Militares enquadram chanceler de Bolsonaro. E quem vai calar Mourão? 

Após apenas um mês de governo e em meio a um sem-número de polêmicas, a gestão Jair Bolsonaro (PSL) começa a enfrentar seus “fios soltos” mais explosivos. A primeira vítima foi o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, indicado ao cargo pelo filósofo ultradireitista Olavo de Carvalho. Ao que tudo indica, o próximo alvo é o vice-presidente, general Hamilton Mourão.

bolsonaro e mourão

Conforme reportagem de Igor Gielow para a Folha de S.Paulo neste domingo (3), a ala militar do governo promoveu uma espécie de “intervenção branca” no Itamaraty, tutelando os movimentos de Ernesto Araújo sobre temas considerados sensíveis, como a Venezuela. O chanceler – que nunca comandou um posto no exterior – se indispôs com os militares logo na largada do governo.

Em 4 de janeiro, ele participou de reunião no Peru do Grupo de Lima, que reúne 14 países para discutir a situação política venezuelana. O grupo, que considera ilegítima a reeleição do presidente Nicolás Maduro no ano passado, se encontrou para determinar novas medidas contra o governo em Caracas.

Quando o documento foi divulgado, militares ligados à área de inteligência ficaram de cabelo em pé com o item “D” das providências anunciadas: “Suspender a cooperação militar com o regime de Nicolás Maduro”. Araújo não consultou a área militar.

Porém, é justamente a cooperação com as Forças Armadas venezuelanas que mantém o Brasil minimamente informado sobre o país vizinho, em virtude do backchannel – informações de bastidor trocadas por oficiais, com a observação direta da área de inteligência. Conforme um experiente negociador da região, o Brasil sabe mais sobre Caracas por meio dos próprios militares chavistas do que por canais diplomáticos regulares.

Em outra crise, também na primeira semana do governo, Bolsonaro e o chanceler defenderam a instalação de uma base americana no Brasil – algo que soa herético aos militares daqui. O general da reserva e ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) buscou reduzir o mal-entendido na imprensa.

No caso da Venezuela, alguns oficiais chegaram a cobrar que Araújo fosse demitido. Outros ponderaram sobre o dano de imagem que tal queda geraria. Agora, pelo menos dois generais com assento importante no governo conversam regularmente com o chanceler. Um embaixador afirmou à “Folha” que não há comunicado sensível do chanceler que não tenha o teor discutido com a área de Defesa.

O efeito da tutela foi visto ao longo do mês. Araújo reduziu sua visibilidade no caso Venezuela a poucas declarações. Na mão inversa, o general Hamilton Mourão, vice-presidente que ocupou a cadeira de Bolsonaro por seis dias no mês, falou em diversas ocasiões sobre a crise. Numa delas, indicou que as Forças Armadas da Venezuela deveriam oferecer uma saída a Maduro.

Mourão também antecipou movimentos do Itamaraty, como atender ao pedido do golpista Juan Guaidó para o envio de ajuda à Venezuela e promover sanções econômicas contra membros do regime. Além disso, o vice descartou qualquer intervenção militar contra Maduro – ideia ventilada pelo presidente americano, Donald Trump.

Para tentar desfazer a má impressão que o governo causou entre políticos estrangeiros, Mourão tem se encontrado com embaixadores. Na última semana, recebeu duas delegações árabes para dizer que não haverá a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém – promessa de campanha de Bolsonaro repetida ao premiê israelense, Binyamin Netanyahu. Os árabes, grandes compradores de aves brasileiras, prometem retaliar porque o status de Jerusalém é disputado entre palestinos e israelenses.

Mourão também criticou o chanceler numa entrevista à revista Época, dizendo que ele não havia dito a que veio. Em particular, oficiais da ala militar e generais da ativa são bem menos diplomáticos, especialmente quando comentam o caudaloso discurso de estreia de Araújo. Outras manifestações, como o artigo em que creditou a Deus a união entre Bolsonaro e Olavo, são apenas alvo de chacota.

Mas o próprio Mourão está longe de ser um consenso no governo. Conforme registra neste domingo a Folha, aliados de Bolsonaro escalaram militares para uma conversa franca com o general. É crescente o incômodo do Planalto com declarações do vice – que tem feito contrapontos e até críticas públicas a iniciativas do time escalado pelo presidente. Esses interlocutores querem arrancar dele um compromisso claro de alinhamento.

Fogo amigo à parte, Mourão monitorou atentamente o protagonismo que parte da imprensa lhe atribuiu no primeiro mês do governo e já agendou nova rodada de entrevistas. Na quinta, ele recebeu o jornal El País. Na próxima semana, falará à Bloomberg, ao Wall Street Journal e à RTP (Rádio e Televisão de Portugal). Na semana seguinte, dará depoimento à revista The Economist e à agência Reuters.

Boicotado pela família de Bolsonaro, Mourão se tornou o “queridinho” da grande mídia. Jeff Benício, do Blog Sala de TV (Portal Terra), foi um dos primeiros e elogiá-lo publicamente: “Enquanto o presidente Jair Bolsonaro evita a imprensa por acusá-la de ‘abordagem antiprofissional’, seu vice Hamilton Mourão dá show de carisma e comunicabilidade no trato com os repórteres (…). O general da reserva fez questão de atender a imprensa para esclarecer dúvidas a respeito de medidas do governo e, de quebra, tentar amenizar as polêmicas que ofuscam a gestão federal”.

Numa espécie de “recado” ao governo, Benício deu a entender que a publicidade de Mourão tende a aumentar: “Em um governo que abomina a imprensa tradicional e reage mal às críticas, Hamilton Mourão se tornou, quem diria, a figura mais sociável com os jornalistas que cobrem o Poder Executivo. Errou quem pensou que o vice falastrão teria um papel meramente decorativo em Brasília. A influência midiática do general cresce a cada dia”.

Outra jornalista a rasgar elogios para Mourão foi Mônica Bergamo, colunista da Folha. Segundo ela, “Mourão tem atendido todos os veículos com gentileza. Ele inclusive mandou instalar uma sala para os repórteres que cobrem a vice-presidência, com ar-condicionado, café, água e tomadas para que recarreguem computadores e celulares”.

A exemplo de Jeff Benício, Mônica passou um pito no governo: “A postura [de Mourão] é oposta à do entorno mais próximo de Jair Bolsonaro, que ataca quase diariamente a mídia crítica ao governo. Na quinta (31), por exemplo, Carlos Bolsonaro, filho do presidente, disse que ‘grande parte da imprensa’ mente, manipula e ‘cria discórdias que não existe (sic)’”.

Com tanta generosidade da grande mídia a Mourão, quem vai calar a voz do vice?