Grupos bolsonaristas no Whatsapp estão cada vez mais radicais

Desde março de 2018, venho observando grupos pró-Bolsonaro no WhatsApp que foram fundamentais na disseminação de desinformação durante as eleições de 2018. Desde o final do pleito, muitos usuários saíram desses grupos porque sentiram que cumpriram seu objetivo principal: eleger Jair Bolsonaro. Porém, vários grupos seguem ativos – e pior, ainda mais radicais.

Por David Nemer*, no The Intercept Brasil

grupos bolsonaristas - Imagem: Rodrigo Bento/The Intercept

Bolsonaro empoderou sujeitos que se sentiam reprimidos devido às políticas progressistas dos governos passados. Seu discurso legitimou sentimentos radicais e abriu espaço não apenas para a sua expressão, mas também para uma ação – é o que está acontecendo agora.

Por quase um ano, me inseri em quatro grupos de WhatsApp de apoiadores de Bolsonaro para monitorar seu funcionamento. Espalhavam mentiras por meio de uma estrutura de grupos que lembra uma pirâmide. Os grupos tinham em torno de 170 a 200 membros. Esses grupos eram especificamente designados e mantidos para convencer e promover argumentos a favor do Bolsonaro. Os “influenciadores” estavam no topo do ecossistema: eram os responsáveis por manipular notícias e criar mentiras que viralizassem. Esses influenciadores, então, enviavam as informações falsas para grupos maiores, compostos pelos apoiadores mais ferrenhos do ex-capitão, que, por sua vez, enviavam a um exército de trolls.

A partir daí, as notícias falsas se disseminavam entre grupos ainda maiores de brasileiros comuns, que usavam o WhatsApp para driblar os veículos de imprensa tradicionais, recebendo notícias que reforçavam suas inclinações a votar em Bolsonaro. As discussões eram essencialmente câmaras de eco da causa direitista.

Nos últimos meses, porém, observei, por meio de uma análise do sentido das mensagens, uma transformação na base de apoio do governo: conforme os participantes testemunhavam o novo governo tomar forma, começaram a surgir discordâncias sobre os rumos que o país estava tomando. A maioria, que durante as eleições estava sempre de acordo e trocava apoio, entrou em calorosos bate-bocas por causa das suas diferentes expectativas com novo governo. As brigas constantes forçaram os membros a criarem coalizões dentro dos grupos e, após oito meses do governo Bolsonaro, surgiram seis novos grupos além dos quatro originais.

Cada grupo seguiu uma linha de pensamento estipulada por seus administradores e, baseado nela, eu os organizei em categorias.

O primeiro deles se concentra na propaganda do governo. Ou seja, seus membros são apoiadores extremos de Bolsonaro. Não permitem discussões que questionam quaisquer atos do presidente. Reúne brasileiros comuns, bolsominions e influenciadores. No entanto, em vez de consumir, compartilhar e produzir notícias falsas sobre candidatos oponentes, a desinformação se concentra principalmente na propaganda do governo e na deslegitimização dos tradicionais meios de notícias, em especial os que têm denunciado as irregularidades do governo, como o desmatamento da Amazônia, e a ligação entre Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente, e as milícias do Rio.

O segundo grupo é o da insurgência. Reúne participantes que se tornaram opositores do presidente. Eles têm fortes sentimentos nacionalistas e acreditam que Bolsonaro traiu a nação devido aos seus planos de privatizar e vender empresas estatais brasileiras, como a Petrobras. Os insurgentes afirmam que o presidente não está cumprindo suas promessas de militarizar o governo e cedeu ao establishment e aos políticos corruptos – à velha política, portanto.

Eles acreditam que a única maneira de salvar o país é organizar uma insurgência popular armada a fim de promover uma limpeza completa dos poderes legislativo e judiciário. Desta forma, compartilham todo e qualquer conteúdo que leve a descrença dos três poderes. Para eles, Bolsonaro está corrompido, STFé pró-Lula, e Congresso é a causa do Brasil ser tão corrupto. Criar indignação antecede a organização da insurgência. Existem planos de fazer uma manifestação no dia 25 de agosto para demonstrar que eles estão pensando nesse objetivo.

Agora que a eleição passou, os insurgentes revelam abertamente as práticas sujas que se envolveram quando foram bolsominions e influenciadores. No meu artigo anterior, mencionei que os bolsominions pareciam ser um “exército voluntário.” Embora isso seja verdade para a maioria, ouvi vários depoimentos que revelaram que muitos receberam pelo menos R$ 400 por semana para disseminar conteúdo pró-Bolsonaro. Os depoimentos também mostram que administradores receberam pelo menos R$ 600 por semana para manter o clima em seus grupos favorável ao candidato, e alguns até R$ 1.000, dependendo da quantidade de conteúdo produzido. Quando questionados sobre a origem do dinheiro, os insurgentes disseram que um grupo de empresários, incluindo Paulo Maurinho, financiaram a rede.

O problema da radicalização requer uma iniciativa multifacetada.

Eles também mencionaram uma milícia virtual chamada Movimento Ativista Virtual, os MAVs, que foi paga para se infiltrar em grupos WhatsApp e espalhar desinformação pró-Bolsonaro. Taíse de Almeida Feijó também foi mencionada por ter sido paga para divulgar e disponibilizar as notícias falsas para os MAVs e bolsominions. Os insurgentes não mencionaram que o presidente ou sua equipe de campanha estavam diretamente envolvidos neste esquema, o que é difícil de acreditar – Taíse é atualmente assessora no gabinete do secretário-geral da Presidência com um salário mensal de R$ 11.081,98.

O terceiro grupo é o que batizei como o da supremacia social. Seus membros não estão interessados nos atos políticos diários do governo. Em vez disso, se alinham e empoderam com o discurso de extrema direita promovido pelo presidente e seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro. Eduardo promove sua retórica usando técnicas condizentes com a propaganda de extrema direita americana, como sua foto fashwave no perfil do Twitter. Os supremacistas sociais compartilham conteúdo pró-arma, racista, anti-LGBT, antissemita e anti-Nordeste.

Eles levam novos membros para outros canais de discussão, como Dogolachan e 55chan no 8chan, local frequentado pelos autores do massacre da escola de Suzano. Esses canais são conhecidos pela propagação do ódio, do preconceito e da extrema direita na internet brasileira. O outro canal é a página chamada “Homens Sanctos” no VK, o Facebook Russo. “Homens Sanctos” é um grupo similar aos incels (celibatários involuntários), no qual o conteúdo pedófilo, racista e antissemita é fortemente compartilhado e celebrado.

Os supremacistas sociais são o grupo mais perigoso e radical até o momento. Não só pela materialização dos seus ideais, como no ataque da escola em Suzano e aumento do sentimento anti-Nordeste no país, mas também por ditar como será o apoio a Eduardo Bolsonaro em uma eventual candidatura para a presidência ou algum cargo, como o de embaixador do Brasil nos EUA. Eduardo já se mostrou conectado e em diálogo com figuras da extrema direita no âmbito internacional, como o ministro do interior da Itália Matteo Salvini, primeiro ministro húngaro Viktor Orbán, e o estrategista político Steve Bannon.

Os membros desses grupos não são representativos dos apoiadores de Bolsonaro. Porém, se alinham ao ideário de extrema direita propagado pelo governo e mostram, na prática, como WhatsApp e Telegram criaram o ambiente propício para a radicalização, reunindo e amplificando o discurso extremista.

Por mais que, no momento atual, a amostra de pessoas radicalizadas em grupos de WhatsApp seja pequena, a possibilidade de que essa amostra cresça e se torne um problema ainda maior é grande. Principalmente porque uma das regras desses grupos é que atuais membros recrutem novos participantes. A própria arquitetura da rede possibilita a rápida viralização de conteúdos, e a criptografia ponto-a-ponto torna o trabalho de monitoramento e moderação pelas próprias plataformas mais difíceis – porém não impossíveis. Vários casos de linchamentos pelo mundo já foram associados por fake news disseminadas pelo WhatsApp. Na Argentina, um homem foi linchado e morto pois seu filho foi falsamente acusado de estupro; na Índia, as mentiras no WhatsApp levaram um povoado a queimar dois homens inocentes.

O problema da radicalização requer uma iniciativa multifacetada. Primeiro, é necessário a aplicação da lei pelas cortes responsáveis, já que em muitos países, como Alemanha, Portugal, Austrália, França e o próprio Brasil, discursos violentos e de ódio são criminalizados e deveriam ser punidos com penas severas. Por aqui, o racismo e homofobia são inafiançáveis e imprescritíveis, e podem ser punidos com um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, com multa. Porém, a punição nem sempre é exemplar – o que precisa ser debatido.

A radicalização pode começar em uma idade precoce, e pais precisam prestar atenção no que seus filhos estão fazendo na internet e estar prontos para intervir. Os filhos podem se sentir motivados a buscar tais espaços de radicalização devido a forma como os pais trazem os assuntos políticos e sociais para dentro de casa. Por isso, é sempre necessário conversar com os filhos e engajá-los em discussões de assuntos que são complexos por natureza.

O Google, o Facebook e o Twitter vêm reprimindo os discursos violentos e de ódio com mais firmeza recentemente, mas o movimento é ainda muito lento. As empresas de tecnologia têm que continuar a retirar do ar esses espaços e figuras indutoras de radicalização. Facebook e Twitter já baniram de suas plataformas figuras conhecidas pelo discurso extremista e teorias de conspiração como Milo Yiannopoulos e Alex Jones, que ainda têm milhares de seguidores no Telegram.

Como WhatsApp e Telegram estão se tornando mais populares, a moderação e intervenção estão se tornando prioridades. Não é a solução perfeita, mas funciona. Como observei nesses grupos do WhatsApp, a radicalização acontece em alta velocidade, principalmente quando promovida pelo presidente, e o desmantelamento exige que esses diferentes atores atuem rapidamente e em conjunto.