Ricardo Leitão: O ovo da serpente

Domingo, dia 7, Jair Bolsonaro será eleito para disputar o segundo turno da disputa presidencial. Nenhuma surpresa. Ainda assim as redes sociais ficarão congestionadas por protestos indignados contra o capitão da reserva do Exercito, há 28 anos um deputado federal obscuro, agora na iminência de suceder Michel Temer.

Por Ricardo Leitão*

ovo da serpente

Suponho que seus aliados retrucarão com o óbvio: Bolsonaro foi eleito dentro das regras democráticas, em pleito fiscalizado até por observadores internacionais. E, portanto, está legitimamente apto a disputar o segundo turno e empalmar a Presidência da república.

Não importa aos bolsonaristas que entre os milhões de votos recebidos por seu líder dezenas de milhares sejam de machistas, de racistas, de neonazistas, de xenofóbicos, de homofóbicos, de militaristas, de espancadores de mulheres. São votos. Na apuração das urnas não há distinções dessa ordem.

Mas, por que cidadãos de tão fina estampa prefeririam sufragar o capitão da reserva e não a cândida Marina Silva? Ganha um jantar à luz de velas com Donald Tramp quem tiver a resposta. Seu líder, com certeza, estará obrigado a atender suas reivindicações, em eventual governo. Estará entre elas a revogação da lei do feminicídio?

Jair Bolsonaro é uma tragédia por não ter opiniões minimamente consistentes, sobre o déficit fiscal, a reforma da Previdência, as questões trabalhistas, e os desafios da infraestrutura – entre outros pontos essenciais para o futuro do Brasil. Vitorioso no segundo turno, ele subirá a rampa do Palácio do Planalto sombreado pelo passado tenebroso mais recente do país: o dos ditadores, dos torturadores, dos censores, dos milagreiros econômicos durante os “anos de chumbo”.

Estarão derrotados não só dezenas de milhões que votarão contra ele, mas os que foram perseguidos, presos, torturados, exilados e e deram a vida na luta de resistência contra o Golpe de 1964.

É esse passado, ingenuamente tido como soterrado, que Jair Bolsonaro representa. Alguém ouviu palavras dele em defesa da democracia e da Constituição? Dele se ouviu, em rede nacional de televisão, apologia a um torturador no microfone do plenário do Congresso. Algum gesto em defesa de mulheres agredidas? Se viu, também pela televisão, dar um tapa em repórter (mulher, é claro) na Câmara dos Deputados.

Inspirador de ódio durante toda a campanha, perfila-se assim o homem que pretende governar um Brasil seccionado pela crise econômica, social e política. Um Brasil necessitado de unidade e não de mais confronto.

Jair Bolsonaro é uma ameaça à democracia que, ironicamente, permitiu sua escalada eleitoral. Supõe-se que não terá condições de mobilizar tanques e tropas para cercar o Congresso Nacional, prender e cassar adversários, no modelo clássico dos antigos golpes. Pelo novo modelo, a frágil democracia brasileira seria implodida de forma lenta, gradual e segura, com apoio de parlamentares temerosos e, se preciso, hordas paramilitares nas ruas. Catastrofismo? Não é o que ensina a turbulenta história política do Brasil.

É dever de todo democrata derrotar Jair Bolsonaro no segundo turno. O bolsonarismo, que desgraçadamente permanecerá, é uma facada no futuro. O bolsonarismo é o ovo da serpente que corrói as nossas esperanças.

*Ricardo Leitão é jornalista