Em Natal, Flávio Dino apresenta diagnóstico da quadra histórica

Por Jana Sá

Na trilha da Democracia
Com a afirmativa de que o “fascismo é filho direto do desespero”, o governador do Estado do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), apresentou um diagnóstico da “desafiadora quadra histórica” que o país vivencia durante a realização da 12ª edição do Projeto Na Trilha da Democracia.

O governador esteve em Natal nesta segunda-feira (18), no auditório Otto Brito de Guerra, prédio da reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e falou para uma plateia de políticos, docentes, estudantes, lideranças dos movimentos sociais e sindicais e a sociedade civil, ávida a compreender como o país chegou à atual conjuntura e debater a necessidade da defesa da Democracia, da Soberania Nacional e dos direitos sociais.
 

Para Flávio Dino, nós estamos diante de uma crise econômica fiscal muito aguda que propiciou a emergência e afirmação “de um projeto de extrema-direita que é filho direto do desespero do Povo com as suas próprias condições de vida”.

Com discurso aguçado, o governador fez um exame conjuntural do Brasil destacando três aspectos. O primeiro deles aferiu a centralidade que a agenda da corrupção ganhou em nosso país nos últimos anos. Para Dino, um quadro manipulado e apropriado para consecução de interesses políticos partidários e ideológicos, sobretudo, no sentido de ocultar todas as outras corrupções, Inclusive a que aponta como a principal delas, “a obscena desigualdade social que marca o Brasil”.

“De repente todos os problemas sociais, as dificuldades da expansão de políticas públicas e de serviços públicos foram transformadas sob a ótica da chave interpretativa hegemônica, segundo a qual o mundo e o Brasil se dividiria entre os corruptos vermelhos, de um lado, e os Patriotas, do outro, e esta dualidade que definiria todos os problemas nacionais. A agenda da corrupção, portanto, acabou sendo funcional para a obtenção de determinados resultados políticos”, avaliou.

E o segundo ponto, destaca, é um agravante do primeiro. “Essa apropriação e manipulação, sabemos agora, não se deu apenas em razão da atuação de forças políticas ou partidárias mas para espanto geral e, claro, menos meu, que por dever de ofício acompanho e conheço profundamente a atuação dos meus ex-colegas, essa apropriação, esse desvio, essa manipulação da agenda da corrupção se deu, inclusive, por intermédio do próprio poder judiciário”, ressaltou.

O governador elegeu como o caso mais emblemático deste processo, embora lembre não ser o único, “o atípico, anômalo e, agora, escandaloso processo judicial, que de modo abusivo terminou a perda da Liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, fazendo referência às denúncias reveladas pelo site The Intercept Brasil envolvendo o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol.

Dino apontou o caminho da ausência, da atipicidade de um processo judicial sem juiz para explicar como se deu essa manipulação e essa apropriação da agenda da corrupção. “O que é ontologicamente a figura de um juiz? De onde ele extrai o coeficiente mínimo de legitimidade, na medida em que ele não é oriundo do voto popular, da soberania popular? É claro que é a legitimação pelo procedimento, a legitimação pelo cuidado e pelo zelo das normas objetivamente postas na sociedade. O juiz, portanto, ou ele é terceiro, supra partes, acima das partes em conflito, ou ele não é juiz. Neste caso concreto nós tivemos um juiz que, a pretexto de ser um militante da causa do combate à corrupção na verdade era um agente de consecução de interesses políticos partidários e ideológicos”, esclareceu.

O terceiro fator que conduziu, segundo Dino, a que nós chegássemos à atual conjuntura, que tornou possível que a corrupção virasse a chave única da interpretação da realidade da noite para o dia, que nós tivéssemos perdido a batalha de sentidos em torno das ditas jornadas de junho de 2013 e permitiu que um processo a olho nú atípico pudesse chegar ao seu final com a prisão do presidente Lula, deve-se a uma série de circunstâncias, mas sobretudo ao peso determinante da crise econômica e fiscal que se abateu sobre o nosso país.

Para o governador, por uma série de fatores, mas sobretudo o fim do chamado superciclo das commodities, de fato houve uma interrupção na trajetória de conquista de direitos e uma frustração de expectativas neste sentido. “Talvez um dia na narrativa histórica nós tenhamos tempo para analisar porque houve essa frustração de expectativas, mas o certo é que objetivamente tal ocorreu. Cindiu-se o pacto que havia permitido a transição da ditadura para a democracia política e que possibilitou a emergência daquilo que eu vou simplesmente de lulismo”, pontuou.
 

Dino destacou a perda do apoio político e social, “que fez com quem no quadro de dramático isolamento nós tenhamos colhidos 5 anos de derrotas em cima de derrotas”, elencando a reforma trabalhista, o teto de gastos, o escandaloso e incondicional impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o processo abusivo contra o ex-presidente Lula e outras lideranças, a sua prisão e inelegibilidade, até a eleição do presidente Jair Bolsonaro.

Desse diagnóstico, o governador examina que deriva a constatação que “não nos basta ter uma estratégia de resistência. Na verdade, nós precisamos ter uma estratégia de resistência prospectiva, afirmativa”.

Com assertiva de que tem não tem medo de projeto de ditador, ou não serviria para ser governador do Maranhão ou de qualquer outro Estado da Federação, Flávio Dino disse ser necessária uma estratégia de resistência, e fez referência direta ao caso da reforma da Previdência. “Precisamos ter uma estratégia afirmativa. Esta é a premissa que firma, que confirma, que impele cinco pontos que eu gostaria de mencionar como centrais nesta estratégia. O primeiro deles é uma agenda de defesa da soberania nacional.

Ao se referir à política externa, Flávio afirmou que nem a ditadura militar praticou uma política externa tão subserviente como essa que nós estamos vendo. “Avessa inclusive às tradições centenárias da casa de Rio Branco, aquele majestoso prédio na Esplanada dos Ministérios coberto de honra por gerações e gerações de diplomatas, hoje está submetido à uma política subalterna”.

Ele defendeu uma agenda forte de soberania Nacional que abrange itens como a defesa dos recursos naturais e minerais do Brasil, a soberania energética, fortemente ameaçada pelas gravíssimas restrições chamadas eufemisticamente de desinvestimento no âmbito da Petrobras e outras empresas, proteção das instituições do desenvolvimento, a exemplo do BNDS, da Receita Federal e, sobretudo do sistema de Educação, Ciência e Tecnologia, nomeado pelo governador como um patrimônio duramente conquistado pelo povo brasileiro. “Patrimônio esse tão forte e tão central que se tornou palco de uma dimensão conflituosa, tão evidente quanto à escolha dos dois ministros, chamemos assim porque somos pessoas gentis, da Educação confrontada com suas declarações desastradas e desinformados sobre o que são as universidades brasileiras e o que é a atividade dos meus colegas professores e, também, estudantes, funcionários das universidades e do sistema educacional como um todo”.

O segundo, agenda de produção, emprego, trabalho, agenda de investimento público e reforma tributária, que Dino destacou como de fato uma reforma central, uma vez que altera o perfil de distribuição da riqueza e da renda do Brasil.

O governador lembrou aos presentes que o Brasil é um dos poucos países do mundo onde não há imposto sobre lucros e dividendos. Só um resgate dessa tributação sobre as rendas do capital e não sobre as rendas do trabalho, modelo que existiu no país até 1995, “nos traria R$ 50 milhões por ano”, observou.

Terceiro conjunto, desse programa que ele foi delimitando ao longo da sua explanação, direitos e políticas sociais, educação, FUNDEB, gás de cozinha, questões que dizem respeito ao nosso povo, que não consegue cozinhar mais, a não ser com lenha, em razão de decisões políticas.

Em quatro lugar, a defesa da Democracia, “porque o bolsonarismo é extremista e sectário. Ele foi constituído assim, ele é assim, e sempre será assim, com risco, a meu ver, evidente, não uma probabilidade mais uma possibilidade”. Para Dino, não temos o direito de descartar que isso resulte em tentativas de ruptura do Estado democrático de direito, do pacto constitucional de 1988.
“Numa noite similar como essa que nós estamos aqui vivendo, semelhantes a nós, em algum momento de março de 1964 disseram assim que não a democracia no Brasil é muito sólida, nós temos a tradição legalista das Forças Armadas, não sei onde inventaram isso no Brasil, então a democracia está consolidada. Em 15 dias outras coisas bem diferentes aconteceram”, rememorou.
Finalizou fazendo uma homenagem à Paulo Freire. “Não poderia vir ao Rio Grande do Norte sem homenagear esse educador, tão agredido por falar de coisas boas, belas, de justiça, de fraternidade. Ele lembrou de um texto do Paulo Freire, chamado “Do direito e do dever de mudar o mundo”, um dos últimos textos que ele escreveu.

“Na última frase desse artigo, ele fala da marcha esperançosa daqueles que tem certeza que vão mudar o mundo. A minha última observação é esta. Sem esperança e fé não existe luta política e, por isso, além mapa do caminho, além das estratégias, das táticas do programa, precisamos realimentar a nossa conexão com os mais pobres deste país. Conexão não em palavras, conexão de sentimento, de coração para coração, e foi isso que nós perdemos. Os anos de poder e de governo as vezes produzem isto. Que nós não percamos a dimensão daquilo que é o principal, o nosso tesouro, que é o respeito dos mais pobres, o reconhecimento por parte dos que menos têm, que nós os representamos no jogo institucional”, conclamou.