Cônsul acusa governo Bolsonaro de exonerá-lo por criticar Moro 

Ex-cônsul honorário do Brasil em Queensland, na Austrália, o advogado Valmor Gomes Morais afirma ter descoberto pelo Diário Oficial da União que foi exonerado do cargo, na última quinta-feira. O desligamento ocorreu menos de uma semana após ele ter feito críticas ao ministro Sergio Moro (Justiça) em seu perfil pessoal no Facebook.

Consul x Moro

Segundo Morais, a publicação foi alvo de críticas de apoiadores de Moro, que teriam registrado reclamações na ouvidoria do Consulado-Geral do Brasil em Sydney. No post, ele dizia que os diálogos atribuídos ao então juiz federal Moro e ao procurador Deltan Dallagnol, divulgados pelo site The Intercept Brasil desde o mês passado, não seriam aceitas em um país como a Austrália porque “não é saudável para a democracia que um juiz fale com o promotor – se quiser falar com o promotor, não seja o juiz do caso”.

“Usei aquele emoji que mostra uma pessoa com a mão na testa”, ele diz. “Não julguei o Moro. Só disse que não é saudável um juiz fazer isso. Inclusive eu fui um dos caras que sempre bateram palma para a Lava Jato.”

Segundo o advogado, membros do consulado pediram, por telefone, que ele evitasse expressar opiniões pessoais. “O embaixador me ligou no começo da semana e perguntou se estava ocorrendo algo em Brisbane (capital de Queensland, onde funciona o consulado-honorário). Ele me perguntou se havia alguma movimentação estranha. Eu falei que um post que coloquei no Facebook causou alvoroço. Ele me pediu para evitar expressar opinião. Eu apaguei o meu post sobre Moro e fiz uma nova publicação dizendo que não aceitaria pessoas me xingando no meu perfil pessoal. Não posso tolerar essas coisas, que eles expressem sua raiva em outro lugar”, diz.

Morais continua: “Isso foi na segunda-feira. Nesse meio tempo, parece que houve uma movimentação”, diz. “Aí, ontem, uma amiga me ligou e disse que havia uma publicação no Diário Oficial anunciando a minha exoneração. Não houve uma troca de e-mails, um telefonema, uma chance para que eu oferecesse o contraditório”, afirma.

“São três anos que estou nessa posição e dediquei muito além do que precisava. Estava atendendo a 40 pessoas por semana. Todos tinham meu telefone, sabiam que seriam atendidos mesmo sem marcar hora. Foram mais de 1.800 pessoas que puderam ser atendidas perto de casa, sem precisar voar para Sydney para serem atendidas”, resumiu. “Do ponto de vista profissional, a gente fica frustrado. Acho que foi uma falta de respeito, principalmente com a comunidade brasileira, que é muito beneficiada pelo nosso trabalho.”

A BBC procurou o Consulado-Geral do Brasil em Sydney. Por telefone, a representação consular afirmou que não localizou o embaixador Sergio Bath para comentar o caso. A reportagem também entrou em contato com o Ministério de Relações Exteriores em Brasília, por telefone e e-mail. A pasta se limitou a informar que “não comentará as declarações do Senhor Valmor Gomes Morais”.

Cargo voluntário

Segundo dados divulgados pelo consulado honorário do Brasil em Queensland, existem mais de 20 mil brasileiros na região. Morais foi nomeado ao cargo em 8 de julho de 2016, segundo portaria publicada em 11 de julho de 2016 pela Secretaria-Geral de Relações Exteriores no Diário Oficial da União.

O cargo de cônsul honorário costuma ser ocupado por pessoas que não são diplomatas ou servidores públicos, de forma voluntária – caso de Morais. “É apenas alguém que colabora com o Itamaraty, em cidades onde não temos representação diplomática, em caráter voluntário e não remunerado”, explicou um diplomata à reportagem. “É um vínculo honorífico”, afirmou outro diplomata. O cargo foi regulamentado pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963, que define práticas padronizadas para consulados em todo o mundo – e da qual o Brasil é signatário.

Funcionários do Ministério de Relações Exteriores com quem a BBC conversou também afirmaram não haver regras escritas para o comportamento de diplomatas na internet. Eles afirmam que se espera um comportamento discreto dos funcionários concursados e diplomatas, mas nenhuma regra define os limites desse comportamento. Não está explícito se funcionários podem expressar opiniões pessoais na rede.

“Espera-se apenas que ele não utilize o cargo para fins pessoais”, disse à reportagem um funcionário informado sobre o caso, em condição de anonimato. Procurada, a Associação Brasileira dos Diplomatas informou que “não existe uma política ou normas definidas para posicionamento da carreira em redes sociais”.

Da Redação, com informações da BBC News Brasil