Merkel cede para salvar governo alemão

A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel (CDU) e seu ministro do Interior, Horst Seehofer, concordaram após uma reunião ocorrida na segunda-feira (2) em estabelecer um “novo regime na fronteira” entre Alemanha e Áustria; com isso, Merkel salva a coalizão de governo

Por Alessandra Monterastelli *

Horst e Merkel

Merkel e o ministro do interior da Alemanha, pertencente à União Social Cristã (partido da Baviera historicamente aliado da União Democratica Cristã- CDU), Seehofer, concordaram na segunda (2) em estabelecer um “novo regime na fronteira” entre Alemanha e Áustria, com a criação de centros de trânsito para migrantes e alocar requerentes de refúgio já registrados em outros países da UE.

Funcionará da seguinte maneira: os requerentes de asilo cujos processos estão sob a responsabilidade de outros países da UE terão a sua entrada recusada na Áustria e na Alemanha e serão encaminhadas para os países que retém seus pedidos. O julgamento dos casos acontecerá em "centros de trânsito", colocados na fronteira. Merkel temia o fechamento unilateral das fronteiras da Alemanha, o que colocaria em risco a política de livre circulação do bloco caso outros países europeus seguissem o exemplo.

Apesar da decisão tomada, ambos ainda devem negociar com o Partido Social Democrata (SPD), outro partido que faz parte da coalizão governista (composta pela CDU, CSU e SPD) e que precisa aprovar o acordo. Endurecer a política de recepção aos migrantes e acabar com a migração secundária são temas que Merkel está enfrentando com prioridade por se tratar de sobrevivência do seu governo.

O começo da tensão

No início de junho, a Itália (agora com um governo populista e de extrema-direita anti-imigração) se recusou a receber um barco com cerca de 630 imigrantes, o Aquarius, que posteriormente foi recebido pela Espanha (agora com um governo socialista). O acontecimento reaqueceu o debate sobre a imigração entre os países europeus, que agora não é mais uma crise migratória, e sim política. 

Angela Merkel sempre foi a favor de uma politica de abertura das fronteiras alemãs para a entrada de imigrantes, até receber um últimato de Seehofer: ou a chanceler deveria promover um acordo comum em Bruxelas para que a entrada de migrantes e refugiados na Europa fosse coordenada entre todos os membros da UE (algo que ela já planejava), além de estabelecer um "limite máximo" de acolhimento de refugiados, ou ele, como ministro do Interior, daria ordens para que os refugiados cujos processos foram feitos em outros países europeus sejam proibidos de entrar na Alemanha. Semanas antes, Seehofer concordou em colocar a Alemanha em um "eixo" contra a imigração, junto com a Itália e a Áustria (ambos com governos de extrema-direita).

Existe um motivo para a pressa de Seehofer. O ministro se candidatará para as eleições reginais no segundo semestre e teme perder a hegemonia de 61 anos para o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que nas eleições de setembro de 2017 conquistou 12% dos votos e ganhou espaço no parlamento- além de causar certo receio entre todos os outros partidos. Em 2017 a CSU registrou seu pior resultado em décadas (assim como o Partido Social Democrata- SPD), reunindo 38% dos votos na Baviera, contra 10% da AfD, que possui um discurso fortemente xenófobo.

O clima piorou ainda mais quando o SPD (que decidiu participar da coalizão para conseguir implementar políticas mais à esquerda), contrário a ameaça da CSU, pressionou Merkel a romper com o partido da Baviera. 

O ministro do Interior chegou a pedir sua demissão por considerar que os acordos europeus alcançados na cúpula europeia dos dias 28 e 29 não respondem às suas exigências, mas voltou atrás após outros responsáveis no seu partido declararem que os resultados da reunião europeia foram suficientes.

Financiamento e crise política

A União Europeia destinará 25 milhões de euros para a Espanha melhorar sua capacidade de recepção de migrantes que chegam pelo mar Mediterrâneo. Com o fechamento dos portos de outros países europeus, principalmente o da Itália, a Espanha se tornou o principal porto de entrada na Europa.

O debate sobre a questão migratória na Europa está mais tenso à medida que diminui a chegada de migrantes, evidênciando que se tratan na verdade, de uma crise política. O número de pessoas que passou pelas fronteiras europeias era de 1,8 milhões em 2015, e passou para 205 mil em 2018. 

A entrada de imigrantes vem diminuindo com o passar do tempo, mas o pensamento xenófobo e populista na Europa (que se aproveitou da crise econômica e do alto fluxo de refugiados em 2015 para ganhar espaço na opinião pública)- só aumenta. Os partidos de extrema-direita já ganharam os governos da Itália, Áustria, Hungria, Eslovênia, Ucrânia e Polônia, além de ter crescido muito na Alemanha.