresso após ter sofrido dois importantes reveses. A Secretaria-Geral da Mesa da Câmara confirmou a permanência do Delegado Waldir na liderança do PSL na Casa, embora o presidente tenha atuado pessoalmente para colocar seu filho Eduardo Bolsonaro (SP) no posto. A manobra do presidente teve como pano de fundo não só o racha interno no PSL, mas as indicações do Senado de que, hoje, Eduardo dificilmente teria seu nome aprovado para ser embaixador do Brasil em Washington.

Alçar o filho à liderança do PSL na Câmara seria um movimento para evitar mais uma derrota pessoal de Bolsonaro. No fim do dia, o Planalto suspendeu a indicação de Eduardo ao posto. Além disso, Eduardo também perderá o comando do PSL em São Paulo. Bivar decidiu destituir ele e o senador Flávio Bolsonaro de seus postos na sigla – o filho mais velho do presidente deve perder a chefia do PSL no Rio. Outra aliada de Bolsonaro, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) também será removida da presidência do partido no Distrito Federal.

O substituto de Joice na liderança do governo no Congresso será o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), que, embora seja considerado habilidoso politicamente, assumirá a função com a casa desarrumada, avaliam os líderes partidários. Ele foi deputado por três mandatos consecutivos e passou por partidos como PSDB, PSB e Solidariedade. Deputados e senadores lembram que ainda não enxergam no general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, o papel de intermediário entre as demandas dos congressistas e o Planalto.

Nesse cenário, dizem, a chegada de um novo articulador pode fazer com que as conversas políticas voltem à estaca zero. Deputada de primeiro mandato, Joice disse que ficou sabendo pela imprensa que Bolsonaro a retirou do cargo de líder do governo no Congresso. “Ninguém teve a dignidade de vir falar comigo e me avisar”, afirmou a parlamentar.

“Eu ganho uma carta de alforria. Graças a Deus!”, disse ela à colunista Mônica Bergamo. “Passei esse tempo todo servindo ao governo de forma leal. Inclusive deixando de cuidar do meu mandato para gerir crises e apagar incêndios. Abri mão da minha família”, disse. “Em alguns momentos, tive que engolir sapo para defender coisas com que eu não concordo.”

Joice atribuiu a sua retirada do posto ao seu apoio à permanência do Delegado Waldir na liderança do PSL. Segundo ela, a “manobra” para colocar o deputado Eduardo Bolsonaro no lugar de Waldir “é uma loucura porque ele [Eduardo] é desagregador. Mas quando o governo quer dar tiro no pé, fazer o quê?”. Agora, conforme as palavras de um colega, Joice terá de “experimentar pela primeira vez a planície”, sem cargos de assessoria e regalias que tinha no posto.

O fato de Bolsonaro ter entrado em campo para fazer do filho Eduardo líder da sigla na Câmara e ter perdido a primeira batalha foi visto como erro crasso. “Se ele entra, tem que entrar para matar”, explica um dirigente da centro-direita. Já a sequência de gravações ocultas maculou a agremiação toda, classificada como um aglomerado de “gente inconfiável, sem palavra, sem ética nem lealdade”.

O presidente chamou de “desonestidade” uma gravação atribuída a ele de conversas com parlamentares do PSL sobre a troca do líder do partido na Câmara. “Não trato publicamente sobre este assunto. Eu converso individualmente. Se alguém entrou, grampeou telefone, primeiro é uma desonestidade”, afirmou Bolsonaro. Ele usou o termo “grampo” numa referência ao áudio de uma conversa dele com um deputado possivelmente gravada pelo interlocutor.

Mais tarde, houve vazamento de áudio do líder do partido na Câmara, deputado Delegado Waldir. “Não tem conversa, eu implodo o presidente, cabô, cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo, cara”, afirmou Waldir em gravação feita no dia anterior, revelada pelo site R7 e obtida pela Folha. Depois, ele recuou e disse apoiar o presidente: “Isso já passou. Nós somos Bolsonaro.”

No fim do dia, a ala do PSL ligada a Bolsonaro começou a atuar para atrair apoiadores de Bivar. A estratégia foi anunciada pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). De acordo com ele, novas listas para depor Waldir e substituí-lo por Eduardo Bolsonaro já estão disponíveis para os deputados que quiserem assinar. “Não vamos encarar como qualquer tipo de derrota, como foi tratado aqui, ou de modificação, mas simplesmente uma reavaliação política”, afirmou o parlamentar.

Nesta quinta, a Secretaria-Geral da Mesa da Câmara reportou o resultado de sua análise das listas. O PSL tem 53 deputados. Na noite de quarta, a ala bolsonarista entregou uma lista com 27 assinaturas para tirar o deputado Delegado Waldir do comando da bancada. Pouco depois, a ala bivarista apresentou sua própria lista, com 31 deputados. Os aliados de Bolsonaro apresentaram de novo outra lista, com 27 nomes. Segundo a Secretaria-Geral, das 27 assinaturas da primeira lista, 26 conferiram. Na lista dos apoiadores de Waldir, dos 31 nomes, 29 foram confirmados. E da terceira, dos 27 nomes, 24 conferiram – a assinatura é comparada com o cartão de assinatura do deputado.

“O processo não acabou ainda. E tenho certeza de que, no final, nós vamos conseguir colocar uma liderança que seja mais alinhada com o governo, que seja mais séria, mais equilibrada, e que mantenha um clima dentro do PSL, ainda que se mantenham as disputas partidárias, mas um clima que consiga trazer possibilidades maiores de o governo avançar com suas pautas”, afirmou Vitor Hugo.