Carine Carvalho: “A mudança virá da base protagonizada pelas mulheres”

Cearense de nascimento, membro do Partido Socialista Suíço, a deputada do Cantão de Vaud Carine Carvalho fala sobre a luta do feminismo no mundo e as políticas de igualdade de gênero, o retrocesso político no Brasil e no mundo e política migratória na Suiça.  

Carine Carvalho

Em entrevista concedida na manhã desta quarta-feira (09), no programa Democracia no Ar, da Rádio Atitude Popular, a militante feminista falou sobre sua trajetória política que a levou a tornar-se parlamentar na Europa. “Meu feminismo é de berço”, ratificou ao citar a mãe, Ana Carvalho,  bancária e sindicalista cearense, e das pessoas com quem convivi ainda criança antes de ir morar na Europa. Carine também foi membro da União da Juventude Socialista – UJS e sempre teve a atuação voltada para a igualdade de gênero.

Com sua mudança para a Suiça, em 2000, ela seguiu com a semente de consciência já plantada. “A migração muda a nossa consciência de si mesma. Saí daqui como filha de classe média, branca e lá me senti marginalizada por ser imigrante”. Já na universidade, ingressou no movimento estudantil e no sindcalismo, atuando com questões femininas. “Decidi fazer política de forma mais atuante depois de ter meu filho, ressaltando o feminismo nas palavras e nos atos”. Foi quando filiou-se ao Partido Socialista Suíço. “O partido dá muito impulso e valoriza as mulheres. Por ele, fui vereadora e deputada, além de ter a oportunidade de presidir a comissão de mulheres da legenda”.

Apesar da imagem de progresso e de democracia, a Suíça foi o último país europeu a dar direito de voto às mulheres, em 1971. “Costumamos comparar os direitos lá como uma lesminha, que avança lentamente”, exemplifica.

Carine vê com preocupação o cenário político mundial, com o avanço do fascismo, do conservadorismo e da retórica tradicional. “Estamos vendo em vários países o surgimento de movimentos sociais apartidários, alimentados por ‘fake news’, com grande capacidade de mobilização, mas frágil em orientação política e com reivindicações difusas. Vimos no Brasil e estamos assistindo os ‘coletes amarelos’ na França. Percebemos que os partidos políticos ainda não conseguiram captar esse mal estar popular, o que ajuda a piorar as crises. Nosso desafio é captar esta luta e traduzir em ações políticas”, considera. Segundo Carine, as redes sociais vieram para “quebrar os antigos códigos políticos”. “Ainda não conseguimos lidar com isso, mas devemos ouvir rapidamente este descontentamento”.

Apesar do conturbado cenário político, Carine projeta de onde deverá vir a alternativa. “Vivemos um momento político grave no Brasil e no mundo. Quase não temos líderes progressistas em nações fortes que tenham força para enfrentar este cenário. Por isso acredito que a mudança virá da base, e acho que será pelas mulheres”, ratifica.

Brasil

Após quase 20 anos morando fora do Brasil, a imagem que ela tem do país é “frustrante”. “Imaginar como Dilma, a primeira mulher presidente do país, foi expulsa no poder, e como Bolsonaro chegou ao topo é triste”. Segundo Carine, o mundo já sabe que o programa do novo governo é voltado à defesa do agronegócio e à subordinação imperialista. “Podemos ver claramente nos discursos do presidente eleito a mesma retórica usada por Trump e Marine Le Pen, por exemplo: a venda da ideia conservadora de enquadramento da família, limitação do papel de homens e mulheres e restrições de liberdades. A sensação que temos é a de que estamos caminhando para trás. A imagem do Brasil no exterior é a de que o país está de volta a uma era obscura”.

Feminismo

Diante de todo este cenário, a cearense considera que o “movimento feminista tem grande responsabilidade para enfrentar o avanço da força fascista e misógina”. “Não é fácil ser feminista neste momento da história”, considera.

Para Carine, a diferença dos movimentos feministas europeu e brasileiro se dá onde eles acontecem. “No Brasil, ele se dá a partir das pessoas marginalizadas, fora dos centros urbanos, no campo e com as negras, por exemplo. Já na Europa, de modo geral, surge com as brancas e burguesas”, compara.

Curiosidade

Dividido em 26 Cantões, comparado aos estados brasileiros, Carine atua no Cantão de Vaud, na Suíça. Segundo ela, cada um deles tem autonomia de gestão. Sobre a política de exilados, problema que preocupa diversos países do mundo, a parlamentar europeia fala que lá há uma cota para recebê-los. “O meu Cantão, poder ser humanista, decidiu não expulsar pessoas que chegaram além da cota permitida. Por isso, tivemos que pagar uma multa ao governo federal por não cumprir a legislação”, exemplifica como funciona em sua região.

Mais debate – Políticas Públicas de Gênero

Carine Carvalho participará nesta quinta-feira (10), a partir das 9h, de um debate sobre o desenvolvimento das políticas públicas de gênero na Suíça. O encontro será promovido pela Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa do Ceará em parceria com a Casa da Mulher Brasileira do Ceará, onde acontecerá o evento.

O debate contará também com a presença da deputada estadual do PCdoB, Augusta Brito (Procuradora Especia da Mulher), Daciane Barreto (Coordenadora da Casa da Mulher Brasileira), Profa. Dra. Tereza Esmeraldo (NAH UECE) e Silvia Cavalliere (UNALGBT).

Serviço

Onde: Casa da Mulher Brasileira – Rua Tabuleiro do Norte s/n, Couto Fernandes
Quando: quinta-feira (10 de janeiro), às 9h.