Presidente do Instituto do Direito defende Lei contra Abuso

A recém-aprovada lei para coibir o abuso de autoridade recebe elogios do advogado criminalista Hugo Leonardo, 38, novo presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa). Para ele, o argumento de que se trata de uma reação à Operação Lava Jato é falso. “A Lava Jato ocupa um papel muito limitado perto da grandeza que é a malha penal”, diz ele, citando o fato de que a lei será um instrumento contra a violência policial e abusos de agentes estatais.

Hugo Leonardo (IDDD)

Pelos próximos três anos, Leonardo estará à frente de uma instituição criada há 20 anos por grandes nomes do Direito como Márcio Thomaz Bastos, José Carlos Dias e Arnaldo Malheiros Filho, com o objetivo de garantir acesso à defesa de qualidade no país. Hoje com 300 integrantes – entre eles a nata da advocacia criminal do país –, o IDDD se tornou um influente grupo de pressão contra o que é visto como a cultura punitivista no País.

Graduado em Direito pelo Mackenzie e em História pela USP, com pós-graduação em Direito Penal pela FGV, Leonardo integra o Conselho de Prerrogativas da OAB-SP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, além de produtor-executivo do documentário Sem Pena. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele defende um Direito Penal restrito e afirma que o pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça) trará o caos penitenciário.

Leia trechos da entrevista.

Folha de S.Paulo: Qual sua avaliação da nova lei sobre abuso de autoridade?
Hugo Leonardo: Temos uma crítica muito grande sobre o aumento dos tipos penais. No entanto, a lei era muito antiga, incipiente para a complexidade do sistema de Justiça criminal que temos hoje e precisava de reformulação. A lei aprovada é boa, tecnicamente adequada, com tipos penais fechados, penas proporcionais e atende a uma demanda recorrente. Nós temos muitos abusos. Temos uma polícia muitas vezes violenta, agentes estatais que cometem abusos graves.

Folha: Há uma avaliação de que ela é parte de um movimento contra a Lava Jato. Qual sua opinião?
HL: A Lava Jato ocupa um papel muito limitado perto da grandeza que é a malha penal. Vivemos uma época de fetichismo do direito penal. Essa espetacularização dos crimes, das operações policiais, discursos de governantes por um recrudescimento penal irresponsável, tudo isso insufla as pessoas a debater o assunto de forma não técnica. Hoje, o direito penal é a principal ferramenta de exclusão social no país. Só opera quando o tecido social já se esgarçou. Temos que ter um direito penal reduzido, mínimo. Um país com direito penal menor é um país com mais civilidade.

Folha: Qual sua avaliação da Lava Jato? É preciso correção de rota?
HL: A Lava Jato imprimiu um trabalho muito adequado, muito bom. Agiu de forma célere, descobriu situações que o Estado deveria coibir. Isso é inegável. Mas, como todo processo criminal, é natural que haja correção de rumo. É natural tribunais ajustarem decisões, anularem processos. Uma boa Justiça não é a que condena, é a que traz decisões com qualidade.

Folha: Quais serão os temas prioritários da sua gestão no IDDD?
HL: O primeiro é a gente contribuir para que o processo penal no Brasil opere de forma mais transparente. Para que as provas sejam colhidas de forma lícita, que a polícia trabalhe nos trilhos da legalidade. E o segundo ponto passa por comunicar o que significa a Justiça criminal. Ficarei satisfeito se daqui a três anos estivermos aqui fazendo um diagnóstico de que as pessoas não estão utilizando o direito penal para insuflar a cisão social.

Folha: O IDDD é contra a prisão após julgamento pela segunda instância. O cidadão acusado de um crime, condenado por um juiz que analisou as provas e depois por um colegiado, não está com sua culpa estabelecida? Por que não prendê-lo?
HL: O IDDD defende o que está na Constituição. O uso da prisão no Brasil é absolutamente ilegal e inconstitucional. Vivemos uma cultura punitivista, em que a prisão é a regra. Se fôssemos um país que respeitasse as leis, a Constituição e as decisões dos tribunais superiores, teríamos maior possibilidade de garantir que uma decisão tomada em graus mais baixos afirmaria a culpa de um sujeito. O problema é que os tribunais não respeitam nem súmulas vinculantes. Quem paga um dia de prisão indevidamente? Como se repara um mês, seis meses, um ano de prisão injusta?

Folha: Uma crítica comum de procuradores é que advogados preferem procurar nulidades processuais a defender o cliente no mérito. Ela é válida?
HL: A forma eficaz de resolver esse problema é não cometer erros. É só cumprir a lei. Tratar um processo como se deve e respeitar garantias individuais. Se isso ocorrer, nenhum tribunal superior conseguirá colocar reparo. Não é um problema dos advogados, é das autoridades que têm as suas decisões reformadas. Elas precisam agir melhor.

Folha: O sr. vê os direitos fundamentais sob ameaça no governo Bolsonaro?
HL: Governos que tendem a discursos autoritários atacam em primeiro lugar direitos e garantias individuais. Atacam aquilo que dá estabilidade democrática a um país – as leis vigentes e a Constituição. Quando temos governantes que entoam esse discurso, temos um recrudescimento no debate parlamentar e social. Não é só aquilo que se implementa de política, é o discurso que os governantes dão ao guarda da esquina. Os números de violência policial, principalmente no Rio, são assustadores.

Folha: Os advogados deveriam se colocar mais no debate político?
HL: Quando a advocacia criminal começa a operar para além dos seus casos, preocupada com o discurso político radicalizado, é um mau sinal. É um sintoma de que as regras do jogo não estão sendo respeitadas. De um tempo para cá, e com os discursos de alguns governantes, isso se acirrou. Isso tem nos preocupado com sobremaneira.

Folha: O que o sr. acha do combate às fake news? E como evitar que isso gere censura?
HL: Sou um defensor da liberdade de expressão em absoluto. Me parece que as redes sociais impuseram uma velocidade de difusão de informação com a qual o Estado brasileiro não está muito preparado para lidar.

Folha: Como o sr. vê os diálogos vazados de Deltan e Moro? Houve comprometimento da postura do então juiz?
HL: A Lava Jato hoje tem muito interesse, mas a questão é maior. Fizemos uma pesquisa sobre audiência de custódia, porta de entrada do sistema de Justiça criminal. Quando o Ministério Público pede a decretação da prisão preventiva, em 85% das vezes é atendido. Quando a defesa pede liberdade provisória com cautelar, em 15% das vezes é atendida. Esses números mostram que não há paridade de armas no processo penal brasileiro.

Folha: Qual sua avaliação do pacote do Moro? Algo o agrada?
HL: Quase nada. É um pacote que não fala de melhorar a qualidade da investigação, que não fala que as polícias possam investigar melhor, que não foi debatido antes de ser apresentado. É um pacote que traz um recrudescimento penal, que só demonstra que vai haver um agravamento do caos penitenciário que nós vivemos e da violação aos direitos e garantias individuais.