Marcio Pochmann diz que partidos e sindicatos deverão se reinventar

O economista e presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, falou, durante seminário do PT no Rio Grande do Sul, sobre as profundas mudanças no mundo do trabalho, na economia, nas classes sociais, globalização financeira e revolução tecnológica. Pochmann acredita que o Brasil está definido seu perfil para o futuro e que os partidos e sindicatos estão com "uma retórica envelhecida". 

Por Marco Weissheimer, do Sul 21

Marcio Pochmann - Foto: Luiza Castro/Sul21

Estamos vivendo uma mudança de época profunda na história brasileira que pode ser comparada aquelas que ocorreram na década de 1880, quando ocorreu a abolição da escravatura, e na década de 1930, quando o país começou o seu processo de industrialização. As mudanças se dão em diversos níveis que vão desde o perfil demográfico do país, passando pela estrutura de classes, pelo funcionamento do trabalho e da economia e chegando à dinâmica das cidades. É preciso ter esse horizonte mais amplo como referência para se pensar os desafios políticos colocados por essa realidade que já implodiu o pacto político instaurado pela Nova República. O diagnóstico é do economista Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, do Partido dos Trabalhadores (PT), que esteve em Porto Alegre nesta segunda-feira (12) para falar sobre “os desafios de uma gestão de esquerda em meio à crise democrática”, tema proposto pelo PT de Porto Alegre para pensar a atuação do partido nas eleições municipais do ano que vem.

Segundo o presidente do PT de Porto Alegre, Rodrigo Campos Dilelio, o seminário realizado no auditório do Sindicato dos Bancários deu início a um processo de debate programático do partido sobre a cidade, tendo em vista as eleições de 2020. “O PT está fortemente engajado na construção de uma frente de esquerda em Porto Alegre”, anunciou o dirigente municipal do partido. Debate programático, frente de esquerda, política de alianças…tudo isso passa, enfatizou Marcio Pochmann em sua fala, pela compreensão da nova configuração da sociedade brasileira. “Habermas disse que toda vez que perdemos a referência do horizonte, a gente se debruça sobre amenidades. Temos hoje uma narrativa inapropriada que nos leva à acomodação e a saídas individuais”, disse o economista.

Essa narrativa, defendeu Pochmann, diz que estamos vivendo um período de transformações em relação às quais não temos muito o que fazer além de nos adaptar a elas. Ele apontou como exemplos dessa narrativa os discursos da globalização financeira e da revolução tecnológica, dois fenômenos globais sobre os quais não teríamos muita capacidade de influência. A inovação tecnológica, nesta narrativa, seria uma das principais responsáveis pelo desemprego e exigiria que os trabalhadores se preparassem melhor para enfrentar a nova realidade do mercado de trabalho.

Esses discursos estão repletos de equívocos, sustentou Pochmann, que citou o fato de países que lideram o processo de inovação tecnológica, como Alemanha, Estados Unidos e China, não enfrentarem problema de desemprego. Ele também citou o exemplo do setor bancário brasileiro que investiu fortemente em automação nos últimos anos. “Temos hoje cerca de 400 mil bancários no pais, mas também aproximadamente 1,2 milhão de correspondentes bancários no setor financeiro e mais de 110 mil trabalhadores autônomos que prestam serviços de consultoria neste setor. Esse discurso que relaciona inovação tecnológica e desemprego é terrorismo” .

Estamos vivendo a transição de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços, acrescentou o presidente da Fundação Perseu Abramo. No entanto, ressaltou, diferentemente do que ocorreu nas décadas de 1880 e 1930, essas mudanças vêm sendo protagonizadas e capitalizadas pela extrema-direita. “Estamos vivendo um período pré-insurrecional onde a população está extremamente insatisfeita e a extrema-direita tem maior facilidade de conversar com o povo do que a esquerda. Precisamos prestar muita atenção neste momento, pois estamos definindo o país que teremos nos próximos 40 ou 50 anos”, alertou Pochmann.

A perspectiva histórica invocada pelo economista, em relação ao passado e também ao futuro, é acompanhada por um diagnóstico, de certo modo, dramático para a definição do que fazer no presente político do país: “a sociedade do final dos anos 70 e início dos anos 80, que deu origem ao PT, não existe mais. Se seguirmos fazendo as coisas do jeito que fizemos até aqui não teremos melhores resultados do que os que já obtivemos”. Pochmann detalhou essa transmutação social, do ponto de vista da estrutura de classes, que impõe novos desafios programáticos e organizativos:

“Na década de 80, tínhamos uma burguesia industrial no país. Hoje, a indústria brasileira representa menos de 10% do PIB, o que equivale ao que tínhamos em 1910. Hoje, temos o predomínio de uma burguesa comercial, que quer comprar barato e vender caro. Nos anos 80, tínhamos uma classe média assalariada, que praticamente não existe mais. Hoje, temos uma classe média de PJs (pessoas jurídicas) e consultores. Houve um desmoronamento do emprego clássico da classe média. A classe trabalhadora também mudou. Cerca de quatro quintos dos trabalhadores estão concentrados no setor terciário, nas diversas áreas de serviços. Eles não estão mais concentrados em grandes fábricas, mas em shoppings center, complexos hospitalares, prestando serviços para condomínios de ricos. A classe trabalhadora está cada vez mais ligada a um trabalho imaterial e submetida a nova organização temporal e espacial. Essa nova realidade não faz parte do discurso dos sindicatos e dos nossos partidos. Estamos com uma retórica envelhecida”.

Outra novidade na paisagem social brasileira é a força gravitacional das igrejas evangélicas e de grupos ligados ao crime organizado. Essa capacidade de atração e aglutinação, defendeu o economista, deriva de sua capacidade de fornecer respostas de curto prazo aos problemas cotidianos das pessoas, à falta de perspectiva de futuro especialmente para a juventude pobre das periferias. “Hoje, cerca de 80 milhões de brasileiros freqüentam semanalmente assembleias, as assembleias de Deus. Por volta de 2032, os evangélicos já serão maioria no Brasil, A lógica que rege esse fenômeno está mais ligada à subjetividade das pessoas do que à racionalidade. Essas igrejas são espaços de sociabilidade onde as pessoas podem falar sobre seus desejos e anseios. Lá elas encontram laços de fraternidade e solidariedade. Temos que ter a humildade de reconhecer a nossa defasagem de compreensão dessa realidade”. No entanto, ressaltou Pochmann, ao mesmo tempo em que estão com a retórica envelhecida, os partidos e sindicatos são mais necessários do que nunca em uma sociedade com cada vez menos diálogo e mais individualismo. Mas terão que se reinventar.

A expressão político-partidária dessa transformação social não é menos dramática. “O ciclo político da Nova República desapareceu e com ele também desapareceu a possibilidade de termos governos de conciliação. E sem a conciliação o que temos é a polarização”, resumiu Pochmann. Esse ciclo se encerra, acrescentou, com muitas tarefas não feitas. “Não fizemos nenhuma reforma profunda do capitalismo. Não prendemos nenhum ditador, após uma ditadura assassina e corrupta. O orçamento inicial previsto para a construção de Itaipu era de R$ 4 bilhões. No final, a obra custou R$ 21 bilhões. A Argentina prendeu cerca de mil torturadores. Nós não prendemos nenhum”.

Debate com Pochmann lotou auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre.
(Foto: Luiza Castro/Sul21)
 

O desafio das eleições municipais de 2020

Na parte final de sua fala, Marcio Pochmann apresentou um cenário do impacto dessas transformações sociais no vida social das cidades e de como isso exige um repensar radical de práticas. Um desses impactos é de natureza demográfica. A população brasileira não vai crescer mais nos próximos anos em razão da queda da taxa de natalidade, assinalou. Caminhamos, nas próximas décadas, para sermos um país de 240 milhões de habitantes e mais envelhecido.

Uma das conseqüências práticas disso, no plano das políticas públicas, é a diminuição da pressão sobre as escolas. A população de faixa etária entre zero e 14 anos vem caindo desde 1980. Nas eleições de 2018, a parcela de eleitores com mais de 65 anos já foi maior que a dos jovens em torno de 18 anos.

Outro fenômeno para o qual o economista chamou a atenção é o processo de desindustrialização do país, principalmente na região Sul e Sudeste e, mais especificamente, em São Paulo, que até bem pouco tempo era chamado de “locomotiva do país”. Na vida dos municípios, isso teve como conseqüência imediata o aumento das ocupações no setor de serviços. Associado à desindustrialização, está em curso um processo de desmetropolização, com a diminuição do crescimento das regiões metropolitanas e aumento do crescimento de cidades menores, especialmente cidades médias. Isso não significa que a população das regiões metropolitanas esteja diminuindo, mas sim que estão recebendo menos migrantes e crescendo em uma velocidade demográfica menor.

Esse conjunto de fenômenos exigirá, para a definição de propostas a serem apresentadas à população nas próximas eleições, um grande esforço de aprendizado, enfatizou Pochmann. Será totalmente ineficaz acionar o piloto automático e repetir as práticas tradicionais de campanhas eleitorais realizadas na última década. Dois ex-prefeitos de Porto Alegre, Olívio Dutra e Raul Pont, fizeram intervenções comentando a conferência de Marcio Pochmann. Ambos concordaram sobre a necessidade de dar conta das implicações de todas essas transformações sociais e defenderam que as experiências positivas das administrações populares em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul devem estar também na memória desse aprendizado.

“Não foi por promover a participação e procurar radicalizar a democracia que nós erramos”, disse Raul Pont, lembrando a experiência que tornou o Orçamento Participativo de Porto Alegre uma referência internacional.

Na mesma linha, Olívio Dutra chamou atenção para o que faltou fazer ou foi feito de modo insuficiente do ponto de vista da ampliação da democracia e da justiça social. Nós tivemos o Ministério das Cidades, mas, por razões que são conhecidas de todos aqui, não conseguimos levar adiante o projeto que tínhamos e ele acabou se tornando um balcão de negócios. Os dois ex-prefeitos apostam que o aprendizado a ser feito pode ser facilitado pela experiência dos erros e dos acertos. “Não será fácil, mas podemos fazer. Teremos que assobiar e chupar cana ao mesmo tempo”, resumiu Olívio.