Recife: Secretaria da Mulher quer recorte de gênero no Plano Diretor 

A iniciativa da Secretaria da Mulher do Recife de apresentar propostas ao Plano Diretor da cidade sob a ótica do recorte de gênero trouxe ao debate uma leitura pioneira quando se trata de políticas públicas urbanas. Sob esse viés, as propostas da Secretaria da Mulher incluem, para debate, questões como iluminação pública, saneamento básico, equipamentos de serviços e lazer e segurança pública.  

Cida Pedrosa: Por Marielle, Margarida, Dorothy - Divulgação

Tudo à luz das necessidades específicas das mulheres, mas que trarão benefícios ao conjunto da população da cidade. O Plano Diretor é parte do Plano de Mobilidade do Recife, em discussão, e sua revisão periódica está prevista na Lei Federal 10.257/01, o Estatuto da Cidade, assim como na Lei Municipal 15.547/91.

Em reportagem sobre o assunto publicada pela Folha de Pernambuco, a secretária da Mulher do Recife, Cida Pedrosa (PCdoB-PE), explica a importância de se debater o recorte de gênero neste momento de revisão do Plano Diretor da cidade. O texto é de Mirella Araújo, da Folha de Pernambuco.

Leia abaixo.

“Em uma cidade majoritariamente feminina, nada mais justo do que realizar um recorte de gênero dentro das diretrizes que norteiam a política urbana do Plano Diretor do Recife. A capital pernambucana possui 1.633.697 pessoas, segundo o IBGE, sendo 54% desse quantitativo do sexo feminino. Baseado nesse percentual e na necessidade cada vez mais urgente de trabalhar pela igualdade de gênero, a Secretaria Municipal da Mulher colheu diversas propostas para serem debatidas dentro da revisão do Plano Diretor do Recife. Entre os pleitos ouvidos pela pasta, por meio de escutas populares e debates com movimentos sociais e feministas, está o mapeamento das áreas subutilizadas para ocupá-las com praças, postos de saúde e creches – esta última é um dos itens mais pleiteados.

“Não conheço uma mulher que se sinta segura ao passar por uma rua onde casas e espaços estejam desocupados. Essa é uma questão de segurança e prevenção à violência contra a mulher, seja física ou sexual. Nós vimos na revisão do Plano Diretor do Recife uma grande oportunidade para incluirmos a perspectiva de gênero e igualdade, pois apesar de termos uma cidade com mais mulheres, quando você vai para a discussão das políticas públicas e de desenvolvimento urbano elas nunca participam ou, no máximo, são ouvidas pontualmente", afirmou a secretária da Mulher, Cida Pedrosa.


Centro do Recife

A importância de inserir o olhar sob a perspectiva feminina é exemplificada por Cida por meio do Plano de Mobilidade do Recife, que está em fase de finalização. “No plano, há uma pesquisa que mostra que a locomoção feminina não é pendular, ou seja, as mulheres não se locomovem simplesmente de casa para o trabalho e do trabalho para casa”, explicou.

“Isso quer dizer que o roteiro percorrido pelas mulheres em seu cotidiano é diferente do dos homens. Elas fazem até quatro viagens, seja de casa para o trabalho, ou para escola dos filhos, para supermercados ou hospitais e, em sua maioria, por meio do transporte público. Muitos movimentos sociais e feministas, inclusive, defendem que pensar na melhoria desse transporte não é incentivar a segregação de gênero, como no caso da tentativa de implementar os vagões rosa nos metrôs, mas fazer com que o sistema seja útil também para as mulheres”.

Medo do escuro

A iluminação pública é outro ponto a ser repensado quando se trata de urbanização, e que pode ser discutido na revisão do Plano Diretor do Recife. Se pararmos para observar, na condição de pedestres, o direcionamento da luz está sempre para a via – leia-se automóveis – e não para a calçada. Uma das sugestões elencadas pela secretaria é justamente a melhoria dessa iluminação pública na altura do pedestre e nas paradas de ônibus, principalmente, já que muitas mulheres afirmam desviar o trajeto por conta dos riscos que as ruas escuras representam.

Uma das ferramentas que podem ajudar a implantar essa readequação do espaço urbano seria a Operação Urbana Consorciada (OUC), que é quando o Poder Público, em consórcio com a iniciativa privada, faz intervenções pontuais em uma determinada área. No Recife, chegou a ser aprovada a Lei Nº 17.645/2010 para Ilha de Joana Bezerra, mas ela nunca foi efetivada. Cabe a esse instrumento urbanístico fazer uma nova distribuição de uso nas localidades permitidas. No entanto, seria necessário considerar as demandas de cada comunidade antes de decidir sobre o que empreender nesses espaços.

“Quando essa temática normalmente vai ser discutida, a conta que se faz é: edificação, saneamento das vias e, no máximo, iluminação e uma área verde para o local. O que queremos é incluir nisso tudo a perspectiva das mulheres”, disse Cida Pedrosa. Ela enfatiza ainda que “por se tratar de OUC, essa intervenção poderia levar em consideração, por exemplo, a ampliação de creches e escolas e o combate ao uso indevido de alguns espaços públicos”.

Para Mônica Oliveira, da Rede de Mulheres Negras, "uma parcela feminina tem dificuldades de ser inserida no mercado de trabalho porque não tem onde deixar seus filhos. Há um déficit de creches muito grande no Recife e esse cenário se destaca muito entre mulheres negras e de baixa renda".

Hoje, a Secretaria de Educação do Recife atende 17.881 crianças entre zero e cinco anos na rede de ensino e, deste total, 5.898 são crianças de zero a três anos, atendidas em horário integral. Entretanto, há uma fila de espera de cerca de 1.500 crianças que precisam ser atendidas, a maioria na faixa de zero a três anos e, mesmo com a construção de mais quatro creches na rede própria, esse déficit ainda não seria sanado.

Segundo Ana Rúbia Ferraz, mestranda em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é fundamental ter o olhar das mulheres sobre o futuro da cidade. “É a primeira vez que esse recorte é feito dentro de um Plano Diretor. Nosso deslocamento é diferente do homem, a questão da segurança também é diferente. Uma cidade melhor para as mulheres é uma cidade melhor para todos”, destaca”.

Publicado na Folha de Pernambuco edição do dia 07/08/2018.