“Transferir exploração do pré-sal é transferir soberania”

Aprovado nesta quarta (20) pela Câmara, o projeto 8.939/2017 – que permite à Petrobras transferir a outras empresas até 70% dos direitos de exploração de áreas do pré-sal sob o regime de cessão onerosa – é um ataque à soberania do país. A avaliação é de Divanilton Pereira, da Federação Única dos Petroleiros (FUP). Para ele, a mudança só beneficia as multinacionais.

Por Joana Rozowykwiat

Câmara aprova entrega de royalties do pré-sal - Renato Moreira/Agência Petrobras

Segundo o petroleiro, as empresas que assumirem a titularidade da operação que deveria ser da Petrobras não terão compromisso com um projeto de desenvolvimento nacional.

“Essas empresas já virão com seus engenheiros, geólogos e profissionais de alta especialização. Aqui, ficará o emprego para o cara que aperta o botão, que limpa, para os profissionais com baixa remuneração. Por isso falo que é uma transferência de soberania. Ao transferir a titularidade, a cadeia de desenvolvimento vai acontecer no país matriz, não no Brasil”, apontou.

O histórico

Divanilton resgatou que, após a descoberta do pré-sal pela Petrobras, alguns impasses a respeito da exploração dos campos surgiram. Um deles era o fato de que a Petrobras não tinha recursos para dar conta de tamanha demanda. Teve início então o processo de capitalização da estatal.

As reservas descobertas pertenciam à União. Então, em 2010, foi feito um contrato de cessão onerosa, pelo qual a União cedia à Petrobras o acesso para explorar 5 bilhões de barris de petróleo no pré-sal da Bacia de Santos. Em troca, a Petrobras pagou ao governo em ações, que somavam R$ 74,8 bilhões. “Com isso, ganhou o povo, porque a participação do governo na estatal aumentou”, analisou o petroleiro.

Ele destacou que o extenso contrato, de cerca de 80 páginas, envolveu diversas áreas do governo e foi homologado pelo Congresso Federal, após longo debate. E estabeleceu condições especiais para que a Petrobras pudesse operar as reservas do pré-sal. Não seria preciso, por exemplo, pagar a participação especial – calculada hoje, de acordo com a Carta Capital, em algo entre 25% e 32% do preço do petróleo vendido.

Ocorre que, no decorrer do processo, a petroleira descobriu que não havia ali apenas 5 bilhões de barris petróleo, era possível extrair até 16 bilhões de barris de petróleo. O governo poderia então fazer um leilão voltado à exploração desse excedente, mas, em 2014, optou por contratar a Petrobras para fazer essa atividade, o que findou sendo questionado pelo Tribunal de Contas da União e paralisando a operação.

“A Petrobras já estava desenvolvendo a atividade, já tinha o know how, e isso significaria custos menores – ou seja, mais retorno para a União –, além de que nada era mais natural de que reservas dessa magnitude serem operadas por uma empresa estatal”, justificou o dirigente da FUP.

O entreguismo

Com a mudança no ambiente político e na estratégia da Petrobras, após o golpe de 2016, surgiu o projeto que autoriza a Petrobras a repartir essa fatia da cessão onerosa com outras empresas em até 70%, com participação obrigatória da estatal em 30%. O que exceder os 5 bilhões de barris, de acordo com o texto aprovado na quarta, será objeto de licitação.

Trata-se de terceirizar a exploração de uma das maiores descobertas do planeta nos últimos 30 anos. Os riscos envolvidos no processo de descoberta do pré-sal foram assumidos pelos brasileiros; os ganhos oriundos da exploração do petróleo nesses campos podem ficar para os estrangeiros.

“Nem três Odebrecht conseguiriam perfurar as reservas de pré-sal. Então são as grandes multinacionais do petróleo que vão ganhar. Apesar de todos os esforços dos brasileiros para descobrir as reservas, você vai entregá-lo de bandeja para os estrangeiros. É muito grave, porque não estamos falando de uma licitação, com disputa, estamos falando de uma transferência, à mercê apenas de uma vontade política”, criticou o petroleiro.

De acordo com ele, o fato de o projeto ter tramitado em caráter de urgência não permitiu o necessário debate sobre o tema. “A maioria dos parlamentares votou por pressão, não sabe nem por quê”, opinou.

As consequências

Para o petroleiro, as consequências para o pais serão desastrosas. “Transferir a titularidade [da operação], implica transferir o domínio tecnológico, transferir empregos de maior qualidade e intensificar um processo no qual o petróleo brasileiro é exportado cru e processado em outros países. Então é uma transferência de soberania. Em geral, as disputas de petróleo se resolvem em guerras. Aqui, um golpe está dando essa oportunidade de mão beijada ao capital financeiro”, lamentou.

Ele destacou ainda que, para dar maior competitividade à Petrobras, o contrato de cessão onerosa concedeu alguns benefícios à estatal. Agora, essa prerrogativa, que era de uma empresa do Estado brasileiro, estratégica para o país, poderá ser usufruída por multinacionais.

No regime de cessão onerosa, por exemplo, a União só recebe royalties de 10% sob a produção. A taxação é muito inferior à do regime de partilha, onde se paga 15% de royalties e mais parte indefinida do óleo lucro.

Divanilton defendeu que o projeto aprovado vai na contramão da estratégia em curso nos governos do PT, que era a de entregar ao Estado o desenvolvimento estratégico do pré-sal.

“A estratégia anterior era de desenvolver e processar o petróleo no Brasil. Então tinha investimentos em escolas técnicas, em universalidades, se impulsionava a cadeia produtiva, dos fornecedores de equipamentos, tinha uma política de conteúdo local, que estimulava estrategicamente o setor industrial e de serviços, contribuindo com a luta contra a precoce desindustrialização do Brasil”, afirma.

Segundo o dirigente da FUP, a diretriz atual é a de apenas extrair e exportar o petróleo cru, gerando renda, tecnologia e empregos de maior qualidade nas empresas que vão refinar o petróleo fora do país. “E depois nós vamos comprar nosso petróleo de volta, só que dolarizado”, resumiu, em uma referência a algo que já está sendo sentido no bolso dos consumidores brasileiros.