Stan Lee e os heróis por um mundo melhor

Está nos brinquedos no chão do quarto dos seus filhos. Está na tela do cinema. Está na sua estante de livros, agora numa edição de luxo, quando antes era papel barato de jornal. Stan Lee é parte do seu dia a dia, mesmo que você nunca tenha ouvido falar do roteirista e editor de histórias em quadrinhos, que foi responsável pela criação de alguns dos principais super-heróis da cultura pop e e que morreu na segunda-feira(12), aos 95 anos de idade.

Por Zé Wellington*

Stan Lee - Ilustração: Tainan Rocha/Quanta Academia de Artes

Tendo entrado para a editora Timely Comics em 1939, Stan conseguiu o emprego na função de assistente, por indicação de uma prima que era casada com o dono da empresa. Nascido com o nome de Stanley Martin Lieber, publicou sua primeira história em 1941, já assinando como Stan Lee. Neste mesmo ano ele assumiria como editor interino da editora, na época com menos de 19 anos.

Mas o período onde ele mais contribuiria para as histórias em quadrinhos só iria começar mesmo na década de 60. A pedido do dono da editora, Stan criou o Quarteto Fantástico, uma resposta da Marvel Comics, novo nome da Timely, ao sucesso da Liga da Justiça. Era o início de uma era de heróis mais humanos, que precisavam se equilibrar diariamente entre salvar o universo e o pagamento de suas contas. O exitoso início do Quarteto Fantástico fez com que Stan e vários parceiros criassem uma série de outros personagens, como Hulk, Homem de Ferro, Thor, Homem-Aranha e X-Men, num curtíssimo espaço de tempo. Ainda hoje há quem questione a participação de Stan nestas histórias, já que, para dar conta de tantas revistas por mês, o roteirista adotou um método em que enviava um resumo ao desenhista, que produzia toda a história e depois a devolvia apenas para que Lee colocasse os diálogos. O fato é que sua habilidade editorial fez com que a editora crescesse rapidamente. Em sua famosa coluna mensal nas revistas, “Stan's Soapbox”, o editor cunharia a expressão o que se tornaria uma de suas marcas registradas: “Excelsior!”.

Já afastado da Marvel, Stan assumiu o rosto público da editora, participando de eventos e, principalmente, fazendo um sem fim de participações especiais em produções de internet, videogames, televisão e cinema, quase sempre em momentos bem-humorados. Mas deve ter sido difícil para o roteirista manter este bom humor em sua vida pessoal nos últimos anos.

Em 1998 o roteirista fundou a Stan Lee Media, com o objetivo de criar conteúdo para a internet. Mas a empresa faliu em 2000, e o sócio de Stan, Peter Paul, fugiu para o Brasil, acusado de fraude financeira. Extraditado para os Estados Unidos, Paul foi julgado e condenado a dez anos de prisão. Depois disso, diversas empresas e investidores tentaram assumir o controle da Stan Lee Media, menos o próprio Stan Lee, que neste ponto já havia rompido todos os vínculos com a empresa.

Em julho de 2017, Stan perderia sua esposa, Joan Lee, com quem era casado deste 1947. Já no início de 2018, no meio do turbilhão de revelações de abusos sexuais na esteira das denúncias contra o ex-produtor Harvey Weinstein, Stan Lee também se veria denunciado por enfermeiras de um hospital e uma massagista. Em abril deste ano, Stan voltaria às manchetes, quando um site denunciou que Lee sofria abusos de sua única filha, J.C. Lee. Tudo parte de uma conspiração que unia a filha de Stan, advogados da família e cuidadores, que tentavam controlar suas propriedades e dinheiro. Ainda assim, Stan participava de eventos pelos Estados Unidos, de onde se ouviam relatos de seu desgaste físico e psicológico. Keya Morgan, que era cuidador de Stan, foi preso em Los Angeles sob a acusação de preencher um relatório policial falso e Stan fez as pazes com a filha, no que parecia ser o fim de um pesadelo em sua vida.

A notícia da morte de Stan Lee disparou um grande número de homenagens por todo mundo. Seja mostrando um Homem-Aranha preocupado com as responsabilidades de seus poderes, seja nas mensagens contra a discriminação nos quadrinhos dos X-Men, o legado do quadrinista trespassa todas as barreiras culturais do entretenimento mundial. Mais do que mero entretenimento, Stan sempre acreditou que seus heróis poderiam fazer o mundo um lugar melhor.

*Zé Wellington é sócio da agência de publicidade Convence, atua como quadrinista desde 2003, sendo o roteirista de Interludio, é vencedor do Troféu HQ MIX 2016 como Novo Talento Roteirista com Steampunk Ladies: Vingança a Vapor. Participa de coletâneas e revistas especializadas em literatura fantástica e quadrinhos. É colaborador e podcaster do sites Iradex e HQ Sem Roteiro.

Ilustração: Tainan Rocha/Quanta Academia de Artes