Decreto sobre armas tende a aumentar violência e ações da Taurus

As ações da fabricante de armas Taurus operavam em alta de quase 4% nesta terça-feira (15), após o presidente Jair Bolsonaro assinar decreto que flexibiliza a posse de armas no país. O decreto não muda muita coisa em relação à legislação já em vigor, mas tem potencial para fazer aumentar, além das ações da Taurus, o número de mortes por motivos fúteis.

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Durante a campanha presidencial, Jair Bolsonaro popularizou um gesto entre seus seguidores: os braços flexionados e as mãos fechadas, exceto pelo polegar e o indicador, estendidos para simbolizar um revólver. A pose revelava uma promessa de campanha: o desejo de liberalizar ainda mais a posse e o porte de armas de fogo e, nesta terça, ele deu o primeiro passo para concretizá-la: assinou decreto que flexibiliza as regras para a posse de armas no Brasil.

O texto permite que o cidadão compre até quatro armas de fogo. Em casos específicos, o limite pode ser ultrapassado. A validade do registro passa dos atuais 5 anos para 10 anos.

O direito à posse é a autorização para manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho, desde que o dono da arma seja o responsável legal pelo estabelecimento. Para andar com a arma na rua, é preciso ter direito ao porte, que exige regras mais rigorosas e não foi tratado no decreto.

Bolsonaro criticou a maneira como a lei exigia comprovação "da efetiva necessidade" de ter uma arma em casa. Segundo ele, essa regra "beirava a subjetividade".

Agora, o texto estabelece as situações em que se verificam a "efetiva necessidade". Além disso, o Estado, ao analisar a solicitação, vai presumir que os dados fornecidos pelo cidadão para comprovar a "efetiva necessidade" são verdadeiros.

O novo decreto mantém inalteradas exigências que já vigoravam sobre posse de armas, como: 
Obrigatoriedade de cursos para manejar a arma; Ter ao menos 25 anos; Ter ocupação lícita; Não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal; Não ter antecedentes criminais nas justiças Federal, Estadual (incluindo juizados), Militar e Eleitoral.

Após a divulgação do teor do decreto, entusiastas do armamentismo reclamavam nas redes sociais que pouca coisa mudou em relação à legislação atualmente em vigor.


Famílias em risco

Já os especialistas do setor de segurança pública alertam que o decreto deve, provavelmente, provocar uma corrida pela compra de armas no Brasil, principalmente entre militantes de extrema-direita entusiasmados com o atual governo e sua suposta política de "enfrentamento à bandidagem"

Domingos Mariano, ouvidor das polícias de São Paulo, avalia que o decreto é uma tentativa de passar a responsabilidade pela segurança pública para o cidadão comum e a taxa de violência pode aumentar. 

Benedito não acredita que garantir a posse de arma para a população brasileira irá diminuir os índices de criminalidade. "A partir do acesso à arma, aumentará a violência. Quem deve andar armado são os agentes de segurança pública, esse decreto passa para a população uma responsabilidade do Estado, que deveria garantir a segurança pública", critica, em entrevista ao jornalista Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual.

Ele também afirma que, sem a devida fiscalização, as pessoas poderão andar armadas nas ruas – ainda que o projeto vise facilitar a posse e não o porte –, o que é perigoso, em sua avaliação. "Pequenas discussões podem se tornar algo maior", alerta.

Para José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de segurança pública no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o anúncio representa um "engano grosseiro" ao não considerar "um aumento exponencial do risco" ao cidadão armado. "Há pesquisas no Brasil que mostram que 70% das pessoas armadas são baleadas em situações de assalto: ou porque tentam reagir, ou porque simplesmente, ao ver a arma, o bandido percebe que se trata de alguém disposto ao enfrentamento", disse ele, para quem a flexibilização ainda precisa ser especificada no decreto. "Quem tem que enfrentar o bandido são as polícias. Não adianta terceirizar para o cidadão a defesa contra a bandidagem."

Há anos consultor na área de segurança pública, o coronel observou ainda que amplificar a possibilidade de posse de arma no país não é sinônimo de proteção à maior parte da população se considerado também o aspecto econômico da medida. Com um revólver calibre 38 custando R$ 4 mil, em média, e com R$ 1.200 em balas para um treinamento em cursos de tiro de 200 horas, apenas cidadãos com capacidade de compra poderiam se armar e, supostamente, se proteger, aponta ele.

Segundo a cofundadora da Rede Feminista de Juristas (DeFEMde), a advogada Marina Ganzarolli, facilitar a aquisição de armas seria contribuir para mais casos de violência doméstica e mortes de mulheres no Brasil. “Diversas pesquisas trabalham com indicadores de risco nos casos de violência doméstica, um desses indicadores é o acesso a armas de fogo, porque quando o homem tem o momento de explosão – que é o momento de agravamento do ciclo de violência, que depois vem seguido de pedidos de perdão, de falas de que vai melhorar – se ele tiver uma arma ao seu alcance, ele vai usar”.

A maioria das mulheres vítimas desse crime são assassinadas por seus parceiros, e a maior parte desses casos acontece dentro de casa. Armas de fogo são a segunda opção utilizada para execuções, segundo uma pesquisa realizada pelo Ministério Público de São Paulo. Por isso a liberação do porte de armas pode ter efeitos trágicos para todas as mulheres da sociedade.

Taurus agradece

Reportagem do El País revela que no último dia 29 de dezembro, três dias antes de sua posse, Bolsonaro já havia tuitado sua vontade de garantir o maior acesso “para os cidadãos sem antecedentes penais”. E, com isso, fez disparar as ações da Taurus, o maior fabricante de brasileiro de armas de fogo, que respondem por 86% do seu faturamento. As ações da companhia, há anos negociadas sem grandes alterações na Bolsa de São Paulo, já tinham começado a disparar à medida que o ultradireitista se consolidava nas pesquisas. De 2,38 reais em 30 de agosto, os títulos saltaram para mais de 11 reais em 26 de outubro, o último dia útil antes do segundo turno eleitoral. E, depois de afundarem na mesma velocidade, voltaram a subir depois da posse do presidente.

É verdade que, com uma alta superior a 250%, essa foi a empresa que mais se valorizou nos últimos 12 meses na Bolsa brasileira; também é fato que, com uma capitalização em torno de meio bilhão de reais e 18,2 milhões de ações circulantes, esse valor é tremendamente volátil, e sua explosão nas cotações parece meramente especulativa. Principalmente porque os dados estão longe de mostrar um panorama cor de rosa. “É verdade que as cifras melhoraram”, comenta por telefone Felipe Tadewald, da consultoria Suno Research. “Mas avaliamos que estão muito longe do ideal, e que o otimismo é exagerado.”

Da redação, com agências