Marcelino da Rocha: Sindicalismo precisa se adaptar à nova realidade 

O movimento sindical desperdiçou a oportunidade de discutir sua importância com a opinião pública nos “tempos áureos”. Agora, o sindicalismo se tornou uma “instituição desmoralizada perante a sociedade”. A opinião é de Marcelino da Rocha, presidente da Fitmetal (Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil) e membro da direção nacional da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil).

Marcelino da Rocha, presidente da Fitmetal - Divulgação

Em entrevista à revista Metalúrgicos em Foco, Marcelino analisou também os impactos da desindustrialização no País, da reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB) e da reforma da Previdência da gestão de Jair Bolsonaro (PSL). “Hoje, com esse ataque que temos sofrido, já enxergamos a necessidade de mudanças e de ainda mais unidade”, avalia o dirigente.

Confira abaixo a entrevista.

Metalúrgicos em Foco: Qual a participação da indústria de transformação no PIB nacional e como a Fitmetal analisa a desindustrialização da economia? Como a indústria metalúrgica reflete em empregos diretos e indiretos gerados/perdidos também em outras categorias?
Marcelino da Rocha:
Na década de 1970, a indústria de transformação chegou a ter uma participação de quase 30% no PIB do Brasil. Hoje, os estudos mais recentes nos mostram que essa participação não passa de 10%. Passamos por um processo de desindustrialização que é perigoso para qualquer economia no mundo. Nesse sentido, a Fitmetal procurou debater esse cenário, em 2017, por meio de um Ciclo de Debates, realizado em dez estados, com acadêmicos, sindicalistas, membros do Legislativo e do Executivo, para que pudéssemos acender o sinal vermelho para essa situação.

A indústria tem um reflexo direto na economia, não só pela questão salarial, mas também por sua influência no comércio, nos serviços em geral, impactando toda a economia. Se não houver um grito uniforme de vários setores sociais que sabem de sua importância, provavelmente vamos ter um processo cada vez maior de desemprego ou de subemprego.

Metalúrgicos em Foco: O País já viveu políticas de incentivos a segmentos industriais, a exemplo das montadoras. De que modo tais ações, sem exigir contrapartidas, fortaleceu a indústria e beneficiou a categoria metalúrgica?
MR: O grande pecado dos incentivos fiscais concedidos, em particular para as montadoras, foi a não exigência de contrapartidas. Além disso, nesse ambiente as principais montadoras fizeram enormes remessas de lucros para suas matrizes. Não existe uma legislação que limite ou impeça essa remessa de lucro para seus países de origem, algo que é comum para qualquer nação europeia ou até mesmo nos Estados Unidos. Essa ausência de contrapartida em investimentos, qualificação, de reformulação do setor produtivo formam a grande lacuna dessa política implementada pelos governos Lula e Dilma.

Metalúrgicos em Foco: Em um novo cenário de privatizações e reestruturação produtiva, quais os pontos positivos e negativos sobre o papel do Estado em gerar empregos ao setor?
MR: O Estado pode agir de diversas maneiras. É preciso registrar que os incentivos que foram concedidos para os chamados produtos “linha branca” permitiram que o Brasil tivesse um período praticamente de pleno emprego, em torno de 5% há poucos anos. Naquela oportunidade, havia vagas e troca de empresas para se obter melhores salários. A Economia teve um grande processo de aquecimento, mas ainda sem contrapartidas mais efetivas.

Metalúrgicos em Foco: Como a Fitmetal analisa as mudanças vindas com a reforma trabalhista? Precarização do trabalho e terceirização irrestrita de fato ocorreram?
MR: A reforma trabalhista foi antecipada por grandes mobilizações nacionais, mas que infelizmente não se traduziram em ações efetivas para impedir esse retrocesso. A composição reacionária do Congresso Nacional foi fundamental para isso. Os parlamentares assinaram um cheque em branco para o governo Temer, que não foi eleito pelo povo e que prometeu a geração de milhões de empregos por meio dessa reforma.

Hoje, constatamos que o subemprego e o desemprego aberto são muito superiores ao do período anterior ao da reforma. Além disso, ele vem com uma contradição violenta, que nos remete ao século 19, com trabalhadores obrigados a ter jornadas gigantescas, às vezes de 16 horas por dia, como vemos os profissionais que trabalham como motoristas de aplicativos nas grandes cidades para terem algum lucro.

Metalúrgicos em Foco: Caminhos do sindicalismo brasileiro. Como o SR analisa a unidade dos sindicatos no país e até onde a pluralidade sindical pode enfraquecer lutas da classe metalúrgica?
MR: O sindicalismo atual no Brasil precisa refletir à luz de uma nova realidade. É uma instituição “desmoralizada” perante a sociedade – e temos responsabilidade disso. Nos tempos áureos, poderíamos ter discutido com a sociedade a importância do sindicalismo, mas isso não foi feito. Produzimos grandes burocratas, com dirigentes sem qualquer vínculo de suas categorias. Hoje, com esse ataque que temos sofrido, já enxergamos a necessidade de mudanças e de ainda mais unidade, mas também da unificação de setores, como temos procurado fazer no movimento Brasil Metalúrgico, em busca de ações efetivas em defesa da classe trabalhadora.

Metalúrgicos em Foco: Sobre a Nova Previdência. Há riscos para metalúrgico? De que modo a Fitmetal posiciona a classe das mudanças e impactos que poderão surgir?
MR: Essa proposta não traz nenhuma novidade, com um conceito que há tempos vem sendo defendidos pela elite para combater o suposto déficit existente na Previdência Social. As alterações propostas atacam frontalmente aqueles que contribuíram durante toda vida para o desenvolvimento nacional.

Percebemos que um grande problema não vem sendo atacado: os grandes devedores da Previdência. Não há nada sinalizado parar receber essa dívida. Ao contrário: ouvimos apenas propostas de anistia. O que nos resta, enquanto entidade que defende os interesses da classe trabalhadora, é reforçar a necessidade de unidade para enfrentar esse tipo de retrocesso, além de dialogar com o Parlamento atual, que já atua à custa de emendas para aprovar o projeto enviado pelo governo. Temos que lutar para que o povo não perca ainda mais direitos.