Ato em memória de Fernando Santa Cruz repudia declarações de Bolsonaro

Como lidar com o desaparecimento? Como se luta pela memória de alguém que simplesmente desapareceu após desafiar o regime militar e o Estado finge não saber do seu paradeiro? A tarde desta sexta-feira (2) na cidade do Recife foi marcada por uma homenagem a um desaparecido. Fernando Santa Cruz, militante político, sequestrado pelas forças repressoras da ditadura militar em 1974.

Por Rodrigo Barradas

Ato em memória de Fernando Santa Cruz

Ele foi alvo de ataque do presidente Jair Bolsonaro, quando, de forma jocosa, disse para seu filho, Felipe Santa Cruz, atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que poderia esclarecer o que havia acontecido com o seu pai. O ato foi convocado pela Associação dos Juristas pela Democracia.

O cenário foi o mais recifense e emblemático possível. À beira do Capibaribe, em frente ao Monumento Tortura Nunca Mais – o primeiro construído no País em homenagem aos mortos e desaparecidos políticos brasileiros –, na Rua da Aurora, famoso cartão-postal da cidade. De lá podemos avistar duas de suas pontes, e onde operava uma das sedes do DOPS, hoje, sede da Polícia Civil.


 

Marcelo Santa Cruz, irmão de Fernando, advogado e ex-vereador da cidade de Olinda pelo PT, comandou o ato. “Nestes 45 anos da busca de Fernando, nunca vi uma crueldade tamanha, como foi a declaração feita pelo presidente da República, dizendo saber o motivo pelo o qual Fernando foi sequestrado. E jogou ainda a responsabilidade para os seus companheiros de organização. Você pode discordar do atual presidente da OAB, mas nunca falar algo assim a uma pessoa que tinha apenas 1 ano e 10 meses quando seu pai desapareceu nas mãos dos órgãos de repressão”, disse.

De família de militantes, Marcelo lembrou ainda que, em 1972, sua irmã Rosalina Santa Cruz foi presa pela ditadura e brutalmente torturada, passando um ano presa. “Nós da família pensávamos que havíamos experimentado o lado mais perverso da repressão, que era a proibição do direito de estudar e ser torturado. Passamos então a provar, agora sim, o lado mais perverso e mais terrível que é a questão do desaparecido político”, lembrou.


 

Dona Elzita, mãe de Fernando, Marcelo e Rosalina, faleceu no último dia 25 de junho, aos 105 anos, sem nunca ter tido a chance de enterrar o filho. Foi uma vida de luta para saber onde estaria o corpo de Fernando Santa Cruz. Percorreu prisões e quartéis, entrou em contato com ministros e presidentes da República, pediu ajuda à Anistia Internacional e para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Nunca obteve a verdade.

Luciana Santos, presidente nacional do PCdoB, vice-governadora de Pernambuco e amiga da família, esteve no ato ao lado do deputado federal Renildo Calheiros (PCdoB) e do deputado estadual João Paulo Lima (PCdoB). Na ocasião, lembrou que as palavras de Bolsonaro são repugnantes, desumanas e que é preciso reagir à altura.

“Perdemos as eleições para um governo que é ultraliberal na economia, retrógrado nos costumes e autoritário na política. E o autoritarismo necessita do obscurantismo, que é a negação da ciência, da verdade e da história. Então eles querem reescrever a história. Bolsonaro não é só o homem apoiador da Ditadura, mas dos porões da Ditadura. A rigor, ele cometeu quebra de decoro e isso cabe processo. Ele precisa ser afastado da presidência da República”. E finalizou: “Nós, presidentes de partidos, iremos nos reunir na próxima quarta-feira em Brasília, na sede do PSB, e a nossa ideia é sair de lá com uma nota e com uma representação contra o presidente na Comissão de Ética da Presidência da República”.