Brasil na guerra híbrida: nova forma do intervencionismo estadunidense

O intervencionismo estadunidense na América Latina não é novidade. Durante o século XX, os Estados Unidos induziram e financiaram os golpes militares na Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Cuba, e, é claro, no Brasil, com o objetivo de garantir a satisfação de seus interesses econômicos às custas da exploração dos recursos desses países e da repressão de seus respectivos povos.

Por Bianca Borges* 

Bolsonaro Bolton

Foi essa dominação, apoiada em seu poderio militar, que garantiu aos Estados Unidos a posição de principal potência econômica mundial a partir da década de 1950. Agora, em decadência, o império do caos prescinde de tanques e canhões e dá continuidade à sua política intervencionista utilizando outras armas.

Por um breve período, nosso continente teve à frente uma geração de governantes que negaram se submeter à essa dominação, recusando a implementação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e estabelecendo o BRICS e mecanismos de cooperação regional como a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), fortalecendo o eixo Sul-Sul, integrando as economias locais com a China e subvertendo a lógica econômica anteriormente vigente.

Esta forma de governar, que posicionou as economias locais como independentes, confrontava diretamente os interesses dos Estados Unidos, país para o qual é fundamental ter como aliado um território com reservas imensuráveis de petróleo e recursos naturais e um ator regional como é o Brasil na América no Sul. O país, porém, como resultado das políticas de governos populares que governaram por mais de uma década, ameaçava emergir como nação soberana.

Diante deste risco, iniciou-se um novo ciclo de intervenção. Desta vez, não pela força dos militares, mas pela exploração das fragilidades políticas, econômicas e sociais do nosso país visando atender os interesses de um agente externo. A espionagem à Petrobras e à ex-presidenta Dilma Roussef foram o primeiro passo. A atuação do judiciário, em seguida, teve papel fundamental para a concretização desse projeto: por meio de suas infindáveis operações de investigação, desestabilizou a indústria nacional e o lawfare levou à prisão a maior liderança popular de nossa história. A junção com fatores midiáticos, parlamentares, políticos e empresariais induziu a um descontentamento generalizado da população e resultou em uma desestabilização profunda do país e resultou na eleição de Jair Bolsonaro.

A eleição presidencial, aliás, teve interferência comprovada de tecnologias desenvolvidas pelos serviços de inteligência norte-americanos, que possibilitaram a transmissão de fake news para os brasileiros em uma escala sem precedentes. O resultado foi a eleição de um capitão da reserva que, durante sua carreira de três décadas na política, manifestou reiteradamente seu alinhamento com os Estados Unidos, tornando-se a aposta dos grandes agentes desta intervenção como a figura disposta a, mais uma vez, submeter o Brasil a seus interesses.

As novas formas do velho intervencionismo impõem novos desafios ao nosso tempo. Embora tenhamos vivido e superado os regimes militares totalitários e anti-nacionais do século XX, esta nova estratégia geopolítica baseada em redes sociais e tecnologia da informação possibilita a realização de uma propaganda e controle da população imbuídos de grande alcance. A guerra híbrida, aparentemente, veio para ficar até que se complete um novo ciclo de dominação dos Estados Unidos ao redor do mundo como resposta ao seu declínio e à ascensão dos novos agentes que ameaçam sua hegemonia. A América Latina é, mais uma vez, alvo dos experimentos da potência e deve ser cautelosamente observada pelos países em desenvolvimento de todo o mundo, pois certamente ensinará a estes importantes lições.