Repercussão do decreto de armas foi um desastre para Bolsonaro

O impacto negativo do decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo em todo o país é de proporções desastrosas; em toda a imprensa nacional e mundial não houve uma defesa sequer da liberação das armas e as críticas se multiplicaram desde o momento fatídico da assinatura do documento; dentre as inúmeras críticas e constatações dramáticas da liberação de armas em um país que já é a capital mundial do assassinato por armas de fogo, está o reforço que a medida dará ao crime organizado, que tem meios para 'legalizar' suas aquisições

Bolsonaro negativo

O presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores mais enfáticos acreditavam piamente que a divulgação do decreto que flexibiliza a posse de armas, grande bandeira de sua campanha eleitoral, seria um momento de viragem para o presidente recém-empossado depois de 15 dias de noticiário negativo para o lado do governo. Deram um tiro no pé.

Segundo informações da coluna Painel, da Folha de S. Paulo, o decreto repercutiu pessimamente, não só entre os adversários do governo e entidades contrárias à liberação das armas como entre os próprios entusiastas do armamentismo. E para piorar, o decreto acabou gerando mais um racha dentro do governo, ferindo o ego e a reputação do ministro Sérgio Moro (Justiça), derrotado na queda de braço com o chefe da Casa Civil, ministro Onyx Lorenzoni, tido nos bastidores de Brasília como lobista da indústria armamentista.

"O primeiro grande ato de Jair Bolsonaro dividiu o núcleo duro de seus apoiadores, reforçou críticas de setores que fazem oposição a ele e marcou a estreia –com derrota– de Sergio Moro (Justiça) contra o núcleo político do governo na queda de braço pela persuasão do presidente. O alarde de entidades que militam pelo desarmamento contrastou fortemente com a decepção dos entusiastas da revogação do estatuto. Estes disseram que o decreto pró-posse de armas ficou abaixo da expectativa", registra a Folha.

Um dos maiores propagandistas da posse e do porte de armas, o advogado Bene Barbosa fez questão de registrar nas redes que havia passado o dia “dando entrevistas”. Ele foi o porta-voz da tese de que Bolsonaro frustrou defensores de mudanças no Estatuto do Desarmamento.

Entre as lideranças políticas nacionais, apenas um ou outro deputado da bancada da bala veio a público elogiar a medida, emquanto todos os partidos da oposição anunciaram que entrarão com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e com tomarão iniciativas legislativas para suspender o decreto.

Arma = Liquidificador

Nas redes sociais, a repercussão do decreto também foi péssima para o bolsonarismo. Somente alguns poucos militantes de extrema-direita mais envolvidos com a política partidária e os porta-vozes da indústria armamentista saíram em defesa do governo publicamente.

No Twitter, a única palavra de destaque entre as mais comentadas em relação ao decreto nesta terça-feira (15) foi "Taurus", nome do maior fabricante de armamentos no Brasil, cujas ações na Bolsa de Valores haviam se valorizado exponencialmente nos meses que antecederam a posse de Bolsonaro, mas desabaram ontem após a divulgação do decreto.

Nesta quarta-feira(16), a repercussão nas redes sociais continua negativa e com um ingrediente cômico: a frase nonsense do ministro Onyx Lorenzoni que comparou o risco de ter uma arma em casa, para crianças, ao de ter um liquidificador. A declaração de Onyx gerou centenas de respostas irônicas, como essa do líder do MTST, Guilherme Boulos:

 

Crime organizado será fortalecido

Na visão de analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, o decreto assinado por Bolsonaro está cercado de muitas dúvidas, e os resultados da medida por ora são muito incertos.

Segundo o decreto, estão mantidos os requisitos do Estatuto do Desarmamento para se ter uma arma de fogo, como ser maior de 25 e sem antecedentes criminais, a Polícia Federal deixou de ser a autoridade máxima quanto à possibilidade de autorizar o pedido de posse.

No mesmo documento, está estabelecido que pessoas morando em áreas urbanas com índices anuais de mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes, segundo dados de 2016 apresentados no Atlas da Violência 2018, podem ter a posse de até quatro armas de fogo. Também está estabelecido o mesmo para agentes de segurança (mesmo os inativos), militares, agentes penitenciários, entre outros.

Na prática, o decreto abre o caminho para toda a população se armar, já que todos os estados e o Distrito Federal têm índices superiores a 10 homicídios por 100 mil habitantes. Segundo o Atlas da Violência de 2018, o país registrou 62.517 homicídios em 2016, uma média de 30,3 mortes por 100 mil habitantes.

O senador João Capiberibe (PSB-AP), que já esteve envolvido em discussões no Congresso Nacional sobre o armamento de servidores públicos disse em entrevista à Sputnik Brasil, que considera "lamentável" o decreto de Bolsonaro, e apresentou argumentos para ver a decisão como temerária: "Essa atitude do presidente de liberar a posse de armas às pessoas, para tentarem se defender, para quem tem em média 60 mil homicídios por ano, evidente que esta taxa de homicídio vai disparar […]. Vivemos de fato uma guerra urbana. Existem territórios em que o Estado não consegue de fato impor a sua autoridade há muito tempo, e não são poucos os territórios em que o Estado está completamente ausente. E essa medida é uma ação que vai trazer consequências trágicas, mais ainda do que as que nós já estamos vivendo no presente", avaliou.

Para o senador, o crime organizado deverá sair fortalecido com a flexibilização prevista no decreto, já que, na sua opinião, a maior quantidade de armas nas casas dos brasileiros acabará de uma forma ou de outra nas mãos de facções criminosas, apontadas por especialistas como as grandes vilãs por trás da violência desenfreada no país.

"Acho que isso vai facilitar enormemente os que mais são interessados em se armar, [como] as milícias, os agentes do crime organizado, os foras-da-lei, eles vão deixar de contrabandear arma e vão comprar arma, porque vai ser liberado e o decreto do presidente atende ao lobby dos fabricantes de armas, tal qual nos Estados Unidos", acrescentou.

Pegou mal lá fora

A repercussão sobre a liberação da posse de armas no Brasil também teve impacto negativo no mundo. O jornal americano New York Times escreveu que as leis foram afrouxadas na "capital mundial do assassinato". Já o Financial Times lembrou que 61% dos entrevistados pelo Datafolha em dezembro no país afirmaram ser contra a liberação da posse de armas de fogo. O britânico The Guardian afirmou, com base em um estudo da ONG Sou da Paz, que o volume de registro de novas armas no Brasil aumentou de 3.900 para 33 mil em dez anos. Os jornais argentinos La Nación e Clarín foram outros que destacaram a medida com viés negativo.

Com Brasil 247, Sputnik e agências