O insulto como estratégia política

Em 2019 o insulto parece ter se tornado parte da forma de governar o Brasil. A injúria mais recente lançada pelo chefe do Executivo brasileiro Jair Bolsonaro foi direcionado à alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos humanos, Michelle Bachelet, exclamando que a comissária defende “direitos de vagabundos”.

Por Matheus Ribeiro Pereira* e Eduardo Barbabela**

Bolsonaro Sinistro Foto Igo Estrela Estadão Conteúdo

Bolsonaro expressou esta opinião ao ser questionado sobre a entrevista dada por Bachelet em Genebra, na qual ela afirma que a violência policial no Brasil atinge mais as pessoas negras que moram em favelas [1].

O caso Bachelet não é o primeiro e nem será o último episódio de respostas polêmicas de Jair Bolsonaro que repercutem negativamente. Antes do ataque à comissária da ONU, houve a polêmica com o governo francês, na qual Bolsonaro ofendeu Brigitte Macron, primeira dama francesa, criticando sua estética. O insulto foi, inclusive, reforçado pelo ministro da economia Paulo Guedes que afirmou: “O presidente falou mesmo, e a mulher (do Macron) é feia mesmo” [2].

Insultar opositores ou responder de forma polêmica são práticas recorrentes do presidente desde antes da eleição de 2018. Em 2003, por exemplo, o então deputado federal Jair Bolsonaro em discussão com a também deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), afirmou que não a estupraria porque ela não merecia [3]. Em 2014, Bolsonaro repetiu sua fala misógina, dessa vez em discurso na Câmara dos Deputados.

Não apenas as mulheres são alvos das ofensas de Bolsonaro. No ano de 2011, em entrevista dada à revista Playboy, Bolsonaro declarou que “seria incapaz de amar um filho homossexual” preferindo inclusive que ele morresse num acidente do que aparecesse com um outro homem [4]. Em 2017, já como pré-candidato à Presidência, Bolsonaro proferiu ofensas de cunho racista durante palestra para cerca de 300 pessoas no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, afirmando que o “afrodescendente mais leve” do quilombo que visitara “pesava sete arrobas” e “nem para procriador ele serve mais” [5].

Essa tática se manteve durante a campanha presidencial. De acordo com a ferramenta GPS Eleitoral, da Folha de São Paulo, o principal conteúdo veiculado por Bolsonaro durante o segundo turno foram críticas a seus adversários, enquanto Fernando Haddad (PT) focou em sua proposta de retirar o nome de pessoas do Serasa e do SPC [6]. E se havia a crença de que após a eleição o discurso se normalizaria, o infográfico produzido pelo O Globo[1] demonstrou o contrário: durante os oito primeiros meses de mandato, foram registradas 58 frases de Jair Bolsonaro com ofensas ditas em entrevistas e discursos, ou publicadas nas redes sociais [7]. Dentre as frases destacadas pelo site estão: “Daqueles governadores de […] ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada com esse cara” utilizada para falar sobre o povo nordestino e o governador do Maranhão pelo PCdoB, Flávio Dino; “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay. Temos famílias”, ao falar da comunidade LGBTI; “Não existe essa coisa de ideologia de gênero. Isso é coisa do capeta. O governo do Distrito Federal não vai aceitar isso no ensino”, citada ao falar do tema gênero, durante a Marcha para Jesus organizada pelo Conselho de Pastores Evangélicos do Distrito Federal (COPEV/DF); “Errado, cérebro mofado!”, ao responder um jornalista da Joven Pan que o criticava no twitter; “Aqui, o Greenwald é jornalista? Ah tá, o Greenwald é jornalista? Ele é jornalista? Ele é militante. Eles já acharam 100 mil reais com gente deles lá”, ao falar sobre o jornalista responsável por divulgar conversas atribuídas ao ministro da Justiça, Sergio Moro, e de integrantes da Operação Lava-Jato.

Como Bernardo Mello Franco destaca, “Bolsonaro é um veterano da indústria do ódio”, sempre apostando no radicalismo e no discurso sectário que o ajudaram a chegar à presidência. E, apesar de a velha política torcer o nariz para esse tipo de atitude, seus seguidores estão dispostos “a fechar os olhos para todas as trapalhadas do governo, desde que seu líder continue a esbravejar contra o comunismo” [9]. Ou seja, mesmo que os escândalos visivelmente desgastem o governo e o presidente, não apenas no contexto doméstico como também em âmbito internacional, a estratégia de Bolsonaro permanece a mesma, com os apoiadores fiéis seguindo, enquanto o enfrentamento da esquerda persistir. Essa postura é respaldada por seu grupo político. Por exemplo, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que essa é a “natureza do presidente” e ainda explicou que não se deve esperar dele frases filosóficas, pois ele é um cara simples e direto e vai se expressar com a “linguagem dele” [10].

O filósofo alemão Arthur Schopenhauer reconhecia o insulto como estratégia necessária em determinadas situações, principalmente quando havia a impossibilidade de se contrapor ao outro ou ao verdadeiro [8]. Ele só não imaginava que esse mesmo insulto pudesse ser alçado à condição de modo de comunicação política de um governo democraticamente eleito.

[1] Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/09/04/apos-bachelet-criticar-violencia-policial-no-brasil-bolsonaro-diz-que-chilena-defende-direito-de-vagabundos.ghtml

[2] Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-presidente-falou-mesmo-e-a-mulher-do-macron-e-feia-mesmo-diz-guedes,70002998375

[3] Disponível em: https://istoe.com.br/395929_NAO+ESTUPRO+PORQUE+VOCE+NAO+MERECE+DIZ+BOLSONARO+A+MARIA+DO+ROSARIO/

[4] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/veja-11-frases-polemicas-de-bolsonaro.shtml

[5] Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/bolsonaro-quilombola-nao-serve-nem-para-procriar/

[6] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/lula-some-de-campanha-de-haddad-no-2o-turno-bolsonaro-ataca-pt.shtml

[7] Disponível em: https://infograficos.oglobo.globo.com/brasil/os-insultos-de-jair-bolsonaro.html

[8] A. Schopenhauer, L’arte di ottenere ragione, p. 64 In Um Alfabeto de Insolências de Franco Volpi, 2003.

[9] Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/trump-bolsonaro-e-estrategia-do-insulto.html

[10] Disponível em: https://www.conversaafiada.com.br/politica/mourao-nao-esperem-que-bolsonaro-fale-sobre-filosofia

[1] Acessado no dia 22 de setembro de 2019