"Moro adere ao desespero da direita", afirma Afrânio Jardim

O enésimo trecho da "delação" do ex-ministro Antonio Palocci que veio a público após o juiz Sérgio Moro decidir levantar o sigilo não causou o furor que a direita conservadora esperava. Seguindo o roteiro adotado pela revista Veja, com a famigerada capa às vésperas na eleição que dizia: "Eles sabiam de tudo"- estampando o rosto de Lula e Dilma –, Moro decepcionou quem esperava uma bomba nuclear.

Por Dayane Santos

Afrânio Jardim - Reprodução

O juiz tentou requentar as afirmações sem provas feitas por Palocci há meses. A grande mídia repetiu como se fosse novidade, mas o factoide já era conhecido. Palocci narra sua versão para histórias já exploradas à exaustão pelo Jornal Nacional, com números genéricos de supostos esquemas de financiamento eleitoral, medidas provisórias vendidas, mas não apresenta uma única prova ou sequer consegue detalhar quais, quando, por quem e por quanto.

Para o jurista e professor de Direito Processual Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Afrânio Silva Jardim, com a medida "Moro adere ao desespero da direita".

"O que dizer de um juiz que procede desta maneira?", questiona o jurista. "Seus atos são a mais absoluta negação do que lecionamos, em sala de aula, em relação aos princípios que fundamentam o nosso sistema processual penal acusatório", completa.

"Como falar em princípio da imparcialidade dos juízes diante destes comportamentos, tolerados pelos tribunais de nosso país? A minha revolta é muito grande mesmo", acrescentou Afrânio.

"Trata-se de uma sórdida tentativa de influenciar no processo eleitoral", acredita.


Em 2014, a Veja antecipou a divulgação de sua capa atacando Lula e Dilma às vésperas da eleição

A manchete que Moro e a direita acreditavam que seria bombástica eles arrancaram de Palocci em troca de alguns benefícios. Ele repetiu o mantra da Lava Jato: Lula e o PT comandaram o maior esquema de corrupção na história. Como na Lava Jato basta afirmar, não precisa provar, tudo seria como em 2014.

Mas como ele pode afirmar tudo isso e não provar, se ele era o homem de confiança de Lula, como aponta os procuradores de Curitiba? Como não tem sequer uma prova, uma email que seja índicio de suas acusações? Se ele coordenou as campanhas e era o homem forte do esquema junto às empreiteiras, como não tem provas e suas afirmações?

Nem mesmo o Ministério Público Federal (MPF) aceitou a sua delação e se recusou a fechar o acordo, justamente porque Palocci fala o que a Lava Jato quer, mas não em um indício que possa criar lastro entre o que diz e os fatos.

Vale destacar que os procuradores da Lava Jato em Curitiba já admitiram que não precisam de provas, basta a convicção. Portanto, o que Palocci apresenta não se sustenta, nem mesmo para as convicções dos acusadores.

A ação de Moro pode favorecer a queda de braço entre a o Ministério Público e a Polícia Federal, que fechou o acordo. O MP é contra a autorização de PF fechar delações.

O desembargador João Pedro Gebran, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4), deu três meses à PF para obter e apresentar provas dos crimes obtidas por meio da delação.

Segundo matéria publicada pelo Jornal GGN, a quebra do sigilo do trecho da delação contrariou todas as determinações do TRF-4 na homologação, feita em junho deste ano, e também todas as regras acertadas no Termo do Acordo assinado pela Polícia Federal.

De acordo com a matéria de Patrícia Faermann, do GGN, Gebran autoriza que o sigilo possa ser quebrado pelos juízes da primeira instância de Curitiba, mas com a condição de observar "o disposto no artigo 7º, §3º, da Lei nº 12.850/2013 e no parágrafo primeiro da Cláusula 14ª do Termo de Acordo".

A lei mencionada é a que "define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento crimina".

"O artigo tratado por Gebran estabelece que "o pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto". E, em seu parágrafo terceiro, diz que "o acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5o.", destaca o trecho da matéria.

E acrescenta: "Entretanto, a delação de Antonio Palocci foi assinada no fim de abril deste ano, exclusivamente com a Polícia Federal, e ainda não foi usada pelo juiz Sérgio Moro para validar ou como meio de prova para alguma ação penal. Tampouco o Ministério Público acrescentou estes dados de Palocci, fornecidos à PF, em nenhuma denúncia encaminhada a Moro. Dessa forma, o acordo precisaria ser mantido em sigilo, até que tais trechos fossem efetivamente usados em alguma denúncia aceita por Moro".

"Delação" que serve a campanha tucana

Demonstrando que a quebra do sigilo da delação sem provas visa apenas influenciar na eleições, o candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, decidiu usar as declarações de Palocci na propaganda partidária na TV a partir desta terça-feira (2). O desespero do tucano é porque patina nas pesquisas em quarto lugar, sem dar sinais de que possa chegar ao segundo turno.

A campanha do Alckmin vai dizer: "Escândalo. Comprovado o que o Brasil tinha certeza. Lula sabia de tudo. A delação de Palocci mostrou que Lula sabia da corrupção na Petrobrás desde 2007".

"Propina para a campanha de Dilma foi acertada por Lula em reunião. Um país feliz de novo, só se for para os corruptos. Se o PT voltar a corrupção vai continuar", diz a campanha do tucano.