Noam Chomsky: Oposição no Brasil precisa abraçar a pauta ambiental 

A crise na Amazônia – que abalou ainda mais a imagem do governo Jair Bolsonaro (PSL) – tem de ser ponto de inflexão para a oposição brasileira. A opinião é do linguista norte-americano Noam Chomsky, que, aos 90 anos, está novamente em visita ao País e concedeu entrevista à Folha de S.Paulo. Segundo Chomsky, a esquerda de vários países abraçou o combate à mudança climática e a defesa do meio ambiente como formas de fazer oposição a líderes populistas de direita – mas não no Brasil. Confira.

Noam Chomsky

Folha de S.Paulo: Como o senhor vê a estratégia de comunicação de Bolsonaro? 
Noam Chomsky: Sua retórica é muito atraente para parte da população. Isso está ocorrendo no mundo todo. Nos EUA, [Donald] Trump é muito eficiente, sabe como deixar as multidões inflamadas e direcionar o ódio e o ressentimento das pessoas para bodes expiatórios. Bolsonaro faz o mesmo. As políticas socioeconômicas adotadas nas últimas gerações, principalmente na era neoliberal, foram muito prejudiciais à grande maioria da população.

Nos EUA, houve crescimento, mas os salários reais dos americanos estão abaixo do que eram nos anos 1970. A concentração de riqueza tem um efeito imediato sobre o sistema político – uma das razões para o declínio da democracia na Europa e outros lugares. Como resultado, os partidos social-democratas na Alemanha quase desapareceram, o Partido Socialista na França desapareceu, e legendas marginais agora são influentes.

Nos EUA, desde os democratas clintonianos, o partido vem se afastando da classe trabalhadora. O fato mais importante da eleição presidencial de 2016 foi o colapso de ambos os partidos – Bernie Sanders saiu do nada, não tinha recursos, a mídia o odiava, e quase ganhou a indicação. O Partido Republicano foi dominado por alguém que o establishment detestava. Estamos vendo o colapso das instituições de centro, por causa de raiva e ressentimento, que são explorados por demagogos como Trump, Bolsonaro, Matteo Salvini, Viktor Orbán.

Mas há movimentos de resistência muito promissores. Na Europa, o DiEM25 [Movimento Democracia na Europa em 2025, para combater a mudança climática e gerar empregos] e o Extinction Rebellion [grupo internacional para evitar a extinção em massa devido às mudanças climáticas] tiveram muitas conquistas. Nos EUA, há uma guinada para a esquerda entre os democratas. O Movimento Sunrise tem jovens que pressionam o Congresso, com muito ativismo direto, e que conseguiram algo inimaginável há alguns anos – fazer o Green New Deal entrar na agenda.

Do outro lado, temos o que Steve Bannon articulou de forma clara, um esforço para criar uma Internacional Reacionária liderada pela Casa Branca, e que inclui gente como as ditaduras do Golfo, como a Arábia Saudita, o país mais reacionário do mundo, Egito sob a ditadura de Abdul Fatah al-Sisi, Israel que migrou para a extrema direita, [Narendra] Modi na Índia, Bolsonaro, Orbán, Salvini e Nigel Farage [defensor do brexit].

FSP: Alguns argumentam que, se o Partido Democrata migrar demasiadamente para a esquerda, pode perder votos dos moderados… 
NC: Sim, pode. Programas mais progressistas podem afastar alguns eleitores mais ricos e conservadores, e a mídia vai atacar sem trégua esses programas. Aliás, não me surpreenderia se a eleição americana de 2020 for muito parecida com a brasileira de 2018, com onda massiva de propaganda enganosa transmitida em redes sociais. No Brasil foi absolutamente chocante, acho que nos EUA não chegaria a esse nível. Uso de dados e microdirecionamento, tudo isso será usado. Pode ser mais refinado nas próximas eleições, mas é muito tentador para ser ignorado pelos partidos.

FSP: A esquerda no Brasil está fragmentada e sem uma liderança clara. O que deveria fazer para se reorganizar? 
NC: O PT está desacreditado devido às acusações graves de corrupção, que têm base, afinal de contas. Se Lula pudesse reaparecer, seria o tipo de pessoa que conseguiria reconstruir uma esquerda ativa e forte. Mas, durante a campanha do ano passado, que ele poderia ganhar, silenciaram-no com uma pena que, mesmo que se acredite nas acusações contra ele, são, no mínimo, dúbias.

Ele não podia nem fazer pronunciamentos, ou dar entrevistas – não fazem isso nem com assassinos condenados. Era uma maneira de garantir que uma campanha incrivelmente forte em redes sociais colocasse uma figura de direita no poder. Minha impressão é que a esquerda brasileira está completamente desordenada, há muita apatia, as pessoas estão apenas assistindo a tudo que está acontecendo, pensando “não podemos fazer nada então vamos esperar passar”.

FSP: Que tipo de autocrítica a esquerda no Brasil deveria fazer? 
NC: Especificamente em relação ao PT, o partido deveria refletir sobre seus erros, porque se juntou à cultura generalizada de corrupção no país. Eles não inventaram essa cultura. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso devia ser até pior, mas juntar-se a essa cultura foi um erro enorme. Eles também não conseguiram fazer com que os beneficiários dos programas sociais, como o Bolsa Família, entendessem que o partido era responsável por essas políticas.

FSP: O senhor vê oposição eficaz a líderes populistas de direita no mundo? 
NC: Sim, em muitos países. Nos Estados Unidos, a migração dos integrantes mais jovens do Partido Democrata para posições do [Green] New Deal, de democracia social. Bernie Sanders é uma das figuras políticas mais populares no país, assim como Elizabeth Warren.

Na Europa, a mesma coisa. Já o Brasil ainda não desenvolveu uma oposição [a Bolsonaro]. Talvez agora, no contexto de duras críticas internacionais à destruição da Amazônia, isso surja. Talvez a partir disso surja a oposição real que deveria estar sendo feita. É preciso que a crise na Amazônia funcione como um ponto de inflexão para a oposição. Se a crise na Amazônia continuar, o mundo inteiro vai sofrer.

Estamos chegando a um ponto em que os danos ambientais são irreversíveis. Se passar disso, será o fim da vida humana organizada no planeta. E temos gente como Trump e Bolsonaro negando que exista aquecimento global e adotando políticas que o exacerbam. Para mim, eles são os maiores criminosos da história. Hitler queria matar todos os judeus, mas essas pessoas estão dizendo: “Vamos matar toda a sociedade, destruir tudo e ter lucros”.