Ministro de Bolsonaro usou “laranjas” para desviar recursos públicos

Mais um escândalo no primeiro escalão do governo Bolsonaro. Seu ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), deputado federal mais votado em Minas Gerais, patrocinou um esquema de candidaturas laranjas que direcionou verbas públicas de campanha a empresas ligadas ao seu gabinete na Câmara. Quatro candidatas “de fachada” receberam do partido R$ 279 mil, mas o valor foi desviado em prol do parlamentar. As informações foram publicadas nesta segunda-feira (4) pelo jornal Folha de S.Paulo.

Ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL)

 Foi após indicação do PSL de Minas, presidido à época pelo próprio Álvaro Antônio, que o comando nacional do partido do presidente Jair Bolsonaro repassou os R$ 279 mil às candidatas. Era o percentual mínimo exigido pela Justiça Eleitoral (30%) para destinação do fundo eleitoral a mulheres candidatas.

Apesar de figurarem entre os 20 candidatos do PSL que mais receberam dinheiro público, essas quatro mulheres tiveram desempenho insignificante. Juntas, receberam pouco mais de 2 mil votos, em um indicativo de candidaturas de fachada, em que há simulação de alguns atos reais de campanha, mas não empenho efetivo na busca de votos.

Dos R$ 279 mil repassados pelo PSL, ao menos R$ 85 mil foram parar oficialmente na conta de quatro empresas que são de assessores, parentes ou sócios de assessores do hoje ministro de Bolsonaro. É o caso de Lilian Bernardino, candidata a deputada estadual. Ela é próxima a Haissander Souza de Paula, que foi assessor do gabinete parlamentar de Álvaro Antônio até o deputado assumir o Ministério do Turismo. Haissander hoje é secretário parlamentar do suplente de Álvaro Antônio na Câmara, Gustavo Mitre, do PHS.

Lilian recebeu da direção do PSL R$ 65 mil de recursos públicos, declarou ter gasto todo esse valor e obteve apenas 196 votos. No mesmo dia ou poucos dias depois de ter recebido as verbas, ela repassou boa parte para quatro empresas que têm ligações com o ministro do Turismo. Um total de R$ 14,9 mil foi para duas empresas de comunicação de um irmão de Roberto Silva Soares, conhecido como Robertinho Soares, que foi assessor do gabinete de Álvaro Antônio e coordenou sua campanha no vale do Rio Doce.

Outros R$ 10 mil foram direcionados para uma gráfica de uma sócia do irmão de Robertinho. Houve também pagamento de R$ 11 mil à empresa de Mateus Von Rondon Martins, de Belo Horizonte, responsável pela divulgação do mandato de Álvaro Antônio e hoje assessor especial do Ministério do Turismo. Lilian declarou gasto de R$ 2.500 com o secretário do PSL em Ipatinga, Edmilson Luiz Alves, que, segundo o que informou a candidata à Justiça Eleitoral, fez atividades de militância e mobilização de rua para a campanha.

Edmilson – que coordenou o comitê de campanha do PSL na região – disse nunca ter visto a candidata. “Em Valadares eu não acompanhei ninguém”, afirmou, dizendo que jamais assinou recibo eleitoral de serviços para Lilian. “Não, não conheço essa Lilian não. Nem o telefone dela eu tenho.”

Um dia após a Folha procurar ouvir os envolvidos, Edmilson ligou de novo dizendo ter se lembrado do trabalho. Segundo ele, sua tarefa consistiu em intermediar a contratação para Lilian de uma empresa de disparo de mensagens de WhatsApp. Ele não soube explicar por que o nome dele, e não da suposta empresa, aparece na prestação. Também se comprometeu a passar o nome e o contato dessa empresa, mas não fez isso até a conclusão da reportagem.

Outra candidata campeã de dinheiro do PSL é Mila Fernandes. Teve 334 votos a deputada federal. Ela disse à Justiça ter gastado os R$ 72 mil que recebeu. Entre outros fornecedores, R$ 4.900 para Mateus Von Rondon. O hoje assessor especial do Turismo declarou serviços eleitorais a apenas essas quatro candidatas do PSL, além de outro postulante de Minas Gerais. Mila disse que fez campanha, mas encerrou a ligação após ser questionada sobre quais atos eleitorais havia realizado. Por mensagem de texto, afirmou que só daria entrevista pessoalmente. A Folha se dispôs a ir onde ela indicasse, mas ela não respondeu mais.

A terceira candidata é Débora Gomes, a mais bem sucedida das quatro, tendo obtido 885 votos para deputada estadual. Ela recebeu a Folha na garagem de casa, em uma rua do centro de Ipatinga. Afirmou que fez campanha com foco em familiares e amigos e que imprimiu e mandou distribuir material. Mas que não teve tempo para se dedicar às eleições porque é enfermeira particular e tem pacientes que não poderia abandonar.

Na garagem é visível um adesivo desbotado dela ao lado da foto de Bolsonaro. Débora também declarou ter feito seus principais gastos em firmas vinculadas ao hoje ministro – R$ 30 mil nas empresas do irmão de Robertinho, R$ 10 mil na da sócia deste e R$ 7.600 para Mateus Von Rondon. Débora disse que conheceu Von Rondon durante a campanha, negou que Álvaro Antônio ou assessores tenham direcionado seus gastos, mas não soube dizer qual serviço o assessor especial do ministro fez.

A quarta candidata é Naftali Tamar, que disputou uma cadeira na Câmara. Recebeu R$ 70 mil e teve 669 votos. Ela declarou gasto de R$ 9 mil com Von Rondon. A Folha não conseguiu localizá-la.

Além das quatro, uma quinta candidata do PSL de Minas, Cleuzenir Souza, recebeu do partido R$ 60 mil de recursos públicos e obteve 2.097 votos. Ela não declarou gastos com nenhuma empresa vinculada ao ministro e, durante a campanha, registrou um boletim de ocorrência em que acusa dois assessores de Álvaro Antônio de cobrar dela a devolução de metade do valor, conforme noticiado em dezembro pela coluna Mônica Bergamo, na Folha.

Os dois assessores teriam exigido isso como pagamento de material de campanha do partido que, segundo ela, não teria custado nem R$ 5 mil. A Folha a procurou em Governador Valadares, onde ela morava, mas familiares afirmaram que ela se mudou para Portugal logo após as eleições.

Marcelo Álvaro Antônio trocou o PR pelo PSL no início de 2018, seguindo Bolsonaro, de quem foi o coordenador de campanha em Minas. Na esteira da onda que elegeu o presidente, conseguiu 230 mil votos e foi escolhido como um dos poucos integrantes da “cota política” do primeiro escalão do Planalto República. Em sua prestação de contas, ele não usa nenhuma das empresas mencionadas na reportagem.

Em suas redes sociais, Álvaro Antônio divulgou no início de 2018 vídeo ao lado de Bolsonaro e de Robertinho Soares, que também comanda o PSL em Ipatinga. Na ocasião, o então pré-candidato à Presidência pedia aos eleitores que se filiassem ao PSL de Minas para serem candidatos nas eleições.

Com informações da Folha de S.Paulo