Cultura de ódio se espalhou no Brasil, diz Chico Buarque ao Le Monde

Em entrevista jornal francês, que o chamou de "figura de oposição à ditadura militar (1964-1985) e exilado em 1969, ele analisa a situação do seu país sob o governo do presidente Jair Bolsonaro. A entrevista está liberada para não assinantes do jornal apenas em seu início.

Bolsonaro fomenta a violência

Chico Buarque, 75, é uma lenda sul-americana. Cantor, compositor, dramaturgo e romancista, ele está no auge da cultura brasileira há meio século. Perto de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, ele foi, juntamente com Gilberto Gil e Caetano Veloso, um dos iniciadores da música popular brasileira. Figura da oposição à ditadura militar (1964-1985), sofreu censura e exílio, em 1969, primeiro na França, depois em Roma, antes de retornar ao Rio de Janeiro no ano seguinte.

Na década de 1980, ele foi ativo no movimento Diretas Ja, que ajudou a pôr fim ao regime ditatorial. Brilhante e trágico, engraçado e reservado, ele continua a superar seu papel de cantor popular através de intensa atividade na cena social e cultural de seu país.

Apoiador de longa data de Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente encarcerado desde abril de 2018, Chico Buarque tornou-se, durante a última campanha presidencial vencida pelo candidato de extrema direita Jair Bolsonaro, para derrotar a raiva contra o Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil. Instalado em seu apartamento na ilha de St. Louis, Paris, ele explica, com uma sinceridade muitas vezes tingida de tristeza.

Você solicitou recentemente um visto de longa duração na França. Isso é um novo exilado?

Minha situação atual é muito diferente da de 1969. Não estou no exílio hoje. Estou aqui escrevendo, trabalhando em Paris, como faço quando escrevo normalmente. Simplesmente aqui, em Paris, estou mais quieto. Eu tenho mais tempo, por exemplo, para me concentrar em escrever este livro que comecei no começo deste ano. No Brasil, em 1969, havia um regime militar no poder, uma perseguição concreta e direta aos artistas.

Hoje, artistas e atores culturais no Brasil não são bem-vindos nem bem vistos pelo governo, mas não há perseguição policial como em 1969. No entanto, existem ameaças, não necessariamente contra os artistas, mas contra a esquerda em geral, gays, minorias, mulheres.

Uma cultura de ódio se espalhou no Brasil de uma maneira impressionante. Este ódio é alimentado pelo novo poder, o presidente, sua comitiva, seus filhos, seus ministros… Eles desacreditam os artistas, a quem eles consideram ser bom para nada. Cultura não tem valor em seus olhos. Dito isso, quero continuar morando no Brasil, não quero morar longe do meu país.