Comércio e 'soft power' correm risco com chanceler bolsonarista

Ernesto Araújo é fã de Trump, presidente em guerra com a China e as áreas ambiental e dos direitos humanos da ONU.

Por André Barrocal, da CartaCapital

Ernesto Araújo - Foto: Carl Souza/AFP

Fã de Donald Trump, Jair Bolsonaro escolheu um diplomata idem para ser seu futuro ministro das Relações Exteriores. É Ernesto Henrique Fraga Araújo, de 51 anos, atual diretor do Departamento de EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty. Um prêmio merecido para um diplomata que fez campanha para Bolsonaro e de satanização do PT, em cujos governos subiu na carreira.

Em meados de setembro, Araújo, contracheque de 33,5 mil por mês, criou um blog, o Metapolítica 17. Este era o número do ex-capitão nas urnas. Em um de seus primeiros textos, escreveu, a propósito da era petista iniciada em 2003: “Confesso que acreditei que o Brasil havia encontrado a chave dourada que abria a porta tripla da democracia, justiça social e crescimento econômico”.

Comentário surpreendente para quem usou o blog para atacar impiedosamente o PT, tachado por ele de “Partido Terrorista”, entre outras alcunhas.

Araújo foi promovido a embaixador em junho, por um decreto de Michel Temer. Até então era ministro de segunda classe, penúltimo degrau na carreira, posto ao qual chegara na gestão Dilma Rousseff. No governo dela, tinha sido o número 2 na embaixada em Washington, uma das mais importantes para o Brasil. Seu chefe nos EUA era Mauro Vieira, o último chanceler dilmista.

Além do antipetismo, Araújo propaga uma outra visão alinhada ao bolsonarismo, o amor a Trump. Ele é a favor de notícias mentirosas, as “fake news”, pois não as vê como falsas, e sim como outro ângulo de um acontecimento. Também condena o “globalismo”, definido por ele como “globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”.

A paixão por Trump tinha sido revelada em uma publicação oficial do Itamaraty no fim de 2017, com um artigo em que praticamente chamava o líder norte-americano de salvador da civilização ocidental. Trump, escreveu, “parece ter hoje uma visão de mundo que ultrapassa em muitas léguas, em profundidade e extensão, as visões da elite hiperintelectualizada e cosmopolita que o despreza”.

Araújo estava particularmente entusiasmado com um discurso feito do presidente americano feito em julho de 2017, na Polônia. “Um discurso que nenhum outro estadista no mundo hoje teria a coragem ou a capacidade de pronunciar”. “O tema central é a visão de que o Ocidente (…) está mortalmente ameaçado desde o interior, e somente sobreviverá se recuperar o seu espírito.”

Prossegue o diplomata: “O inimigo do Ocidente não é a Rússia nem a China, não é um inimigo estatal, mas é sim principalmente um inimigo interno, o abandono da própria identidade, e um inimigo externo, o islamismo radical””.

Segundo Araújo, o Brasil precisa de uma política externa alinhada à visão trumpista, guiada por uma “plano cultural-espiritual” mais do que por comércio ou estratégia diplomático-militar. Menos “geopolítica”, e mais “teopolítica”.

Bem que o chefe do Exército, general Eduardo Villas Boas, disse em uma entrevista na Folha do dia 11 que certas declarações de Bolsonaro soam “uma coisa meio messiânica”.

Se o Brasil seguir o trumpismo ao pé da letra, vem aí guerra comercial com a China, nosso maior parceiro comercial. Briga com o mundo árabe – grande comprador de carne daqui -, devido ao apoio à mudança da capital de Israel para Jerusalém. Atritos com a ONU na área de direitos humanos e ambiental. E por aí vai.

Isso tudo tende a acentuar a perda de protagonismo internacional brasileiro. Quem acha que essa perda é quase certa é um professor da Universidade norte-americana de Stanford, Harold Trinkunas, especialista em relações internacionais. Foi o que ele escreveu em um artigo de 31 de outubro, dias após a vitória de Bolsonaro.

“Nas últimas décadas, o Brasil procurou influenciar a ordem internacional confiando fortemente no ‘soft power’ –a capacidade de persuadir outros a se alinharem com suas propostas diplomáticas devido ao apelo do modelo doméstico do Brasil e sua abordagem pacífica para resolver disputas internacionais”, diz Trinkunas.

Segundo ele, esse 'soft power' atingiu o pico no governo Lula, e depois entrou em queda. “A eleição de Jair Bolsonaro, um congressista de direita de longa data com tendências autoritárias, provavelmente destruirá o que resta do soft power do Brasil no exterior”, anotou.

A paixão de Araújo por Trump pode custar problemas adicionais ao Brasil, na hipótese de o presidente americano não se reeleger em 2020. Nas recentes eleições parlamentares e estaduais, os republicanos de Trump perderam o controle da Câmara dos Deputados para os adversários democratas. E estes avançaram também em número de governadores.

No início do governo Temer, o então chanceler José Serra, senador tucano, torceu por Hillary Clinton contra Trump, e isso custou uma espécie de geladeira ao Brasil. Trump, que já não dá bola para a América do Sul, tem, por exemplo, bloqueado a tentativa brasileira de aderir à OCDE, clube de 35 nações ricas ou simpatizantes.

Ao lançar seu blog em setembro, Ernesto Araújo contou ter tido aval superior. “Quero aqui agradecer e enaltecer as altas chefias do Itamaraty por seu compromisso com a liberdade de expressão e com o pluralismo, que me dá a oportunidade de compartilhar estas reflexões.”

É possível que, por “altas chefias do Itamaraty”, tenha se referido ao ministro Aloysio Nunes Ferreira, que não é diplomata de carreira, mas senador tucano em fim de carreira, e ao secretário-geral da Casa, o embaixador Marcos Galvão. Dois personagens com motivo para querer conquistar, digamos assim, a boa vontade do bolsonarismo.

Aos 73 anos, Aloysio Nunes é investigado por corrupção e, ao deixar o cargo, terá de encarar uma juíza em São Paulo. Se virar embaixador, não. Mantém foro amigo no Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz Gilmar Mendes. Corre no Itamaraty que reservou para si a embaixada em Paris, até fala melhor francês do que o inglês, por ter se escondido lá na ditadura militar que Bolsonaro venera.

Marcos Galvão, contracheque de 35 mil reais em agosto, é outro que pode esbarrar nesse muro. Em maio, o Senado aprovou-o para chefiar a missão brasileira na União Europeia. E se um governo Bolsonaro tiver outros planos para a UE?

Aloysio e Galvão deram certos sinais de bolsonarismo nos últimos tempos. Ao passar por Nova York, em setembro, para a Assembleia Geral anual da ONU, o tucano disse à BBC, tradicional agência britânica de notícias, que “não há o menor risco de retrocesso em matéria democrática”, caso o presidenciável do PSL fosse eleito.

Quando Bolsonaro foi esfaqueado, em 6 de setembro, o Itamaraty mandou uma circular urgente a embaixadas brasileiras com recomendações a respeito das costumeiras festas pelo Dia da Independência. CartaCapital obteve o texto.

“Em razão da consternação causada pelo atentado cometido na tarde de hoje contra o candidato do Partido Social Liberal à Presidência da República, Jair Bolsonaro, os postos no exterior deverão observar a devida sobriedade na realização dos eventos comemorativos de 7 de setembro. A título de exemplo, apresentações artísticas e musicais porventura programadas devem ser canceladas”, diz.

A facada em um presidenciável foi um fato inédito no País, mas, e se o alvo tivesse sido alguém do PT, o Itamaraty agiria igual? Quando uma caravana do ex-presidente Lula foi recebida a bala no Paraná, em abril, não houve informe às embaixadas.

A circular urgente foi assinada pelo gabinete de Aloysio e pela Secretaria Geral. CartaCapital apurou que a ideia e a redação partiram da secretária-geral, comandada por Galvão, e foram abraçadas pelo ministro. O tucano teria inclusive procurado um colega bolsonarista de Senado, o evangélico capixaba Magno Malta, do PR, para contar e o esfaqueado ficar sabendo.

Será que, com Ernesto Araújo, a quem deram aval para a campanha anti-PT e pró-Bolsonaro, Aloysio Nunes e Marcos Galvão conseguirão tocar a vida conforme seus planos pessoais? Mistério…