Universidades que ofertaram cursos sobre o Golpe se reúnem

O primeiro anúncio sobre uma disciplina para refletir acerca do golpe de 2016 aconteceu na Universidade de Brasília (UnB), em fevereiro de 2018, sob a coordenação do professor Luiz Felipe Miguel, da área da Ciência Política.

Universidades que ofertaram Cursos sobre o Golpe de 2016 se reúnem em Curitiba - Divulgação

Logo após, o Ministério da Educação publicou uma nota informando que o curso seria censurado. Mendonça Filho, ministro da Educação, só não imaginava que a tentativa de censura e desrespeito à autonomia universitária provocaria uma avalanche de cursos sobre o golpe de 2016 nas universidades brasileiras. Hoje, são mais de 100 cursos em diferentes modalidades, de aulas a atividades de extensão.

Com o objetivo de reunir as reflexões dos diferentes cursos ofertados em todo o Brasil, foi realizado um seminário nacional, nos dias 14 e 15 de maio, na Universidade Federal do Paraná. Professores que ministraram disciplinas sobre a temática do golpe de 2016 se revezaram para expor de que forma levaram esse debate aos alunos.

As mesas trataram de temas como “A Crise no Brasil e na América Latina”, “Do Golpe de 2016 à prisão de Lula: aspectos jurídicos e políticos”, “Operadores do Golpe: papel da mídia”, “Impactos do Golpe na economia, na educação e relações sociais”, “Golpe e democracia” e “O Golpe na Educação”. Para a Professora Mônica Ribeiro da Silva, coordenadora do evento em Curitiba, “o objetivo foi consolidar este grande coletivo que se formou, propiciar trocas acerca das reflexões e aprofundamentos dos diferentes cursos realizados desde o início de 2018”.

O manifesto que apresenta o seminário nacional diz que as Universidades, ao realizarem o debate dentro e fora dela, cumprem seu papel. Diz o manifesto: “exatamente pelo fato de reconhecermos o nosso papel e a necessidade de debater as grandes questões nacionais e internacionais é que não silenciamos e nem nos silenciaremos sobre a gravidade desse momento histórico. Lembrando que nos idos de 1964, enquanto alguns insistiam em chamar golpe de estado de revolução, coube aos pesquisadores, professores e alunos apontar através de suas pesquisas que estávamos vivendo sob uma ditadura civil-militar”.

Golpe 2016: Causas e consequências

Para a Professora Leda Paulani (USP), que participou da oferta de curso na Universidade Federal do ABC, a realização dos cursos se dá para disputar narrativas. “Existe a narrativa de que o que aconteceu foi um impeachment e a outra é de que houve um golpe de estado. O que estamos fazendo é construindo coletivamente com subsídios teóricos a narrativa contrária a apresentada em especial pela grande mídia ”, explicou.

Sobre o aprofundamento do golpe, o Professor Carlos Eduardo Martins, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explicitou que a atual conjuntura do Brasil se une a outros episódios ocorridos em países da América Latina: “o golpe de estado no Brasil é parte de uma articulação internacional, envolvendo Estados Unidos e Europa Central, para desestabilizar o bloco de centro-esquerda e esquerda que emerge a partir da primeira década do século 21. Esta articulação ganha sócios e aliados internos expressivos na burguesia dependente associada ao liberalismo internacional. É importante que se destaque que estes governos mais à esquerda na América Latina vinham ganhando eleições importantes e com esta articulação, vão um a um sendo derrotados e ou golpeados. ”

Já para Armando Boito, professor de Ciência Política da Universidade de Campinas, “ é preciso saber quem deu o golpe de estado. E eu não me refiro aqui a instituição executora do golpe, o Congresso Nacional. Nenhuma instituição age no vazio. Tem que ter uma base social para isso. Está apoiada em interesses e, na maioria das vezes, interesses de classe”. “O tipo de condução política dos governos petistas, que privilegiavam políticas sociais, por exemplo, é que provocou a reação dos neoliberais, que defendem menor intervenção do Estado, maior força ao mercado, privatizações, etc", complementa.

Boito analisa criticamente a passividade dos movimentos sociais e trabalhadores nos próprios governos petistas. “É preciso fazer essa autocrítica. Os trabalhadores não compareceram lá atrás na defesa do mandato da presidenta Dilma. Uma razão é derivada de medidas impopulares na área da economia. Mas era necessário conscientizar que a defesa do mandato se fazia necessário”, analisa. “Agora é preciso recuperar este déficit organizativo e de formação política”, finaliza.

Encaminhamentos futuros

O entendimento do coletivo que se formou nas universidades que o golpe está em andamento e se acirrando. E que é preciso divulgar as reflexões ao mesmo tempo em que se organiza a resistência. "Desde o anúncio da minha disciplina até o início dela, a conjuntura mudou muito, o golpe avançou. Portanto, essa rede que se forma é importantíssima para que possamos fornecer subsídios para a sociedade brasileira", diz Luiz Felipe Miguel.

Ao final do Seminário, pesquisadores e professores participaram de uma grande plenária que apontou encaminhamentos para o futuro. Entre eles, a criação da Rede de Professores pela Liberdade Democrática e a realização de próximos eventos que terão como objetivo a reflexão e elaboração de soluções para o país.