Zelma Madeira: Reedição do escravismo sem vergonha e sem remorso

"Cocielo isenta-se de qualquer responsabilidade pelos problemas sociais do/as negro/as. Sua mentalidade e atitudes são norteadas pelo ‘culturalismo racista’ predominante no Brasil, fruto de um passado criminoso da escravidão que deixou marcas profundas na atualidade, ao moldar e direcionar comportamentos presentes nas instituições fundamentais como família, escola, mercado de trabalho, política, justiça e outros”.

Por Zelma Madeira*

racismo no futebol

A escravidão no Brasil foi um sistema cujo modo de produzir colonial permitia o tratamento de negro/as como objetos, a superexploração do trabalho, marcado pela desumanização jamais conhecida na história da humanidade. Como último país a abolir a escravidão mercantil, contou com escravizados por todo o imenso território, caracterizando-se pela violência extrema e perversidade.

O escravismo não se transformou apenas num sistema econômico, mas também forjou mentalidades, afetou conceitos, moldou jeito de ser na sociedade por meio dos significados, símbolos e linguagens que subalterniza até hoje os descendentes dos escravizados. Essa formação econômica, social, cultural e política nunca foi desestruturada, perpetua-se de diferentes formas, retratada pelas persistentes desigualdades sociorraciais e por atitudes naturalizadas do racismo. Racismo esse estruturante da modernidade e obstáculo à igualdade.

No cenário da Copa do Mundo o youtuber Júlio Cocielo fez piadas racistas, algo já costumeiro nos seus comentários, nos vídeos considerados engraçados pelos milhões dos seus seguidores nas redes sociais. Fez declarações racistas contra o atacante negro do futebol francês – “Mbappé conseguiria fazer uns arrastão top na praia hein”. Ao se justificar, diante das acusações, afirmou que se referia à velocidade do jogador devido a um lance do jogo, apenas isso. Atitude como essa, discrimina, inferioriza e reforça opressões, naturaliza referências negativas de um grupo racial considerado destituído de ética e de moral para ser incorporado à nação.

Cocielo isenta-se de qualquer responsabilidade pelos problemas sociais do/as negro/as. Sua mentalidade e atitudes são norteadas pelo “culturalismo racista” predominante no Brasil, fruto de um passado criminoso da escravidão que deixou marcas profundas na atualidade, ao moldar e direcionar comportamentos presentes nas instituições fundamentais como família, escola, mercado de trabalho, política, justiça e outros. Portanto, não dá para ver os seus comentários sem ser tomado por um sentimento de vergonha e remorso.

* Zelma Madeira é coordenadora Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial; professora do curso de Mestrado em Serviço Social, Trabalho e Questão Social da Uece.

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