Mulheres unidas são maiores que uma ameaça de infelicidade

"Quando as mulheres se juntam são mais do que uma ditadura ou maiores que uma ameaça de infelicidade"

Por Demitri Túlio*

Mulheres pela democracia Henfil - Ilustração: Henfil

Pode ser que esteja nascendo, e vá crescer mais ainda, um movimento semelhante encabeçado pelas mulheres de quando se juntaram para querer saber dos filhos, companheiros e amigos desaparecidos pela ditadura militar (1964-1985).

Do mesmo naipe das que encabeçaram a briga pela Anistia dos exilados e das Diretas Já. As mulheres, protagonizaram, principalmente quando foi hora de reivindicar a volta do exílio e a busca pelos sumidos políticos.

Falo da maré que está subindo e que corre o corpo nas redes sociais por onde perambulo virtualmente. É a oposição ao voto e às ideias do candidato a presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.

O Instagram e o WhatsApp estão se inundando com palavras de ordem do tipo "Mulheres unidas contra Bolsonaro". E Mafalda, tão anos 70, sustenta um cartaz. "Não voto em homem que não respeita mulher"… E outras.

Aqui em Fortaleza, porque somos ruins de memória, algumas mulheres tiveram a coragem de desafiar o que estava posto e foram para cima do que era autoritário e poderia causar mais agonia.

A ditadura ainda reinava quando o espírito de gente como tia Rita, Rosa da Fonseca, Maria Luiza, Célia Zanetti, Luiza Gurjão, Tânia Gurjão e muitas outras deixaram suas vidas de lado e foram mudar interrogações. Há mais de uma centena, perdão pela falta de citação.

Melhor dizendo, não deixaram suas vidas não. Deram outro sentido e terminaram seres mais coletivos, para além da casa de rua de cada uma. Tia Rita não tinha parentes nem filhos sumidos na vala comum do regime dos generais.

Arrumou o matulão, avisou aos filhos vivos e livres que iria com outras mulheres para o Araguaia e por onde fosse e tivesse de ir.

Parece que nasceu pr'aquilo. Ir atrás de ser feliz num país que merecia delicadeza e verdade.

Andei perto, já repórter maduro, de dona Luíza Gurjão. E mais ainda de Tânia – sua filha e irmã de Bergson Gurjão. O guerrilheiro que foi morto, enterrado e sumido sem direito a um velório em família. Entre 1972 e até 2006…

Numa guerra, até os inimigos, devem respeitar o corpo do abatido.

Ainda mais numa guerrilha desigual. Não fosse assim, o guerreiro Aquiles não teria concedido a Príamo – pai de Heitor – que levasse o corpo do filho para honrá-lo.

Tânia, para mim, foi todos os poderes femininos juntos. E lá atrás! Num tempo bem mais difícil e na beira da morte, da tortura e do desaparecimento. Sem redes sociais do jeito que são hoje e uma Kombi naquele tempo. Para cima e para baixo.

É quase, também, como Nildes Alencar. A irmã amada de frei Tito. Ou bem mais longe, a alma de dona Bárbara de Alencar… Ou dona Maria Lourdes, mãe dos irmãos Albuquerque. Há vários exemplos…

Dona Luíza Gurjão (foto), aos 96 anos, esperou o filho Bergson até ele voltar. Não voltou cantando Noel, perguntado com que roupa iria quando foi… Mas veio para fechar um ciclo com a mãe. Pouco meses depois, ela também se foi. E, depois, inesperadamente, Tânia.

Quando as mulheres se juntam são mais do que uma ditadura ou maiores que uma ameaça de infelicidade.