Alon Feuerwerker: Como a Vaza Jato implodiu a narrativa da Lava Jato 

A propaganda e a guerra psicológica têm seu papel nos conflitos, mas só podem ser declaradas decisivas quando um lado decide capitular apesar de ainda ter recursos suficientes para virar o jogo. Outro jeito de ganhar guerras é eliminar o inimigo. Outra maneira é o armistício sem capitulação. A Alemanha perdeu a Primeira Guerra Mundial do primeiro jeito, e a Segunda do segundo. A Guerra da Coreia terminou do terceiro jeito.

Por Alon Feuerwerker*

Glenn x Moro

Ganhar ou perder depende também, e muito, do objetivo político proposto. Se a meta é eliminar o inimigo mas ao final ele foi apenas contido, fica aquele gostinho ruim. Tipo a Guerra do Golfo contra Saddam Hussein. Também por isso, ninguém deveria começar uma guerra sem ter ideia de como acabar a dita-cuja. Às vezes dá zebra. Só olhar as invasões inglesa, soviética e americana no Afeganistão. Errar a conta do custo de ganhar uma guerra é sempre complicado.

A batalha das manchetes e #hashtags na disputa da Lava Jato contra a Vaza Jato é divertida de ver, pois diz algo sobre quem ganha e quem perde cada batalha, mas diz quase nada sobre quem vai ganhar a guerra. O que é preciso olhar? O objetivo de cada um, e que lado tem mais recursos, ou recursos suficientes, para atingir o objetivo proposto. Na Segunda Guerra morreram na Europa duas vezes mais militares soviéticos do que alemães. E todo mundo sabe quem ganhou no fim. #FicaaDica.

A Lava Jato vinha vencendo a guerra havia cinco anos, principalmente por causa da vantagem esmagadora de recursos. Um essencial, como a operação sempre fez questão de enfatizar, era a aliança com a imprensa. Com o controle quase absoluto dos instrumentos policiais e judiciais, a Lava Jato vinha voando este tempo todo em céu de brigadeiro, navegando em mar de almirante. Mas a realidade mudou.

A Lava Jato foi arrastada agora a uma guerra de atrito contra uma tropa irregular aliada a parte dos antigos aliados da Lava Jato na imprensa. O que a Lava Jato precisa para declarar vitória? Interromper as revelações da Vaza Jato e impedir eventuais efeitos judiciais. Esta segunda coisa ainda está à mão. Já a primeira, não. E do que a Vaza Jato precisa? Apenas sobreviver. Isso está totalmente ao alcance dela, também por a disputa envolver a liberdade de imprensa.

A linha de “caça ao hacker” faz sentido para a construção de uma narrativa, mas não mata a Vaza Jato. Até agora, ao contrário, apenas reforçou a autenticidade das revelações. Mesmo que as autoridades consigam levar os hackeadores a admitir algum ilícito em associação com Glenn Greenwald, isso não implicará os demais jornalistas do Intercept Brasil ou o próprio veículo, uma pessoa jurídica, em qualquer crime.

Mesmo que as autoridades conseguissem fechar o Intercept Brasil, isso não impediria os demais veículos parceiros de continuar publicando reportagens a partir do vasto material. E se a Justiça brasileira decretasse, numa hipótese hoje alucinada, a censura, a coisa poderia continuar a ser divulgada a partir do exterior. Aí a proibição teria de partir, por exemplo, do governo ou da Justiça nos Estados Unidos. Mas ali a liberdade de imprensa está ainda mais protegida do que aqui.

Onde está a brecha das defesas até agora erguidas pela Lava Jato contra a Vaza Jato? Para matar a divulgação, a Lava Jato precisa atacar e derrotar seu principal aliado dos últimos cinco anos e meio: a imprensa. E se é verdade que a imprensa gosta da Lava Jato, é natural que goste ainda mais de preservar seu próprio poder. Por isso a imprensa está dividida. E também por isso o objetivo militar da Lava Jato na guerra contra a Vaza Jato é tão difícil de alcançar.

Claro que há sempre a hipótese de a Lava Jato recooptar toda a imprensa. Mas esse haraquiri do jornalismo ainda não está no radar.

E um detalhe: se a Vaza Jato é uma ameaça para Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros menos visíveis, não chega a ser um problema relevante para Jair Bolsonaro ou Paulo Guedes. E à medida que os personagens principais vão se enrolando, as instituições a que pertencem são estimuladas a ir se distanciando, mesmo que esse distanciamento seja disfarçado por grandiloquentes declarações de apoio e solidariedade.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político