A preocupante ascensão da extrema direita na Espanha 

 Nas eleições gerais espanholas deste domingo (28), o partido Vox, de extrema direita, pode crescer a ponto de influenciar na formação do governo espanhol.

Por Antonio Maestre*

Satiago Abascal Vox Espanha

A discussão sobre o crescente populismo nacional na Europa nos últimos anos muitas vezes trata a Espanha como uma exceção. Pergunta-se como é que se tornou o único país importante na Europa continental onde nenhuma força de extrema-direita conseguiu ter presença no parlamento. Em outras democracias liberais, apesar do profundo antifascismo herdado de 1945, as chamadas forças “pós-fascistas” conseguiram resultados eleitorais favoráveis disfarçando a ideologia que outrora feriu o velho continente.

Mas a Espanha parecia diferente. Até 2018, não tinha o equivalente a organizações de extrema-direita como o Front National na França, a Alternative für Deutschland na Alemanha, a Partij voor de Vrijheid na Holanda, a Lega na Itália ou o UKIP no Reino Unido. No entanto, isto mascarou algo que acontecia sob a superfície, que finalmente aflorou com a eleição na Andaluzia em dezembro de 2018. Na votação na maior região da Espanha o partido Vox, de extrema-direita, obteve representação institucional pela primeira vez, ajudando a levar ao poder uma coalizão de centro-direita.

Com a eleição geral deste domingo (28), o Vox poderá ir mais longe e eleger representantes para o parlamento espanhol. Mais do que isso, depois de 28 de abril, espera poder influir na formação do próprio governo. Seu apoio poderá ser decisivo na formação de uma coalizão de direita em nível nacional, unindo o conservador Partido Popular (PP) à direita liberal, corporificada pelo Ciudadanos. Quatro décadas desde o fim da ditadura de Francisco Franco, o avanço do Vox significa dias sombrios para a democracia espanhola.

A pergunta que se poderia fazer é: houve alguma exceção espanhola? Bem, sim, mas não da maneira que a Europa gostaria de pensar. Não havia, de fato, nenhuma presença de extrema-direita explicitamente organizada no parlamento espanhol, além do PP. Isso se deveu tanto a elementos distintos da história da Espanha quanto às condições recentes que adiaram a chegada de uma alternativa nacional-populista ao tradicional partido conservador.

A diferença histórica deve-se à tolerância do que os espanhóis chamam de “ultraright” durante a virada para a democracia que se seguiu à morte de Francisco Franco em 1975.
A Espanha viveu uma transição ordenada da ditadura de Franco para a democracia, na qual os elementos fascistas e nacional-católicos daquele regime foram reintegrados como parte da nova direita conservadora. Permaneceram como parte do funcionamento regular da administração do Estado, do judiciário, da polícia e do exército.

Onde constituições democráticas como a da Itália – nascidas da resistência ao nazismo e ao regime de Mussolini – brilhavam com espírito antifascista, isso não existiu no caso espanhol. Em vez disso, as forças filo-fascistas permaneceram como parte normal da política, representada sobretudo pela Alianza Popular. Este partido, o antepassado do conservador Partido Popular atual, foi fundado por sete ministros franquistas. Durante quarenta anos a extrema-direita pôde sentir-se confortável em suas fileiras conservadoras, sem ter que se diferenciar.

O segundo fator-chave que retardou o surgimento de uma força nacional-populista na Espanha foi o desenvolvimento do outro lado do espectro político. As mobilizações anti-austeridade de 2011 em diante, que envolveram 15 milhões de pessoas, abriram o caminho para a criação de uma força popular de esquerda – o Podemos – que direcionou as queixas populares no rumo de saídas mais progressistas.

O rompimento do antigo sistema bipartidário (representado pelo conservador Partido Popular, PP e pelo PSOE de centro-esquerda) também impediu o surgimento de uma força mais reacionária para dirigir o mal-estar dos afetados pela globalização. Este “amortecedor” foi entretanto quebrado, graças à normalização do Podemos como um partido institucional e, mais importante, a polarização nacionalista que se desenvolveu desde o controverso referendo de independência da Catalunha, em outubro de 2017. Só se pode entender a ascensão do populismo nacional do Vox à luz da declaração catalã de independência e da reação ultranacionalista em outros lugares da Espanha.

O Vox foi criado em 2013, depois que seu atual líder, Santiago Abascal, se desiludiu com o Partido Popular. Ele havia sido deixado sem nenhum cargo naquele partido após a dissolução de uma fundação que havia sido criada por Esperanza Aguirre – presidente do PP da região de Madri – precisamente para lhe dar um emprego. No mesmo mês em que esta fundação foi fechada, o Vox foi registrado como partido. Surgiu assim em resposta à necessidade de um ex-conservador de encontrar um novo lar e, até as eleições regionais de dezembro de 2018 na Andaluzia, não conseguiu obter representação parlamentar.

O Vox compartilha os mesmos preceitos fundamentais das outras formações comparáveis ​​nos países europeus. É uma força nativista e ultranacionalista, profundamente contrária à imigração, com uma mensagem fortemente islamofóbica. Em termos econômicos, está muito mais próximo das doutrinas ultra-neoliberais de Jair Bolsonaro e dos neo-liberais dos EUA do que das medidas protecionistas prometidas pelo National Rassemblement de Marine Le Pen (ex-Front National).

O Vox apoia medidas fiscais que favorecem os mais ricos e punem os serviços públicos. O Vox não busca o voto de pessoas desencantadas com a esquerda em áreas deprimidas, na linha do que Le Pen conseguiu. Em vez disso, seu único aceno para cortar a divisão ideológica está no apelo identitário. O nacionalismo espanhol está especialmente enraizado na velha classe trabalhadora, especialmente nas regiões do interior e no sul, e entre aqueles que se sentem atacados pelos nacionalismos nas regiões periféricas – o País Basco e a Catalunha.

O arianismo é o valor fundamental do Vox. Seu sucesso deve-se sobretudo a uma mensagem ultranacionalista espanhola, aplicada em reação aos nacionalistas catalães que proclamaram a independência em outubro de 2017. Seu antagonismo contra os catalães baseia-se em um patriotismo romântico; apela à repressão sistemática dos partidos pró-independência e de todos os políticos que participaram na declaração de independência. Este populismo punitivo anda de mãos dadas com o envolvimento no processo contra líderes pró-independência, que atualmente está sendo julgado pela Suprema Corte da Espanha.

Vox não pode, então, ser entendido como um simples transplante de traços de outros populismos nacionais europeus para o contexto espanhol. Pelo contrário, seu surgimento resulta das realidades sociais e nacionais específicas da Espanha.

Sem dúvida, a sua ascensão foi encorajada por uma situação internacional em que os movimentos anti-imigrantes avançam – ajudando a legitimar o próprio Vox. No entanto, não poderia ter se enraizado sem o disputado processo de independência na Catalunha e o que a reação contra ele representa.

O avanço do Vox promete algo que o pós-fascismo europeu anteriormente não tinha – o elo espanhol faltante no esforço para implodir a União Europeia a partir de dentro. De fato, seu sucesso na eleição regional da Andaluzia em dezembro passado colocou-o no radar de Steve Bannon e seu think tank anti-liberal de direita, “The Movement”, que busca criar uma espécie de internacional de extrema direita.

Os contatos internacionais mais importantes do Vox operam por meio de Rafael Bardají, membro de seu conselho nacional e, na década de 2000, um proeminente assessor de assuntos estrangeiros do primeiro-ministro conservador (PP), José María Aznar. Um falcão neoliberal, Bardají mantém relações estreitas com o governo de Donald Trump, herdado de seus contatos na era Aznar e com figuras do Partido Republicano próximas a George W. Bush. Ele também faz parte de várias organizações sionistas diretamente ligadas a líderes israelenses do passado, como Ehud Barak.

Paradoxalmente, porém, o sucesso do partido de extrema-direita espanhol logo esfriaria seus contatos com o próprio “Movimento” de Bannon. Logo que se tornou capaz de esperar um avanço nas eleições europeias de maio, não precisava mais da estratégia ou dos contatos de Bannon para fazer obter avanços institucionais.

A distância entre Vox e Bannon também deve-se às suas origens conservadoras e à fraca posição anti-europeia. De fato, em várias entrevistas e declarações, o líder do Vox, Santiago Abascal, insistiu que seus contatos com Bannon estavam limitados ao argumento de que a oposição espanhola ao separatismo catalão também deveria ser traduzida em termos europeus. Vox não participou da recente cúpula organizada pelo ministro de Interior de extrema-direita da Itália, Matteo Salvini, que saudou outras formações nacional-populistas como a Alternative für Deutschland, o Partido do Povo Dinamarquês e o partido dos finlandeses.

Os obstáculos fundamentais para que o Vox seja atraído para uma internacional nacional-populista são os mesmos que impedem qualquer ação coordenada entre tais formações. De fato, os ultranacionalistas têm dificuldade em desenvolver uma política comum em nível internacional, já que a reivindicação pela soberania de um país se choca com as reivindicações dos demais. Isto é especialmente verdade no que diz respeito à partilha de migrantes entre os países da UE com base em quotas. Países do sul da Europa, como Espanha e Itália (principais receptores de migrantes vindos da África), consideram essa medida fundamental, mas é rejeitada por possíveis aliados de extrema direita em países como a França, Polônia ou Hungria, que não estão dispostos a aceitar migrantes.

Ninguém duvida que o Vox conseguirá eleger deputados para o parlamento espanhol. As previsões oscilam entre vinte e cinquenta vagas parlamentares de extrema-direita eleitos. Este seria um avanço semelhante ao que se pode ver com o Podemos e o Ciudadanos nas eleições de três anos atrás, nas quais saltaram de nenhum deputado para setenta e uma e trinta vagas respectivamente.

O número de assentos do Vox não seria, no entanto, um problema se não fosse pelo fato de que seus argumentos e seu papel foram totalmente aceitos pelos partidos mais estabelecidos da direita. Tanto o PP como o Ciudadanos basearam suas campanhas na necessidade de unir forças com o partido de extrema-direita para criar uma coalizão que possa tirar o PSOE social-democrata de Pedro Sánchez do governo.

Os números do Vox poderiam de fato ajudar a direita a conseguir uma maioria suficiente para assumir o governo. Pode não apenas exercer influência direta sobre a nova administração, mas também se unir ao próprio executivo, se alcançar uma representação suficiente no novo parlamento espanhol.

Isso colocaria no centro as medidas reacionárias que Vox destacou nesta campanha eleitoral. Inspirado em Trump, o partido de extrema-direita propôs a construção de um muro em torno dos enclaves norte-africanos de Ceuta e Melilla, e a expulsão de 52.000 imigrantes "ilegais".

O líder do Vox, Santiago Abascal, chegou ao ponto de exigir o direito dos cidadãos de manter armas em casa. Além disso, uma de suas principais propostas é a proibição definitiva da independência de regiões da Espanha.

Um líder do Vox, Iván Espinosa de los Monteros, pediu a proibição de todas as organizações que não rejeitem o marxismo.

Isso combina com a supremacia masculina do Vox. Culturalmente, é uma cópia do movimento anti-feminista misógino de Trump. De fato, a reação sexista explicada por Susan Faludi em seu livro Backlash é vital para o imaginário espanhol de extrema-direita. O discurso do partido é construído em torno de um ataque constante a todas as medidas destinadas a proteger as mulheres, que consideram "ideologia de gênero", e um ataque a todo o poderoso movimento feminista espanhol, que tem sido uma força imponente na vida pública, como se viu nas mobilizações do Dia Internacional da Mulher de 2018.


A ascensão do Vox está fadada a colocar os democratas no limite, dada a inclusão em suas listas eleitorais de ex-membros de organizações fascistas e neonazistas. Alguns deles têm ligações diretas com as organizações terroristas ativas contra a transição democrática pós-franquista. É o caso de Jorge Arturo Cutillas, importante membro do Vox, que já fez parte de um partido filo-nazista chamado Fatherland and Freedom. E tinha laços diretos com Leon Degrelle, fundador do partido Rexist da Bélgica na década de 1930 e que foi um homem da SS de Hitler. O Vox também inclui ex-líderes da organização nazista CEDADE, dissolvida em 1993 depois que o parlamentar britânico James Glynn Ford expôs a extensão de seus laços na Europa.

Hoje, preparando-se para entrar no parlamento, o Vox já percebeu um desejo não cumprido da extrema direita pós-franco. Reuniu em uma única força – aceitável para os partidos da direita – todas as organizações neo-nazistas, falangistas, franquistas e tradicionalistas que tão clamorosamente falharam em fazer qualquer avanço nos últimos quarenta anos da democracia espanhola. Um partido de cores nacionalistas católicas com uma estratégia on-line agressiva, um discurso trumpiano que comunica o ódio por meio de notícias falsas conseguiu mudar o debate público mais amplo, aproximando os partidos de direita estabelecidos do populismo nacional. Sua presença na política espanhola já é uma realidade. Após a votação deste domingo, o mundo estará apenas medindo o preço de seu sucesso.