Grazielle: Reduzir desigualdade passa por reforma tributária

Combater a desigualdade passa por aumentar gastos sociais e promover uma reforma tributária que reduza os impostos indiretos e amplie a tributação direta. A avaliação é de Grazielle David, especialista em orçamento público e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc. Em entrevista ao Vermelho, ela criticou a política de austeridade levada adiante pelo atual governo e defendida por alguns candidatos à Presidência e apontou seus perversos impactos sociais.

Por Joana Rozowykwiat

grazielle david

O Brasil é o 10 º país mais desigual do mundo, num ranking com mais 140 países. Embora a Constituição brasileira contenha mecanismos para combater esse problema, muitas vezes a política fiscal em curso vai no sentido oposto. É o que acontece quando o governo decide fazer um ajuste fiscal como o promovido pela gestão Michel Temer.

“Conseguimos enxergar que gastos sociais reduzem a desigualdade, mas o governo faz uma escolha oposta. Em vez de continuar investindo e produzindo redução de desigualdade – o que inclusive auxilia na retomada do crescimento – [o governo] coloca um teto de gastos, com uma série de efeitos sobre as políticas sociais”, apontou, referindo-se à Emenda Constitucional 95, que estabeleceu que os gastos primários do governo não poderão crescer acima da inflação por 20 anos.

Grazielle é uma das autoras do livro “Economia para Poucos”, organizado pelos economistas Pedro Rossi, Esther Dweck e Ana Luiza Matos de Oliveira. A publicação, da editora Autonomia Literária, analisa os efeitos da austeridade sobre os direitos sociais e propõe alternativas para o Brasil. O documento Austeridade e Retrocesso – impactos sociais da política fiscal no Brasil faz um resumo do conteúdo do livro e pode ser acessado aqui.

Na entrevista ao Vermelho, Grazielle citou algumas consequências já visíveis desde a aprovação do teto de gastos. “Na saúde, a vigilância sanitária foi a área mais afetada. Às vezes as pessoas têm dúvidas, dizem que não usam o sistema de saúde, mas cada vez que você vai numa farmácia, num restaurante, numa padaria comprar um pão, você está usando o SUS, porque vigilância sanitária é SUS e é onde está havendo o maior corte”, disse.

Outra área bastante afetada com a redução de recursos é a vigilância epidemiológica. “Qual foi uma crise recente que a gente teve? Zica, dengue. Se a gente não tem recursos para vigilância epidemiológica, os riscos são extremamente altos”, lamentou.

A assessora do Inesc destacou também que, na questão ambiental, há uma relação direta e clara: “Corte orçamentário corresponde a desmatamento na Amazônia”.

No que diz respeito às políticas para as mulheres, o corte de recursos foi dramático. De 2014 a 2017, houve corte de 68% nas políticas para mulheres e redução de 25% nos serviços especializados para mulheres. “Enquanto a violência contra a mulher tem aumentado, os recursos têm diminuído e os serviços para atendê-las também”, condenou.

Grazielle desconstruiu o mito de que a austeridade fiscal é a única alternativa para equilibrar as contas do país. “A austeridade está muito relacionada ao discurso do medo. Fazer corte não é o único caminho, pelo contrário. Existem sim alternativas. Há série de indicativos de que, se a gente amplia o gasto social, a gente tem um retorno não só social, mas econômicos. Se você aplica R$1,00 em educação, você tem um retorno no PIB de R$1,85. Se aplica R$1,00 em saúde, tem retorno de R$1,35”

Além do investimento social, ela mencionou outras saídas que não passam pela redução dos gastos, mas pelo aumento da receita. Um exemplo é a reforma tributária. Grazielle integra o movimento Reforma Tributária Solidária, que propõe mudanças no sentido de diminuir desigualdades e melhorar a arrecadação.

Uma das propostas é tributar não só as rendas do trabalho, como as rendas do capital, acabando com a isenção da taxação sobre lucros e dividendos, que beneficia os mais ricos. “É inviável que o trabalho seja taxado no Imposto de Renda e as rendas do capital não sejam. É injusto”, afirmou.

Outra medida que ela sugere é ampliação da faixa de isentos do Imposto de Renda. “Como a ideia é taxar lucros e dividendos, isso vai aumentar a arrecadação, cobrando de menos pessoas, mas que têm muito mais dinheiro e que hoje não estão colaborando de acordo com a sua capacidade contributiva”, resumiu.

Com a proximidade das eleições presidenciais, ela avaliou a proposta de simplificação tributária defendida por diversos candidatos da direita e centro-direita. Tais postulantes propõem a criação de um imposto único, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que agregaria diversos tributos existentes hoje. “A simplificação tributária não é ruim, mas é insuficiente”, disse.

Segundo ela, essa iniciativa não enfrenta a questão crucial, que é a desigualdade. Além disso, as contribuições que serão extintas estão constitucionalmente vinculadas ao financiamento da Previdência Social, por exemplo. Eliminá-las para criar o IVA pode acabar com o financiamento da proteção social, assim como também pode exigir mais cortes nas áreas sociais.

“Num momento de déficit, de crise, se vou simplificar e reduzir a carga tributária e a arrecadação, então isso vai exigir mais cortes. A lógica da simplificação está ligada à lógica da austeridade. Por isso que só simplificar não é suficiente. E nem tem espaço fiscal para fazer mais corte. Para cortar mais, precisa quebrar uma série de vinculações obrigatórias, como o custeio de políticas essenciais de saúde, educação, previdência. É essa a lógica que a gente quer seguir? Acho que não. A maioria da população, pelas pesquisas eleitorais, tem apontado que não é esse modelo de estado que quer”.

Para Grazielle, os candidatos devem se comprometer com a revogação da EC-95. “Se o candidato falar que é a favor de revogar o teto dos gastos, a gente pode continuar a conversa. Se falar ‘não sou a favor’, a gente nem escuta mais. Porque é inviável não reconhecer que essa medida torna o país ingovernável. Ou a pessoa vai ter que admitir que não concorda com a Constituição e com os direitos ali inscritos ou que não concorda com o teto dos gastos. É uma questão séria colocada hoje no debate eleitoral”, defendeu.

A especialista em orçamento público também ressaltou que rever gastos tributários (isenções, desonerações, etc) é uma alternativa à austeridade. Ela mencionou que o Brasil tem hoje o dobro do gasto tributário que o resto do mundo. Na sua avaliação, é preciso identificar os benefícios que são bons, mas hoje não há transparência quanto a isso. É nesse sentido que o Inesc está lançando a campanha #SóAcreditoVendo, que pede transparência no processo de concessão de incentivos fiscais.

Confira abaixo a entrevista completa: