Número de idosos falidos nos Estados Unidos aumenta cinco vezes

Os velhos aposentados estão cada vez mais propensos a buscar a proteção da falência pessoal, algo inexistente no Brasil.

Por Luiz Gonzaga Belluzzo*

Idosos Estados Unidos

Os professores Deborah Thorne, Pamela Foohey, Robert M. Lawless e Katherine Porter publicaram recentemente o estudo A Falência dos Aposentados nos EUA: A Vida em Uma Sociedade de Risco.

O estudo demonstra de forma cabal e insofismável que a rede de segurança social para os norte-americanos mais velhos encolheu nas últimas décadas. Para não maltratar a excelente introdução da pesquisa, em muitos parágrafos vou reproduzir quase ipsis verbis a argumentação dos autores.

Para começar, abro aspas: “Os riscos associados ao envelhecimento, redução da renda e aumento dos custos de saúde têm sido descarregados no lombo dos aposentados”. Os velhos aposentados estão cada vez mais propensos a buscar a proteção da falência pessoal (personal bankrupcy), uma instituição inexistente no Brasil.

Os dados obtidos pelos professores comprovam que, desde 1991, dobrou a taxa anual de ingresso de idosos nos processos de falência e quase quintuplicou a porcentagem de idosos (mais de 65 anos) em situação de falência pessoal. A velocidade do crescimento das falências na população idosa é de tal ordem, diz o estudo, que fatores demográficos, como a expectativa de vida, explicam apenas uma parte modesta do fenômeno.

“Nossos dados constataram que os fatores predominantes estão associados aos riscos financeiros, ou seja, rendimento insuficiente e aumento incontrolável dos custos dos cuidados com a saúde.” Como resultado, aumentaram os encargos financeiros: entre os idosos que recorreram à falência pessoal, a mediana do patrimônio líquido acusa uma posição negativa de 17.390 dólares, em comparação com mais de 250 mil positivos para seus pares não falidos.

A história dos Estados Unidos registra um longo período de desprezo pelos mais velhos, vistos como párias. Muitos passaram seus últimos anos sem abrigo ou em um asilo igualmente horrível.

No início do século XX, as atitudes para com os norte-americanos mais velhos mudaram e os riscos da velhice diminuíram. Em vez de descartá-los, começou-se a aceitar o bem-estar do idoso como uma responsabilidade coletiva. Franklin Delano Roosevelt entregou o Social Security Act em 1935. O Social Security Act fortaleceu o consumo de massa ao proteger os mais débeis dos problemas criados pela insegurança econômica. A elevação da carga tributária e o caráter progressivo dos impostos transferiram renda dos mais ricos para os mais pobres e remediados. A rede de segurança social para os idosos evoluiu para incluir na segurança social o Medicare, o Medicaid e a pensão de benefício definido. Consequentemente, o envelhecimento tornou-se uma condição de risco mitigado.

A preocupação nacional com o bem-estar dos mais velhos retrocedeu a partir do início da década de 1980. Conservadores, defensores do livre-mercado e a mídia promoveram a imagem dos velhos como “uma ameaça à viabilidade econômica”, como ladrões de nossos filhos e como os “responsáveis por problemas econômicos da nação”. (Certamente, os atentos leitores de CartaCapital perceberam que qualquer semelhança com a argumentação tosca das autoridades e comentaristas midiáticos brasileiros não é mera coincidência.)

Em apenas algumas décadas, as normas de responsabilidade individual – o regime de capitalização – suplantaram o ideal do sistema de solidariedade social. Riscos financeiros foram descarregados nos indivíduos, independentemente da idade. Muitos norte-americanos mais velhos sofreram muito por causa desse movimento em direção à “responsabilidade privada”, com a sua segurança social, aposentadoria e cuidados de saúde, entre outras proteções, sob ataque.

Uma pesquisa realizada em 2011 pelo Public Policy Institute revela: na crise financeira de 2008 e nos anos posteriores, os norte-americanos enfrentaram o encolhimento das contas individuais de poupança, as 401K, destinadas a prover sua aposentadoria. Em uma amostra de 5.027 homens e mulheres, apenas 8,9% dos entrevistados constataram uma recuperação do valor dessas aplicações para o nível anterior à crise. Quase metade, ou 49,3%, começa a se recuperar das perdas impostas pela crise financeira e 41,4% não se recuperaram dos prejuízos incorridos pela queda dos preços das ações e ativos tóxicos com classificação AAA. Posteriormente, foram afetados pela redução dos rendimentos nanicos dos títulos de dívida pública e privada.

Os motivos alegados nos tribunais de falência sugerem que os idosos sofrem as consequências da sociedade de risco individualizado e o correspondente do encolhimento de sua rede de segurança social.