A greve dos caminhoneiros e os riscos de um caos anunciado

A quase total paralisação do país, provocada pela greve dos caminhoneiros, expõe o desgoverno do Estado brasileiro. Já tendo inscrito seu lugar na história como um dos maiores movimentos de trabalhadores, a greve que conta com um alto índice de adesão da categoria e apoio popular extrapola o âmbito específico de uma pauta localizada em um interesse corporativo e expõe a inépcia do governo golpista e a fragilidade de seu danoso projeto de poder.

Maria Valéria Duarte de Souza*

greve caminhoneiros - Foto: Mauro Pimentel/ AFP

Além desse aspecto, a greve dos caminhoneiros expõe também outras questões. A primeira delas é a fragilidade de um sistema que concentra grande parte do transporte de cargas do país em uma única modalidade de transporte. E, o mais grave: uma modalidade de transporte que é operado por uma das mais exploradas categorias de trabalhadores – os caminhoneiros – que , não é de hoje, realizam frequentes protestos contra as condições degradantes de trabalho, as longas jornadas, a insegurança nas estradas, os baixos preços pagos pelos fretes e o alto preço do combustível que deflagrou o movimento.

Os caminhoneiros sabem que o descalabro no preço dos combustíveis decorre de uma política empreendida por Temer, embora a categoria não tenha dado a devida importância ao fato de que o agente dessa política é Pedro Parente, atual presidente da Petrobrás e o responsável pela tentativa de transforma-la em uma empresa voltada exclusivamente para a garantir os dividendos de seus acionistas e não para as reais necessidades do país.

Ao ignorar essa questão fundamental e que é a causa dos aumentos praticamente diários dos combustíveis, a categoria abre espaço para concepções equivocadas como a que atribui a culpa dos aumentos nos preços ao caráter público da Petrobrás, retomando assim a pauta privatista, ou à corrupção que é atribuída indistintamente à toda a classe política . Essas concepções são facilmente encampadas pelo ideário da extrema direita que tem se infiltrado no movimento e apostando no caos social como fundamento e justificativa para uma intervenção militar. Embora não possuindo a homogeneidade que aparenta ter, alguns setores da categoria assumem claramente uma pauta conservadora na qual colocam em xeque as instituições democráticas. Algo preocupante em se tratando de uma categoria que possui importância estratégica no abastecimento, na logística e na infraestrutura do país e que, por isso, sabe a força que tem.

Não cabe aqui abrir a discussão sobre as razões pelas quais esta categoria é marcada por esse conservadorismo que, em alguns casos, resvala claramente para a extrema-direita mais raivosa. As razões são múltiplas e complexas . Uma categoria numerosa, mas dispersa por todo o território nacional, e realizando um trabalho na maioria das vezes solitário, torna difícil a construção de uma consciência política que aponte para uma perspectiva de entendimento sobre as causas de suas duras condições de trabalho. De qualquer modo, é necessário que as forças de esquerda e o campo progressista como um todo possam refletir, a partir dessa greve, sobre as razões pelas quais possui presença frágil – ou completa ausência – nas lutas de uma categoria de trabalhadores tão fundamental para o país.

O fato é que, diante da absurda incapacidade demonstrada pelo governo de encontrar uma saída negociada para os impasses colocados pela greve dos caminhoneiros, abre-se um campo perigoso de instrumentalização de todo o processo de paralisação por grupos oportunistas que queiram aproveitar o clima de instabilidade para comprometer o processo democrático. Em um ano de eleições cruciais para definir o que será o Brasil a partir de 2019; eleições nas quais a centro-direita encontra-se perdida por não conseguir apresentar uma candidatura consistente, não é remota a possibilidade de um desfecho fora da democracia. Falando mais claro: um desfecho que leve a não realização das eleições previstas para outubro próximo, mergulhando o país na incerteza.

Em um cenário tão inquietante, não há como não recordar os fatos passados no Chile em 1973 quando uma greve de caminhoneiros atuou como estopim do golpe de derrubou o presidente Allende e instaurou a ditadura militar chefiada pelo carniceiro Pinochet. Obviamente, os tempos são outros, o contexto político do Brasil de 2018 é outro e, definitivamente, Temer não é Allende. Mas, o anúncio do caos tem poder mobilizador e é preciso que as forças democráticas estejam atentas aos desdobramentos que se seguem. O desgoverno é inegável e caso as medidas anunciadas por Temer não surtam efeito pode haver um acirramento dos ânimos. É imprescindível então que as forças progressistas articulem a denúncia da condução lesiva do governo golpista, incluída aí a criminosa dilapidação da Petrobrás e sua nefasta politica de preços, mas deixando claro que a saída para o país só pode ser encontrada na democracia.