10,1 milhões de brasileiros ganham menos de um salário mínimo por mês

O mercado de trabalho no Brasil registra números estarrecedores – que vão além dos índices de desemprego e subemprego. Segundo levantamento da consultoria IDados, publicado nesta quarta-feira (21) no jornal Valor Econômico, o País tem, hoje, 24,1 milhões de pessoas que trabalham por conta própria. Pior: 41,7% desses trabalhadores informais vivem com menos de um salário mínimo por mês. Isso significa que 10,1 milhões dos brasileiros “por conta” têm rendimento inferior a R$ 998 mensais.

Autônomos

É o caso de Thayana Pereira, de 23 anos, que dedicou o fim da adolescência aos estudos, formou-se em Técnica de Enfermagem e se especializou em atendimento de emergência para ambulâncias. Poucas oportunidades surgiram na área, todas exigindo uma experiência que ainda não possui. Sem alternativa, começou a vender tapioca no Centro do Rio de Janeiro há três semanas.

“Continuo procurando emprego na minha área, mas aqui foi uma saída até que apareça. Ajuda a pagar as contas”, diz Thayana, que morava em Maricá, na região metropolitana do Rio, até se mudar recentemente para a capital fluminense em busca da oportunidade que ainda não apareceu. “Passo mais de 11 horas por dia aqui, mas sei que algo melhor vai surgir.”

Thayana é um dos 24,1 milhões de trabalhadores por conta própria do país. Esse tipo de inserção foi o que mais cresceu nos últimos anos – mas está concentrado em atividades que exigem pouca qualificação e geram menor rendimento. São pessoas sem empregador e sem funcionário, que vivem da renda de autônomo.

O levantamento da IDados é inédito e foi feito a pedido do Valor. Um dos recortes da pesquisa aponta existirem hoje 3,6 milhões de trabalhadores por conta própria com rendimento de até R$ 300 por mês – o correspondente a R$ 10 diários. O número equivale a 15% do total de autônomos, que ganham menos que o necessário para comprar uma cesta básica em São Paulo (R$ 493,16).

Segundo Bruno Ottoni, pesquisador do IDados, as ocupações precárias viraram uma válvula de escape para a pouca oferta de empregos. “São trabalhos informais, sem piso salarial e algumas vezes com pessoas sobrequalificadas exercendo. São os trabalhos em que também mais se encontra pessoas em situação de pobreza”, disse o pesquisador.

Os números corroboram a preocupação de especialistas sobre a qualidade dos novos postos de trabalho. Das 3,6 milhões de ocupações geradas desde o segundo trimestre de 2017 – período que marcou o início da recuperação do mercado de trabalho do País –, quase metade (1,7 milhão) foi ocupada por pessoas que passaram a exercer um trabalho por conta própria.

Esse tipo de inserção passou a representar 25,9% dos ocupados no segundo trimestre deste ano, um recorde dentro do horizonte de tempo do levantamento da IDados, que cobre a partir de 2012. Os cálculos são baseados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, que visita 211 mil domicílios por trimestre.


 

Em relatório divulgado no início do mês, a consultoria AC Pastore mostrou preocupação com o movimento sobre o ritmo de recuperação da atividade econômica. “Além das evidentes implicações para o crescimento do consumo, nos preocupa a alta dos trabalhadores que não contribuem para a Previdência, podendo ter sérias consequências para a receita previdenciária no futuro”, afirmou o relatório.

Como outros indicadores sociais, os números mostram-se ainda piores na região Nordeste. Dois em cada três trabalhadores por conta própria vivem com menos de um salário mínimo por mês em estados como Piauí, Ceará, Paraíba, Sergipe e Bahia. São 4 milhões de brasileiros nessa situação no Nordeste.

Essas pessoas estão ocupadas em segmentos do comércio e de serviços, como camelôs, ambulantes, pedreiros e motoristas. Uma parcela significativa (2,4 milhões do total) está em atividades agrícolas – em canaviais, por exemplo. Outra parcela está na chamada indústria geral (1,3 milhão de trabalhadores), sobretudo de baixa tecnologia, como peças de roupas ou sapatos.

Para Ottoni, do IDados, o mercado de trabalho vai demorar a oferecer oportunidades melhores. Com a expectativa mediana dos analistas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) abaixo de 1% neste ano, pelo boletim Focus, do Banco Central, essa recuperação não deverá ser vista neste ano.

“Quando projetamos os números do mercado de trabalho, fazemos uma correlação forte de emprego e PIB. Parte dos analistas até está melhorando um pouco a previsão do PIB, por causa da liberação de recursos do FGTS – mas o risco do cenário internacional também se agravou um pouco”, diz o especialista. “Então, a geração de postos formais deve ficar para o próximo ano.”